Dez dias depois de ter decretado a suspensão de pagamentos da dívida de Minas Gerais com o governo federal, o ex-presidente Itamar Franco recebe seis governadores de partidos de oposição nesta segunda-feira 18, no Palácio da Liberdade, para o segundo passo de uma ousada estratégia de mudança na política econômica do País. No primeiro, quando decretou a moratória, Itamar denunciou a fragilidade das contas brasileiras e acirrou a crise de credibilidade do Brasil que resultou na maxidesvalorização do real. Agora, ele quer levar o presidente Fernando Henrique Cardoso a rever a renegociação da dívida com os Estados – o que pode terminar com a demissão do ministro da Fazenda, Pedro Malan, o mais inflexível integrante do governo nesta questão.

Para os governadores da oposição, Fernando Henrique precisa ceder por uma questão simplesmente numérica. Exceção feita ao antigo território do Amapá, que tem grande parte dos salários de seus funcionários até hoje paga pelo governo federal, nenhum dos outros cinco governadores de oposição diz ter condições de fechar as contas estaduais no mês de março. O caso do Rio de Janeiro, que tem uma receita líquida de R$ 490 milhões, é exemplar. Apenas para pagar o funcionalismo e custear a manutenção dos serviços públicos, o Estado precisa de R$ 560 milhões. "Até fevereiro conseguiremos pagar as parcelas de R$ 32 milhões da dívida com a União porque promovemos antecipação de receita. Em março, não mais", anunciou na sexta-feira 15 o secretário da Fazenda do Rio, Carlos Sasse. "Fui o primeiro a defender uma saída técnica, mas agora vou politizar", diz o governador do Rio, Anthony Garotinho. "Vamos partir da palavra para a ação."

Na tentativa de zerar a contabilidade, Garotinho (PDT) quer implantar um fundo de pensão para o funcionalismo, livrando o caixa do pagamento dos inativos, que consomem R$ 193,6 milhões dos R$ 440 milhões da folha. Facilidades para a criação de fundos previdenciários similares estão entre as reivindicações que os governadores pretendem levar, em bloco, a Fernando Henrique. A principal queixa do grupo, porém, é a porcentagem da renda líquida mensal comprometida com o pagamento de suas dívidas com a União. Eles querem começar a discutir do patamar de 6,26%, o que o Rio pagou em 1998. Pelos termos negociados pelo governo anterior, este ano o repasse equivale a 13,27% da receita, crescendo para 17,5% em 2000, 18,25% no ano seguinte e chegando a 26,45% em 2002. Este é o ponto central, mas os governadores vão incluir outros quatro pontos para discussão com o governo federal: a auditagem dos contratos de financiamento, a revisão dos acordos assinados pelos antecessores, um prazo de carência para o pagamento da dívida, além de uma discussão sobre os repasses que entram na composição da receita líquida dos Estados. "Nos termos em que está, a dívida é impagável", resume o governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra (PT). "Se o presidente não quiser renegociar os débitos dos Estados, os governadores podem seguir o exemplo de Itamar Franco e decretar a moratória", afirma o presidente do PT, o deputado eleito José Dirceu, que apenas na última semana viajou 5.846 quilômetros e passou mais de 20 horas ao telefone para organizar a reunião no Palácio da Liberdade.

 

Por baixo do pano Não se trata de uma questão partidária e o melhor exemplo certamente é o da reunião dos governadores que apóiam o governo. Na última terça-feira, eles se reuniram em São Luís do Maranhão para dizer que vão pagar a dívida. Mesmo para a anfitriã, Roseana Sarney, foi uma declaração política e não um ato econômico. Seu Estado deve ao governo federal uma parcela, no valor de R$ 47,3 milhões, que deveria ter sido quitada em dezembro. O que prejudicou as contas de Roseana foi o fato de ela ter incluído na renegociação a venda de uma estatal que não encontrou compradores por causa da crise brasileira. "Os governadores que criticam a moratória querem é tirar uma casquinha e renegociar suas dívidas por baixo do pano", alfinetou Itamar Franco, ao comentar o encontro de São Luís.

A irredutibilidade de Malan pode terminar como um bom argumento para que ele deixe o cargo, mas pouco ajudará o presidente Fernando Henrique do ponto de vista político. Se todos os governadores da oposição suspenderem o pagamento, a credibilidade do País só irá piorar. E, se resistir ao diálogo, o presidente corre o risco de alimentar o perigoso jogo de ferir sentimentos regionais.

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