O homem que comanda os metalúrgicos do ABC paulista, Luiz Marinho, quer o povo nas ruas protestando pela mudança do modelo econômico

Fuga de dólares, quebradeira das Bolsas de Valores e desvalorização cambial foram alguns dos problemas que varreram a economia brasileira. Enquanto especialistas graduados em administração de empresas, economia, contabilidade e engenharia se debruçavam na quarta-feira 13 para descobrir saídas para o País ou salvar seu dinheiro, o metalúrgico Luiz Marinho lidava com a consequência mais dolorosa da instabilidade: o desemprego. Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Grande ABC, ele liderou em São Bernardo do Campo uma passeata com os 2,8 mil empregados demitidos da Ford e seus familiares. A mobilização contou com políticos de partidos de esquerda e militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST), que puxavam o coro de "FHC, seu vagabundo, tirou o emprego de todo mundo". A manifestação, na realidade, transformou-se em um ato em defesa da retomada do crescimento. E é justamente esse o objetivo deste paulista de 39 anos, nascido em Cosmorama, que já trabalhou na roça e como vendedor em supermercados antes de ser contratado pela Volkswagen. Hoje, ele vê a base de seu sindicato diminuir a cada ano. Apesar de estar batalhando há 15 dias para que a Ford reveja as demissões, Marinho admite nesta entrevista que considera a causa perdida se o governo não mudar a política econômica. Para tanto, tem colocado sua experiência de negociador a serviço da difícil tarefa de reunir uma frente de governadores para pressionar o governo federal. Na agitada semana que passou, se encontrou inclusive com o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, um dos maiores desafetos do presidente Fernando Henrique Cardoso.

ISTOÉ – As demissões na Ford não eram inevitáveis?
Luiz Marinho

Olha, as montadoras registraram uma queda brutal da produção. Em 1997 responderam por 2,07 milhões de veículos e no ano passado 1,57 milhão. A perspectiva para 1999 é de um número menor ainda e aí está o principal motivo das 2,8 mil dispensas na Ford. A política econômica tem provocado uma retração no mercado e, se não fosse por ela, as demissões na montadora não ocorreriam. Do meu ponto de vista, elas são reversíveis somente se o governo mudar a política econômica.
 

ISTOÉ – A montadora demonstra disposição de rever os cortes?
Luiz Marinho

A única proposta feita até agora é a readmissão de 300 trabalhadores com problemas de saúde. Mas estes têm estabilidade. Nada foi negociado além disso.
 

ISTOÉ – A Ford buscou uma alternativa antes de anunciar os cortes?
Luiz Marinho

No início de 1998 a montadora chegou a propor a ampliação do banco de horas para tornar mais maleável a jornada de trabalho. Queria 46 horas semanais de trabalho no máximo e 36 horas no mínimo, contra 44 horas e 34 horas que estavam vigorando. Vale lembrar que nossa jornada oficial normal é de 42 horas. Uma assembléia dos trabalhadores rejeitou as 46 horas.
 

ISTOÉ – O sindicato errou ao não se antecipar aos problemas da Ford?
Luiz Marinho

Não acredito. Em 1996 a empresa propôs criar o banco de horas para lançar o Fiesta brasileiro. Pediu compreensão porque precisava modernizar a fábrica e nós aceitamos. Os trabalhadores trabalharam então 36 horas todas as semanas e compensaram em 1997 com uma jornada de 44 horas. Isso só foi suspenso quando veio o pacote econômico de novembro daquele ano. Além disso, a Ford terceirizou parte da sua produção e o sindicato não se opôs. O fato é que a Ford errou e errou muito desde a década de 80. Recentemente, teve um problema de visão do mercado, em um momento em que concorrentes como a General Motors e a Fiat apostavam pesado em novos produtos e a Volks conseguia se segurar com o Gol. Ainda assim, em 1997, a Ford conseguiu ir bem. Se o mercado tivesse se mantido em 1998 como naquele ano, essas demissões não estariam ocorrendo.
 

ISTOÉ – As 2,8 mil demissões ocorrem em um momento extremamente conturbado do País, com a moratória de Minas Gerais e a desvalorização do real. A idéia é tornar a mobilização dos trabalhadores nacional?
Luiz Marinho

Estamos propondo uma mobilização nacional a favor do emprego. Tenho mantido encontros com governadores, entre eles Geraldo Alckmin, que estava como governador em exercício em São Paulo, Itamar Franco, de Minas Gerais, Olívio Dutra, do Rio Grande do Sul, e vou marcar outras reuniões justamente porque o desemprego e a queda de arrecadação dos impostos estaduais são consequência da política recessiva do Palácio do Planalto. Ou mexemos nessa política ou não tem jeito, a situação tende a piorar. Vale lembrar que o presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu seu primeiro mandato com uma dívida pública de US$ 61 bilhões e hoje ela está em mais de US$ 350 bilhões. Este aumento ocorreu basicamente por causa das taxas de juros altas, que são inconcebíveis. Precisamos voltar a ter crescimento econômico. Não para reverter as demissões da Ford, mas para evitar novas dispensas em outras empresas.

ISTOÉ – A Ford então é uma batalha perdida?
Luiz Marinho

De jeito nenhum. Não trabalho com essa desesperança, mas acho difícil que a montadora volte atrás, a não ser que o governo tome medidas para reativar o consumo. E mesmo que algo seja feito em benefício do aumento da produção no Brasil, é evidente que o efeito não será imediato. Haverá uma retomada progressiva das vendas. Surgiria então condições para discutir com a montadora uma transição até essa retomada. Um acordo como o que foi fechado com a Volkswagen ou algo mais profundo. A Volks cogitou de demitir quatro mil trabalhadores da unidade de São Bernardo do Campo em dezembro e depois de negociações aceitou reduzir os salários dos trabalhadores em 15%. Eu me pergunto hoje, diante do quadro negativo que está aí, se o sindicato conseguiria um acordo como aquele novamente. Além disso, o trabalhador fica sem nenhuma perspectiva ao ficar desempregado. A situação é bem pior que na recessão dos anos 80.
 

ISTOÉ – Por quê?
Luiz Marinho

Porque naquela época quem era demitido conseguia arranjar outro trabalho em outra empresa, mesmo que não fosse no ramo metalúrgico. Hoje não há vagas em nenhum lugar. O mais dramático não é perder o emprego hoje, mas saber que não há onde procurar outro. A tecnologia avançou muito, com ampliação da produtividade. E o mercado não reage tão rápido a um aquecimento e não contrata tão fácil.
 

ISTOÉ – O sr. considera então a Ford um problema macroeconômico e não localizado?
Luiz Marinho

Com certeza. Essa luta diz respeito a qualquer pessoa que queira o aumento de emprego e aos prefeitos e governadores, que sofrem com a queda da arrecadação de impostos. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), José Carlos Pinheiro Neto, declarou recentemente que as demissões não vão se limitar à Ford se não houver uma mudança da política econômica. A Fiat em 1997 tinha 24 mil e hoje tem 12,7 mil. Demitiu ou terceirizou quase a metade. Esse é o drama. E toda a cadeia produtiva sofre com esses cortes. Na semana passada, duas empresas de autopeças anunciaram cortes. A economia toda é entrelaçada e sofre com essas taxas de juros elevadas.
 

ISTOÉ – O sr. se reuniu com o governador Itamar Franco, acusado por alguns de ter precipitado a nova crise financeira com a moratória de Minas Gerais.
Luiz Marinho

Eu não teria tomado uma atitude tão intempestiva como a que ele tomou. Mas vale lembrar que ele recebeu um Estado em situação de moratória, que não pagou o 13º salário. Se não fosse a política do presidente Fernando Henrique, Minas Gerais não estaria nessa situação.
 

ISTOÉ – A estratégia do sindicato é sensibilizar a população frente aos demitidos, ao contrário das greves aguerridas das décadas de 70 e 80?
Luiz Marinho

Naqueles anos ganhávamos automaticamente a simpatia da população porque estávamos brigando com a ditadura. Hoje é muito mais difícil decretar uma greve e, sem dúvida, chamar a atenção para o desemprego é um dos recursos.
 

ISTOÉ – A desvalorização cambial anunciada com a saída de Gustavo Franco da presidência do Banco Central não indica uma mudança de rumo do governo?
Luiz Marinho

 Sempre achei o Gustavo Franco muito arrogante, prepotente. Ele se acha um gênio. A mudança do câmbio pode ser um sinalizador positivo de mudança de rumo do programa econômico brasileiro. Mas a saída de Franco não significa nada se seu sucessor, Francisco Lopes, mantiver o resto do projeto como está.

