Numa tarde de sexta-feira, bem penteada e de batom vinho, a decoradora Aracy Rico Mesquita, 70 anos, entrou no salão de chá da loja Extra Mappin, no centro de São Paulo. Com os pequenos olhos, esquadrinhou toda a área. Ela queria saber o que restou do tempo em que ali se reunia a elite paulistana, as mulheres de luvas e chapéus e os homens de terno e gravata. Ignorando as adaptações entre a antiga e a recente instalação, ela e o marido, Hélio, 77 anos, apontavam onde ficava a mesa que costumavam ocupar. “Vínhamos aqui desde o namoro e um garçom alto e loiro sempre reservava a mesma mesa para nós, num canto como aquele. Mas isso foi há 50 anos”, suspira ela. A cena saudosista tem se tornado comum desde a reabertura da loja de departamentos, há cerca de duas semanas. Assim como o casal Mesquita, outros ex-habitués têm ido ao centro da cidade só para conferir o ressuscitado salão de chá.

A loja de departamentos, inaugurada em 1913 como Mappin Stores, é tida como cartão-postal da cidade. Em julho, sob comoção popular, esteve sob risco de fechar mas, arrendada pelo Grupo Pão de Açúcar, foi reinaugurada em 29 de novembro. O prédio de 1930 foi restaurado e, no quarto andar, reformulou-se o tão cobiçado salão de chá, que hoje funciona conjugado à seção de livraria, papelaria, tevê e som. O anterior funcionou até 1959. Maria Sampaio, 88 anos, aponta uma regra básica de etiqueta dos frequentadores da época. “Ninguém levantava de uma mesa para ficar conversando em outra”, diz ela, como uma reprimenda.

Nelda Defilipi, “uma pessoa de certa idade”, prefere enumerar os detalhes que agradavam às moças elegantes da época. “A louça era de porcelana, os talheres, de prata. E as poltronas? Macias, de veludo.” Nelda costumava passear pelo centro, à tardinha, após as aulas no colégio Caetano de Campos, que funcionava no atual prédio da Secretaria de Educação do Estado, e reclama da agitação das ruas. “A rua Direita era famosa pelas casas comerciais e aqui havia música de piano ao vivo. Andávamos tranquilos pela região, sem o atual clima de tensão”, aponta ela.

O temor da violência do centro levou a dona de casa Célia Peviani, 67 anos, a criar um modelito próprio para o passeio. “Tirei todas as jóias, coloquei um tênis e enfiei o dinheiro no sutiã”, diz ela, avaliando ter exagerado um pouco. Célia nasceu na Argentina, mas está no Brasil desde o final da década de 40, quando ia ao salão acompanhada da sogra. “O chá era muito mais importante que as compras. Também havia disputados desfiles de moda.” Para o revival, ela não mudou só o visual. Também trocou o serviço de chá oferecido pela loja por um lanche e um refrigerante. “Está muito calor”, justifica.

As condições de segurança que tanto preocuparam Célia tendem a melhorar. Com a reinauguração da loja, o Grupo Pão de Açúcar desenvolveu um projeto de revitalização da praça Ramos de Azevedo que se estenderá até o Viaduto do Chá e deverá estar concluído em 25 de janeiro, data do aniversário da cidade. Os novos donos do Mappin também abriram espaço para atividades culturais. Quem for à loja até o Natal poderá apreciar os concertos apresentados na praça, que misturam o lírico e o popular. Célia vibrou com todas as perspectivas de mudanças, mas lamenta não poder apreciar o Municipal a partir do salão de chá. “Do último andar podíamos ver toda a região”, diz ela. Na verdade, a mudança de andar é uma ilusão. O salão continua no mesmo piso. Foi o prédio que cresceu mais dois andares. E a vista para o Teatro Municipal também será preservada. Só está impedida este mês pela enorme decoração de Natal que enfeita a fachada. Outra pequena queixa de Célia é a falta de vigor dos ascensoristas. Afinal, a fala metralhadora que indicava os artigos vendidos em cada andar era outra marca registrada da loja.

Fantasia – Com o tempo, os momentos prazerosos costumam ganhar mais cor e uma boa dose de exagero. Um exemplo são as poltronas de veludo de Nelda – que não existiram no projeto original. “As cadeiras eram de palhinha e foram reproduzidas, assim como as antigas luminárias”, informa a arquiteta Jovita Fiancio, que coordenou toda a reestruturação da loja de departamentos. Encontrar tudo como era antes é uma grande e deliciosa fantasia reconhece a psicopedagoga Maria Lídia de Campos, 67 anos, que, com a amiga Missilena Rutter, 71, adoraria reviver a época em que cabulavam aulas para encontrar-se com amigos no Mappin. “Nossa geração frequentou muito o centro. Tudo acontecia aqui. Não havia salas de espetáculos nos bairros”, analisa. “Acho que se as pessoas perderem o medo de vir ao centro, o Mappin vai ter de ampliar este serviço. Afinal hoje casas de chá requintadas são uma raridade.” Não deixa de ser uma boa dica.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias