MARCELO FONTES/AG. ISTOÉ

NA FACULDADE Aos 93 anos, Chain tem
aulas de antropologia, gastronomia e etiqueta na PUC

Acompanhante de marido e mãe. Essa foi a “profissão” exercida pela carioca Marina Tikhomiroff, como ela define, em 33 anos de casamento. Em 1997, dois anos após ficar viúva, Marina se matriculou na Faculdade Aberta para a Terceira Idade Costa Braga (Fati), em São Paulo. Com 55 anos na época, não buscava um passatempo, mas um projeto para dar continuidade à vida. Optou pelo estudo e, após três anos de volta à sala de aula junto com outras 30 alunas da mesma faixa etária, decidiu prestar vestibular para direito. Foi aprovada e por cinco anos dividiu uma sala com mais de 100 jovens. Formada em 2004, Marina prestou o exame da Ordem dos Advogados do Brasil para poder advogar. Foi reprovada na primeira e na segunda tentativas, mas matriculou-se em um cursinho e, enfim, passou no teste.

Com dois filhos, dois netos e duas causas ganhas no currículo da nova profissão, Marina se diz, aos 69 anos, satisfeita por viver a terceira idade de forma produtiva: “Minha auto-estima deu um salto quando voltei a estudar. Saí do estado depressivo, fiz amigos novamente. E é com enorme prazer que, hoje, encho a boca e digo que sou advogada.” No mês passado, em tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, a psicopedagoga Vânia Ramos concluiu que casos como o de Marina são cada vez mais comuns. Para Vânia, há uma quebra do paradigma de velhice estigmatizada, aquela em que o idoso vive o último período da existência à espera da doença e da morte, seja cuidando dos netos, seja fazendo tricô em frente à tevê. Segundo ela, está em curso um novo momento de envelhecimento no País: o da velhice que se transforma na busca do conhecimento.

Em Velhas e velhos conquistam espaços nas universidades de São Paulo: política, sociabilidade e educação, a pesquisadora analisou os discursos de 24 idosos que freqüentam aulas em universidades abertas à terceira idade há mais de cinco anos. E verificou que eles não retornam aos estudos para fazer o tempo passar. “Eles buscam conhecimento, acabam descobrindo novas amizades e desenvolvem a auto-estima”, diz Vânia. “Assim passam a ser vistos pela família como velhos sábios.”

FABRÍZIA GRANATIERI/AG. ISTOÉ

APOSTILA “A universidade é como uma maternidade.
Você entra lá e renasce”, diz Angélica (de roupa listrada)

Aos 93 anos, Chain Kuperman é aluno da Universidade Aberta à Maturidade da PUC há 11 anos. Ele afirma que, em vez de ficar em casa depois de se aposentar, resolveu “continuar aprendendo, aprender o que não sabia e aquilo que já tinha esquecido”. Conta ainda que os netos passaram a convidá-lo para almoços e sessões de cinema. “Eles gostam de saber o que eu aprendo em aula”, diz Chain, que toma dois ônibus – caderno, lapiseira e borracha a tiracolo – para estudar.

Cerca de 20 mil idosos estão matriculados em universidades abertas à terceira idade, segundo o médico Ricardo Veras, consultor da Organização Mundial da Saúde para assuntos de envelhecimento e diretor da Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O estudo como forma de envelhecimento produtivo é uma saída inteligente para o brasileiro acima de 60 anos, o grupo etário que mais cresce. Em 1950, havia 2,1 milhões de idosos no País. Hoje, esse número é de 18 milhões e, em 2025, serão 32 milhões.

O País, porém, ainda não está preparado para lidar com o crescimento do contingente da terceira idade. De acordo com o médico Veras, das 160 escolas de medicina do País, somente oito possuem a disciplina geriatria, ao passo que, de cada dez idosos, oito têm doenças crônicas. Mesmo assim, nesse novo cenário demográfico, o brasileiro atinge a terceira idade com a expectativa de viver mais 12 anos pelo menos – o que não ocorria 20 anos atrás. “Não dá para desperdiçar todo esse tempo. Os idosos são o contingente de pessoas com o maior poder de compra. Por meio do estudo, eles podem contribuir para a sociedade”, diz Veras.

ROGÉRIO ALBUQUERQUE/AG. ISTOÉ

CANUDO Marina fez faculdade e cursinho
e se tornou advogada aos 65 anos

Em São Paulo, há cerca de 175 instituições de ensino superior abertas à terceira idade, o que corresponde a 80% do que existe no País. A PUC, onde o aposentado Chain estuda, abriu as portas, em 1991, para uma turma de 40 idosos e, hoje, possui 450 distribuídos em 14 turmas. São 30 alunos por sala, que pagam R$ 650 para cursar um semestre e escolhem as matérias (como antropologia, gastronomia, etiqueta e medicina ortomolecular). Não há vestibular nem diploma. Na Universidade de São Paulo, os idosos encontram vagas – sem a necessidade de vestibular – em cursos regulares para estudar com jovens, mas também não recebem diploma.

“Os idosos não vão à aula para tirar diploma. Estão atrás de conhecimento. Eles ficam bravos quando os professores faltam, não se conformam com as emendas dos feriados e ficam tristes nas férias”, diz o sociólogo Antonio Jordão Netto, coordenador do curso da PUC. Para ele, o significado da universidade para a terceira idade extrapola os valores pedagógico e educativo. “É um trabalho de utilidade pública, de inclusão social, porque o idoso fica menos deprimido, sente menos a solidão e, portanto, freqüenta menos o leito do hospital e o asilo”, diz o sociólogo. O fato é resumido pela carioca Angélica Conte, 69 anos, aluna da Unati: “A universidade é como uma maternidade. Você entra lá e renasce. Os professores são os nossos pediatras. E os meus colegas são pacientes que tomam cada vez menos antidepressivos.”