A difícil queda-de-braço travada entre os 2,8 mil metalúrgicos demitidos e a Ford vai definir nas próximas semanas o futuro da montadora no Brasil. As invasões diárias da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, iniciadas na segunda-feira 4, até agora não sensibilizaram a multinacional. Ela cansou de prejuízos, quer esquecer que tem capacidade para produzir 1,1 mil carros por dia nesta unidade e se contenta em montar 500. Com essa estratégia, a Ford se dispõe até a perder mais mercado no País nos próximos anos, depois de sua participação nas vendas de veículos já ter despencado dos 20% da década 70 para os atuais 13%. É uma decisão polêmica, já que uma boa fatia de mercado é arma poderosa na disputa de marketing das montadoras. "A Ford agora pensa da seguinte forma: danem-se a participação e o volume de produção. Queremos ganhar dinheiro", avalia um especialista em revendas de veículos. Até há alguns meses, a montadora tentava ainda enfrentar a concorrência feroz da Volkswagen, Fiat e GM – a Ford é lanterninha nesta turma de gigantes. Mas o prejuízo acumulado de US$ 75 milhões entre janeiro e setembro passados, a recessão e a perspectiva de enfrentar ainda novos concorrentes como a Renault e a Peugeot fizeram com que a multinacional desse uma guinada em sua estratégia para o Brasil. Ela passará a se contentar com menos mercado, desde que isso signifique menos risco em relação aos lucros.

A decisão mexe diretamente com as famílias dos 2,8 mil demitidos e indiretamente com trabalhadores de fábricas de autopeças. As plantas da Ford em São Paulo e Taubaté, no interior do Estado, também devem sofrer redução de produção e de pessoal. Contribui decisivamente para isso o fato de que a nova unidade de Guaíba, no Rio Grande do Sul, deverá ser mais rentável por contar com isenções fiscais, firmadas entre o ex-governador Antônio Britto e o presidente da montadora, Ivan Fonseca da Silva, além de mão-de-obra mais barata. Lá, será produzido o novo compacto Amazon. Mas a linha só entra em operação em 2002. Até lá a empresa pretende se conformar em diminuir de tamanho. Para os revendedores, o caminho é correto, contanto que a qualidade dos veículos seja boa. "A Ford não pode mais produzir veículos em excesso, pois sobram carros no mercado e somos obrigados a reduzir os preços. O que queremos é faturar", declara Roberto Kovacs Filho, diretor-comercial do grupo Caoa, maior distribuidor Ford do País, com 12 concessionárias. Ele considera o percentual de participação de mercado algo secundário agora. "Queremos qualidade." A opinião é compartilhada pelo empresário Eufrásio Pereira Luiz Júnior, responsável por duas revendas Ford. "Queremos sobretudo voltar a ter uma marca de nome", ressalta. O revendedor adotou uma política de enxugamento, vendeu as cinco lojas que tinha em Mato Grosso e em uma de suas atuais concessionárias diminuiu de 150 para 90 o número de empregados nos últimos dois anos.

A decisão da Ford de cortar drasticamente o número de trabalhadores também faz parte de uma estratégia de mudar a mentalidade de quem trabalha para ela. Quer se livrar de metalúrgicos ligados ao sindicato da região, filiado à CUT e considerado um dos mais batalhadores. Até agora, seu diretor de recursos humanos, Carlos Marino, não mostrou nenhuma disposição de rever as demissões. Apenas 300 trabalhadores que teriam estabilidade por problemas de saúde ou estão para se aposentar poderiam ser readmitidos. O caso ganhou tamanha proporção que, ao receber o presidente do sindicato dos trabalhadores, Luiz Marinho, o governador do Rio Grande Sul, Olívio Dutra, filiado ao PT, se comprometeu a levar o problema do desemprego na reunião do próximo dia 18 entre os governadores de oposição que querem renegociar as dívidas de seus Estados. Em sua sede, em Detroit, nos Estados Unidos, a Ford assiste atentamente ao desenrolar do imbróglio no Brasil. A demissão de 2,8 mil dos seis mil empregados de São Bernardo do Campo faz parte da política de redução de custos da segunda maior montadora do mundo. Com faturamento anual de cerca de US$ 130 bilhões, já reduziu US$ 3 bilhões em custos nos últimos 12 meses. Agora quer cortar mais US$ 1 bilhão neste ano. Doa a quem doer.