Eles foram chegando lentamente, nas primeiras horas da noite de quarta-feira 6. Armados até os dentes e vestidos com fardas camufladas novinhas em folha, os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ocuparam a praça central e as principais ruas de San Vicente del Caguán, uma pequena cidade no Sudoeste da Colômbia a 700 quilômetros de Bogotá, a capital. Os guerrilheiros, que virtualmente já controlam o povoado, foram encarregados da segurança da histórica solenidade de abertura das conversações de paz entre o governo colombiano e as Farc, que se instalariam no dia seguinte, para tentar pôr fim a mais de 40 anos de conflito armado com o grupo insurgente mais antigo da América Latina. "Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Sinto que meu coração está grande", emocionava-se uma velhinha nas primeiras horas da ensolarada manhã da quinta-feira 7. Mas o início das negociações acabou sendo palco de uma grande frustração, que fez pairar nuvens sombrias sobre o futuro do processo de paz. Na última hora, o comandante máximo das Farc, Manuel Marulanda Velez, o "Tirofijo" (tiro certeiro), não compareceu à cerimônia, como estava previsto, para abrir os trabalhos ao lado do presidente da Colômbia, Andrés Pastrana Arengo. Ele foi representado por três altos comandantes das Farc.

A imprevista ausência do líder máximo foi atribuída pela guerrilha à descoberta de um plano para assassiná-lo. "A ausência de Marulanda não pode ser razão para não seguirmos adiante na instalação das negociações de paz", disse o presidente Pastrana, que logo depois de ter sido eleito, em agosto passado, tomou a iniciativa de encontrar-se com Tirofijo em território da guerrilha. Apesar da alegação de um plano para assassinar Marulanda, tudo indica que a mais antiga força guerrilheira do continente sucumbiu a uma estratégia de marketing. Afinal, Tirofijo é um mito vivo e sobre o qual circulam as mais fantásticas histórias. Mas ele já está velho, com quase 70 anos. Não se sabe em que condições físicas ele se encontra atualmente e qual o impacto que causaria no público eventuais tropeços de um veterano líder que está internado na selva colombiana há mais de três décadas e desconhece as armadilhas de uma superexposição na mídia.

Ainda é muito cedo para saber se essa terceira tentativa de acabar com o conflito terá melhor sorte que as anteriores. Mas o fato é que, desta vez, o presidente Pastrana demonstrou uma vontade política muito maior do que seus antecessores. Pela primeira vez na história colombiana, o governo aceita vir ao território da guerrilha para negociar, num reconhecimento explícito do poderio militar e político das Farc, que contam com quase 15 mil homens muito bem equipados, controlam quase 40% do território da Colômbia e chegam a obter US$ 1 bilhão por ano com atividades ilegais. San Vicente del Caguán, por exemplo, é o centro do que ficou conhecido como "Farcolândia", santuário do grupo guerrilheiro no Departamento de Caquetá. Há poucos meses, o governo atendeu à reivindicação dos rebeldes e retirou cerca de 900 soldados do Exército agrupados no Batalhão de Caçadores. Acusado pelos rebeldes de usar táticas genocidas na luta contra-insurgente, o Exército foi o grande ausente na cerimônia de abertura das negociações, que teve até troca de gentilezas entre comandantes guerrilheiros e oficiais da Polícia Nacional que vieram fazer a proteção presidencial.

Em San Vicente del Caguán, os guerrilheiros sempre circularam com desenvoltura entre os habitantes. Mas certamente eles nunca haviam entrado na cidade de maneira tão estrepitosa como nestes dias. Chegaram transportados em novíssimas caminhonetes Land Cruiser da Toyota. Carregavam fuzis M-16 (americanos), AK-47 (russos), FAL (belgas), morteiros e poderosas metralhadoras calibre ponto 50. Seus uniformes camuflados são muito semelhantes aos do Exército colombiano. Os rebeldes só se distinguem dos militares pela ausência de insígnias e pelas botas de borracha (o Exército usa os tradicionais coturnos).

Chama a atenção a grande participação feminina na força guerrilheira. E as mulheres estavam produzidas para o evento. Em meio à farda e ao arsenal de meter medo, grande parte exibia unhas pintadas, usava batom, brincos, anéis e pulseiras em meio à farda e ao armamento. A guerrilheira Diana, 20 anos, chamava a atenção pela beleza. "Estou na guerrilha há 11 meses", contou ela a ISTOÉ. "Eu era estudante, mas não via perspectiva nenhuma em meu país sem uma mudança profunda. Por isso, entrei nas Farc." O rosto angelical esconde talvez uma atiradora exímia, que, apesar da pouca idade e experiência, diz ter participado de combates. "Você não tem medo de morrer?", pergunta o repórter. "É claro que eu tenho. Mas isso não é motivo para eu abandonar a luta", diz, convicta, mas com olhar ligeiramente malicioso. Nem todos os guerrilheiros têm a doçura de Diana. "Nós lutamos por uma mudança profunda nas estruturas. Queremos uma pátria socialista", diz, sem meio-termo, um guerrilheiro, este sim mais afinado com o figurino tradicional.

Nos próximos dez dias, quando a agenda das negociações começar a ser definida, se saberá se essa iniciativa terá mais êxito do que as demais. O processo agora vai enfrentar uma dura prova. O governo do presidente Andrés Pastrana já admitiu concessão de autonomia para os territórios controlados pelas Farc. Mas há muitas questões delicadas, como o problema dos paramilitares, forças criadas pelo Exército nos anos 80 para realizar o trabalho sujo contra a guerrilha. Das cerca de 70 mil mortes pela violência, os paramilitares respondem por dois terços. E agora eles se transformaram numa força autônoma muito poderosa, com apoio de fazendeiros e narcotraficantes. Eliminá-los é um ponto de honra para os guerrilheiros. Resta saber se o governo terá força suficiente para isso. "É um processo que vai demorar muito. É como uma porcelana. Temos que cuidar dela, olhá-la, contemplá-la e não deixar que ela se quebre", disse o senador Fabio Valencia Cossio, presidente do Congresso e membro da Comissão de Negociação. "Não podemos mais continuar a ser três países irreconciliáveis: um país que mata, outro que morre e um terceiro que abaixa a cabeça horrorizado e fecha os olhos", afirmou o presidente Pastrana no final de seu discurso.