Bastam cinco minutos na frente da televisão e um sono incontrolável ganha corpo. O carro pára dois minutos no semáforo e os olhos começam a fechar. É a sonolência excessiva durante o dia, um problema cada vez mais comum que pode estar por trás de um mal muito maior: os distúrbios do sono, que hoje atingem nada menos do que 70% das pessoas no mundo. Entre os distúrbios, estão desde a insônia, que acomete de 30% a 35% das pessoas, até a hipersônia primária (a pessoa dorme as horas necessárias, mas sente que não dormiu o suficiente). A vida moderna aumenta a competitividade e a ansiedade. Daí, nunca o homem dormiu tão mal, o que o obriga a dar suas cochiladas durante o dia.

Nos laboratórios especializados na investigação dos problemas do sono, a procura tem crescido de forma impressionante. Há cerca de dez anos, passavam por essas instituições quatro pessoas interessadas em fazer os exames por noite. Hoje, só nos centros de São Paulo são pelo menos 40. Essa demanda está determinando a abertura de maior número de centros. O laboratório Fleury, em São Paulo, por exemplo, acaba de importar um aparelho para fazer exame de polissonografia e está criando um laboratório de sono. “Muita gente tem procurado os médicos com queixas de sonolência durante o dia e eles têm nos procurado”, explica o neurologista José Barreto, responsável pela área que cuida dos distúrbios de sono no Fleury.

O exame de polissonografia é o primeiro passo para saber o que está errado. Ele é realizado durante uma noite inteira e mede o sono do paciente por meio de um polígrafo que mostra seu ritmo cardíaco, sua respiração e atividade cerebral e muscular. “Filmamos o paciente para analisar se ele não tem comportamento estranho enquanto dorme”, completa Barreto. Esse “comportamento estranho” pode ser decorrente da movimentação periódica dos membros inferiores, distúrbio no qual a pessoa tem espasmos musculares nas pernas durante o sono. Movimentos anormais podem indicar ainda que o paciente sofre de sonambulismo, mal de origem genética que atinge em torno de 1% da população adulta e 15% das crianças. “Com a idade, o sonambulismo tende a desaparecer e quando persiste costuma não requerer tratamento. Fechar as portas para evitar que o sonâmbulo se machuque é a melhor forma de tratar”, brinca o neurologista Ademir Silva, professor da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp).

Mas o que está assustando os médicos é o crescimento de distúrbios como insônia ou privação de sono. Nesse último caso, a pessoa até consegue dormir, mas não repousa por causa de problemas como excesso de atividade. “Atualmente as pessoas não têm horário fixo de trabalho, não têm dia nem noite, e a qualquer hora precisam trabalhar”, diz Silva. Essa necessidade de produção constante tira horas preciosas de sono ou torna as pessoas tão ansiosas que elas perdem a capacidade de relaxar e dormir. O administrador de empresas João Gil, 47 anos, é uma dessas pessoas. Há 20 anos, Gil sofre de insônia e, como toma remédios desde as primeiras noites maldormidas, agora sofre quando fica sem eles. “Até consigo dormir sem as pílulas, mas, além de demorar mais, não tenho um sono tão gostoso. Às vezes pego num livro para driblar a insônia”, lamenta o administrador.

Mas, segundo os médicos, Gil cometeu um erro ao tomar remédio durante esses anos. “Medicamentos para insônia devem ser ministrados uma vez ou outra para não criar dependência”, diz o neurologista Luciano Pinto, do Instituto do Sono da Unifesp. Na verdade, os médicos costumam ser cautelosos em relação aos remédios contra insônia. Os mais usados hoje são os produzidos a partir do princípio ativo zolpidem, que diminui a sensação de “ressaca” no dia seguinte – típica de quem costuma tomar remédio para dormir – e apresenta menos risco de dependência. “Mesmo assim, os medicamentos são usados no início do tratamento. Depois, deve-se encaminhar o paciente para uma terapia comportamental que investigue por que não consegue dormir”, completa o especialista.

De fato, tanto no tratamento da insônia quanto no da privação de sono, é preciso investir na mudança de estilo de vida. É o que está tentando fazer a estudante Marcela Ulian, 22 anos. Ela sofre de privação de sono pelo excesso de coisas que faz durante o dia. Marcela acordava às 4h30 da manhã para ir à faculdade e fica no trabalho até as 19h. Quando chega em casa, o pouco tempo que lhe resta é dividido entre os estudos, os amigos e o namorado. “Conclusão: quase nunca durmo antes da meia-noite”, lamenta. Uma vez a estudante sentiu tanto sono que foi obrigada a parar o carro na vaga mais próxima e dormir pelo menos meia hora. “Quando vi que estava nesse estado, achei melhor procurar um médico”, conta. Hoje, a estudante garante que se obrigou a dormir pelo menos uma hora a mais por dia.

Há, é verdade, distúrbios que independem do estilo de vida. Um deles é a narcolepsia. Trata-se de um raro, mas perigoso distúrbio no qual a pessoa que está acordada cai, de repente, em um estado profundo de sono, o chamado sono REM – do inglês Rapid Eye Movement –, cujo nome se refere à rápida movimentação dos olhos que agem como se acompanhassem visualmente os sonhos. “O sono REM costuma ocorrer de 90 em 90 minutos numa noite bem-dormida. E é nele que se passam os sonhos. Mas as pessoas com narcolepsia entram nesse estado bruscamente, assim que fecham os olhos, a qualquer hora do dia”, explica o neurologista Flávio Aloi, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Por isso, nesses casos o tratamento é feito à base de medicamentos estimulantes, que deixam a pessoa mais alerta e acordada durante o dia.

Outro distúrbio que também tira o sono de muita gente é a apnéia, que atinge de 4% a 9% da população. “O paciente sofre paradas respiratórias que podem ocorrer de 20 a 50 vezes em uma só hora”, explica o ortodentista Marco Antônio Machado. Ele é especialista em aparelhos ortodônticos para pessoas com apnéia. Isso porque o que costuma dificultar a passagem do ar é a falta de espaço entre a língua do paciente e a faringe. “Com o aparelho, o maxilar é trazido milímetros para a frente e a língua e a faringe se separam, facilitando a entrada do ar”, explica Machado.

Foi esse aparelhinho que resolveu o problema do corredor de longa distância e analista de sistemas Ventura Morenilla, 48 anos. “Acordava sufocado e sentia medo de dormir e ter falta de ar”, lembra. “Agora durmo com o aparelho e respiro normalmente. Até meu desempenho nas corridas melhorou”, completa. Ele costumava correr cerca de dez quilômetros em uma hora e cinco minutos e agora baixou seu próprio recorde para 55 minutos.