André Dusek

Do presidente ao ministro Palocci: "Ou abaixa o superávit ou os juros, um dos dois tem que cair. è difícil a convivência com os dois, poupe-me"

Ninguém discorda que as condições para o crescimento depois de 15 meses de arrocho estão criadas. Mas a paciência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos aliados ? apreensivos com os palanques municipais que se avizinham ? parece estar chegando ao limite. Na última semana, durante uma das rodadas de negociação para fixar o valor do novo salário mínimo e os prognósticos econômicos para 2005, embutidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lula mostrou ansiedade com a demora no surgimento de índices econômicos positivos. ?Palocci, ou abaixa o superávit ou os juros, um dos dois tem que cair. É difícil a convivência com os dois juntos, poupe-me?, exigiu o presidente referindo-se ao superávit de 4,25%, que suga as receitas para investimento, e à homeopática queda na taxa de juros. A LDO passou com o superávit ditado pelo FMI e com a meta inflacionária de 4,5% para 2005, mais salgada que os 5,5% deste ano. Mas Lula determinou que a taxa de inflação continuará em discussão. Como se sabe, quanto mais apertada a meta de inflação, maior os juros. O comportamento do mercado na última semana mostrou que o assunto merece mesmo discussão profunda. Além de manter os objetivos fiscais, o ministro do Planejamento, Guido Mantega, declarou que o governo desistiu de implantar qualquer mudança de metodologia no superávit para torná-lo mais sensível a quedas no PIB, como pretendia antes. Tudo para evitar dúvidas sobre a determinação de manter o rigor fiscal.

Mesmo assim, na quinta-feira 15 o mercado e o risco-país foram abalados
por uma polêmica decisão do banco do JP Morgan, que rebaixou a
recomenção de investimentos no Brasil. Para justificar a decisão, cercada
de boatos de que teria agido visando a ganhos especulativos, o banco se refere a preocupações com uma possível deterioração da situação fiscal brasileira. Argumentando que a avaliação do JP é superficial, Mantega contra-atacou: ?Os fundamentos estão solidíssimos, a inflação diminuindo, o superávit garantido. Não gastamos um tostão além do que temos.?

Lula já garantiu várias vezes que não muda nem o modelo nem Palocci e sua equipe, mas deixou explícito que precisa de um desafogo. E já! Dentro do governo sabe-se que os indicadores econômicos só trarão boas notícias no segundo semestre. O fôlego que o presidente pede agora ditou a solução encontrada para o reajuste do novo salário mínimo. Na impossibilidade de dar um aumento maior por causa do impacto nas contas da Previdência, o governo fez uma ginástica contábil para complementar o poder de compra de quem vive com um mínimo. Na quarta-feira 14, Lula abriu a discussão sobre o mínimo com um desabafo: ?Vivi metade da minha vida com um mínimo. Eu quero dar o maior aumento possível, mas com responsabilidade nas contas públicas.? O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini (PT-SP), fez as vezes de ministro da Previdência e entregou todas as projeções e seus custos. Para cada R$ 1 de aumento, o rombo é de R$ 214 milhões em um ano. Por isso, o ministro Palocci sugeriu que a compensação se desse no aumento diferenciado do salário família, hoje de R$ 14 por filho, pago a trabalhadores que recebem até R$ 560. O aumento do salário família não tem efeito na Previdência, que tem 16 milhões de aposentados recebendo o mínimo.

A probabilidade maior é que o mínimo tenha um aumento de 8,33% e chegue a
R$ 260 com o salário família fixado em R$ 22, tese defendida pela área econômica. Esta combinação soma um impacto assimilável com um complemento financeiro para famílias mais pobres. O governo analisa alternativas mais caras com o mínimo em R$ 270 ou R$ 280 e o salário família de R$ 20 ou R$ 25 (ver tabela). Um chefe de família com dois filhos que ganha o salário mínimo, por exemplo, receberia os
R$ 260 mais duas cotas do salário família (R$ 44), totalizando uma renda de R$ 304. A discussão do mínimo mostra a penúria em que o arrocho interno meteu o governo. Prevalecendo o mix R$ 260 mais R$ 22 por filho, o impacto será de R$ 1,4 bilhão em 12 meses e o dinheiro terá de sair de algum lugar. ?Na saúde e educação não se mexe?, advertiu Lula, de antemão. Cogitou-se, então, tirar das estradas, comprometendo outro desafogo planejado para 1º de maio, quando o presidente vai lançar um programa de emergência de geração de empregos para recuperar estradas. O dinheiro terá de sair do esforço de arrecadação federal. ?É isso mesmo, casamos com uma viúva que deve trilhões?, lamentou o ministro Palocci.

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A desinibição do ministro Berzoini (ex-Previdência) no comando da discussão sobre o mínimo provocou um efeito colateral: irritou seu sucessor, o senador Amir Lando (PMDB-AC). Após a reunião no Planalto, o peemedebista ligou para o líder do Senado, ameaçou pedir o boné e foi contido no final do dia. Naquele momento, por outros motivos, a base do governo estava rebelde e não votou nada na semana. PMDB, PL, PTB e PP cobram os cargos prometidos e até hoje não entregues. ?O que foi acertado eu quero tudo resolvido?, determinou o presidente em outra reunião palaciana. Todos sabem que, se a economia crescer, a rebeldia política evapora. O problema está no compasso de espera. O governo mantém a aposta de que é possível cravar 3,5% de crescimento do PIB neste ano, mas vários economistas avaliam que o rigor monetário do BC está comprometendo a aposta. A missão agora é harmonizar os resultados econômicos com a ansiedade eleitoral. O PT quer crescer nas cidades grandes, e é nestes centros que a popularidade do governo despenca por causa da economia.


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