Uma das cenas mais memoráveis de 2001, uma odisséia no espaço era a de um ônibus espacial se aproximando de uma gigantesca roda orbital que girava graciosamente aos acordes da valsa Danúbio Azul. A nave, lia-se na fuselagem, era da PanAm, a maior das companhias aéreas dos anos 60 (o filme é de 1968). Já a roda era um hotel Hilton. Essa visão de um espaço privatizado contrastava com a realidade da época, onde uma estatal mastodôntica chamada Nasa torrava US$ 90 bilhões em valores de hoje para pousar o homem na Lua em 1969. Passadas três décadas, as atividades espaciais movimentaram US$ 80 bilhões em 1997, ano em que pela primeira vez os gastos do setor privado – destacando-se os satélites de comunicação – excederam os dos governos. Até a Nasa aderiu à terceirização. Ela contrata a construção de suas naves com firmas como a Boeing e a Lockheed e privatizou a operação da frota de ônibus espaciais. Mas essa privatização do espaço ainda é tímida. Pelo menos sob a ótica de um negociante de 52 anos do Estado americano do Kansas chamado Jim Benson. Após fazer fortuna no negócio de programas para computador, ele quer agora ir aonde nenhum empresário jamais esteve. "Gastei um ano pesquisando oportunidades de negócio na órbita terrestre, na Lua, nos asteróides, em Marte e além. Saí de mãos vazias", revelou em entrevista a ISTOÉ. "Então percebi haver um mercado anual de ciência espacial de US$ 1 bilhão. Só a Nasa gastou US$ 45 milhões com cada experimento científico que colocou na nave Near."

Ele se refere à Near Earth Asteroid Rendezvous (encontro com asteróide próximo à Terra), missão lançada em 1996 e que, no ano seguinte, fotografou o asteróide Mathilde. É exatamente nesse domingo 10 que ela se torna o primeiro veículo construído pelo homem a entrar em órbita de um asteróide. No caso, Eros, rocha do tamanho de uma pequena cidade que vagueia o cosmo nas cercanias da Terra. Acredita-se que os asteróides sejam sobras da matéria-prima usada há 4,6 bilhões de anos na modelagem do sistema solar. Por que estudá-los? Bem, os principais filmes catástrofe de 1998, Impacto profundo e Armageddon, tratavam da ameaça do choque de um asteróide contra a Terra, como o que matou os dinossauros há 65 milhões de anos. Sabendo-se que há uma chance em 20 de num futuro distante Eros ser atraído pela gravidade terrestre, o melhor a fazer é conhecê-lo – e bem de perto, se possível. Inclusive para identificar defesas que a humanidade teria contra a aproximação de astros similares surgidos sem prévio aviso – como o Shoemaker Levy 9, que explodiu contra Júpiter em julho de 1994 e foi identificado brevíssimos 18 meses antes da colisão.

É para estudar asteróides que a Nasa desembolsa US$ 211,5 milhões na missão Near. Benson acha que pode fazer o mesmo serviço por um quarto desse preço. Abriu em San Diego a SpaceDev (de desenvolvimento espacial) e investe US$ 50 milhões na construção de uma nave para realizar a primeira missão espacial particular da história. A sonda chama-se Near Earth Asteroid Prospector (prospectora de asteróide próximo à Terra) ou Neap. Para projetá-la, Benson contratou uma equipe de engenheiros calejados em missões da Nasa e não pensa em desenvolver tecnologia alguma. A nave será barata para os padrões da agência espacial, pois montada a partir de componentes e sistemas existentes e já testados. "O maior desafio é levantar o dinheiro e convencer a comunidade científica a enviar seus aparelhos." A idéia é vender espaço de carga para universidades transportarem instrumentos de pesquisa até o asteróide Nereus, um dos milhares de companheiros de Eros e Mathilde já identificados. "Cada experiência produzirá dados com qualidade igual aos da Near a no máximo US$ 15 milhões, contra US$ 45 milhões daquela", diz.

A decolagem da Neap está prevista para 3 de abril de 2001. Nos nove meses seguintes sobrevoará a Lua, passando sobre seus pólos onde a sonda Lunar Prospector achou em 1997 evidências de grandes quantidades de gelo, importante fonte de abastecimento para futuras bases permanentes. "Espero comprovar a existência do gelo", diz. Em janeiro de 2002, a missão iniciará o cruzeiro até encontrar Nereus, em maio. Lá serão gastos até 90 dias colhendo dados. "Desenhamos a sonda para carregar um minijipe-robô e três instrumentos ejetáveis que pousem no asteróide e transmitam suas descobertas à nave, que os enviará à Terra." Vendendo todo o espaço de carga, Benson faturará US$ 120 milhões. "Vou ainda oferecer espaço publicitário na torre de lançamento e na fuselagem. A Neap transportará CDs com listas de nomes de pessoas que pagarem para tê-los depositados no asteróide". Se o negócio for um sucesso, o empresário lucra US$ 70 milhões. Ele, no entanto, é cauteloso. "É até possível que nenhum cliente se interesse e a empreitada seja um fracasso. É um risco inerente às empresas que estão começando."

O objetivo número 1 da Neap é dar lucro, como Benson faz questão de frisar, mas não é o único. Acredita que deve usá-la como ariete para abrir as portas da exploração empresarial do sistema solar. Segundo ele, a disputa comercial no espaço deslancha quando as mineradoras perceberem o valor comercial dos 100 mil asteróides mais próximos. Alguns são montanhas de metais de alto valor. "Aí a corrida começa. Empresas de recursos naturais pagarão para outras firmas acharem minérios e tomar posse deles em seu nome." Mas quando isso acontecerá? "Quando o direito de propriedade no espaço for reconhecido", prega o empreendedor. Nenhum tratado espacial faz menção aos direitos de propriedade particular no cosmo. Adepto da teoria do fato consumado, Benson quer criar um precedente legal nessa questão. "No fim da coleta de dados, vou pousar minha nave em Nereus e declarar sua posse." Uma das regras básicas de qualquer pessoa que quer abrir uma empresa é conhecer toda a legislação referente ao negócio. É com esse conhecimento de causa que Benson decreta: "Não existe nenhuma entidade com direito legal sobre o espaço. Todas as pessoas se beneficiarão da minha declaração de propriedade, pois abrirá as portas do espaço à humanidade."

Pode ser, mas a verdade é que tem gente olhando com interesse o trabalho de Benson. É o caso de Alan Ladwig, o terceiro homem na hierarquia da Nasa e responsável por seu planejamento. "Um sucesso dele fará mais para alavancar a comercialização do espaço do que enviar um punhado de astronautas para fincar bandeiras em Marte". Para isso ocorrer, Benson faz às vezes de caixeiro viajante, batendo à porta de embaixadas em Washington (entre as quais a brasileira) e universidades ao redor do planeta. Antes de conceder essa entrevista, por exemplo, ele havia acabado de chegar da Austrália. No dia seguinte, voou à Áustria. Em 2000, virá ao Rio para vender seu peixe na reunião da Federação Astronáutica Internacional. Quando fala do Brasil, mostra que fez a lição de casa. "O País gastará US$ 150 milhões na Estação Internacional. Com o vôo de um instrumento na Neap custando US$ 10 milhões, poderia ganhar experiência de pesquisa e o prestígio de ser a primeira nação a participar da missão."