ISTOÉ – A câmara setorial, que criou o carro popular, por exemplo, sempre foi malvista por Franco e por toda a equipe econômica. O sr. defende a sua volta?
Luiz Marinho

Sim. Alguns representantes do governo me parecem ser a favor das câmaras setoriais, como os ministros José Serra (Saúde) e Francisco Dornelles (Trabalho). Mas a equipe econômica é contra, porque considera que ela só traz subsídio. É um equívoco, pois menos impostos podem resultar em aumento da arrecadação de tributos, devido ao aumento da escala das vendas. Foi o que aconteceu em 1992. Se a equipe econômica não quiser abrir mão de receita, basta colocar metas de aumento de arrecadação. Se não forem cumpridas, o acordo poderia ser cancelado.
 

ISTOÉ – O que o sr. achou da nomeação de Dornelles para o Ministério do Trabalho?
Luiz Marinho

O Dornelles é um político experiente. Não sei se deveria ser indicado para o Ministério do Trabalho, mas tem dado declarações interessantes a favor das necessidades de mudanças para o aumento de produção. É melhor alguém de fora do meio sindicalista do que colocar o Luiz Antônio de Medeiros ou o Paulinho Pereira da Silva, da Força Sindical. Aí, sim, seria um erro, pois precisamos de alguém que agregue as centrais. E existe uma desconfiança da CUT com a Força Sindical, que tende muito a apoiar o governo.

ISTOÉ – Por que a CUT e a Força não se aproximam mais agora?
Luiz Marinho

De fato as centrais deveriam ter noção de seu papel e trabalhar nesse sentido. O emprego é nosso objetivo comum. Eu tentei uma aproximação no ano passado. Marquei encontros reservados com representantes do sindicato dos metalúrgicos da Força para tentarmos algo que viabilizasse o aumento das vendas das montadoras. Pedi que a imprensa não fosse noticiada. Mas na segunda reunião vários jornalistas estavam no local do encontro e o pessoal da Força não mostrou disposição para o acordo. Mas não descarto novas tentativas para um movimento mais amplo. A situação é muito grave no Brasil. Se não houver medidas de impacto para a retomada do crescimento, vamos ter um ano muito pior do que 1998.
 

ISTOÉ – O sr. teme uma revolta popular?
Luiz Marinho

Pode acontecer. Se uma empresa como a Ford corta 41% dos trabalhadores da sua principal unidade e outras companhias também fazem demissões, pode haver revolta. O caos. É bom lembrar que em 1982 houve saques e derrubaram os portões do Palácio dos Bandeirantes.
 

ISTOÉ – O programa de reciclagem de veículos, que visa sucatear 400 mil carros por ano, dando um bônus de R$ 2 mil aos proprietários, não seria a tábua de salvação das montadoras neste ano?
Luiz Marinho

Ele pode amenizar bem os problemas. Não é a salvação da lavoura, não conseguiríamos uma produção de dois milhões de veículos em 1999, mas ajudaria bastante. O governo paulista ficou de discutir novamente o assunto até o final do mês.
 

ISTOÉ – Se esse acordo sair, não é caso de exigir a estabilidade no emprego?
Luiz Marinho

Claro. É uma das nossas reivindicações. A Anfavea tem resistido a essa idéia, mas na última reunião seu presidente, José Carlos Pinheiro Neto, afirmou que estava aberto a discutir o assunto. Mas para consolidar esse programa, é preciso fazer uma discussão ampla. Tratar de política industrial. De câmara setorial.
 

ISTOÉ – O governo acertou ao nomear Celso Lafer para ministro do Desenvolvimento?
Luiz Marinho

Os empresários receberam bem a indicação. Consideram que ele é do ramo. Mas suas declarações não têm demonstrado isso. Na verdade, até agora Lafer tem defendido a atual política econômica. Ele até fala mais em exportações, mas o mercado internacional não está tão aberto assim para produtos brasileiros. Precisamos de um equilíbrio da balança comercial, mas sobretudo devemos aumentar o consumo no mercado interno.