O vexame foi duplo. Apenas dois meses após perder a sonda Climate Orbiter, de US$ 125 milhões, destruída durante a entrada na atmosfera de Marte, a Nasa repetiu o feito, desta vez em maior escala. A nave Polar Lander falhou em estabelecer contato com a Terra ao descer perto do Pólo Sul marciano. Prejuízo: US$ 165 milhões. Nem mesmo as duas microssondas que ela jogou contra a superfície minutos antes do pouso se salvaram, resultando na perda de outros US$ 55 milhões. O balanço total do desastre supera os US$ 300 milhões e sepulta o programa americano de exploração do Planeta Vermelho em 1999 e 2000. O que mais surpreende é que este desempenho pífio se deu dois anos após a espetacular descida da Pathfinder em 4 de julho de 1997. Ela enviou imagens inesquecíveis de uma paisagem rochosa e encantou o mundo com os passeios do seu jipe robô Sojourner. Contabilizado o prejuízo, só resta à agência espacial americana detectar as razões para tamanho fracasso e se explicar diante do Congresso, sempre disposto a passar a faca no orçamento anual de US$ 11 bilhões da Nasa.

A Polar Lander foi lançada em 3 de janeiro. Após 11 meses de vôo, deveria pousar no Planeta Vermelho e estender um braço mecânico para recolher e analisar amostras do solo à procura de água e indícios de vida. Não fez uma coisa nem outra. Deu chabu antes disso. Ao longo de 757 milhões de quilômetros, a Polar Lander correspondeu às expectativas dos seus projetistas. Respondeu a cada correção de trajetória, enviando sempre à Terra indicações de que operava normalmente. No fim da tarde de sexta-feira 3, quando se encontrava há cinco minutos da entrada na atmosfera e há dez minutos e 30 segundos do pouso, a nave voava a 24,8 mil quilômetros por hora quando liberou duas microssondas, a Amundsen e a Scott, homenagem aos exploradores norueguês e britânico que disputaram em 1911 a corrida para atingir o Pólo Sul. Concebidas na forma de estacas ultra-resistentes, deveriam mergulhar como setas em direção à superfície, perfurando-a na tentativa de achar água.

Liberta das microssondas, a Polar Lander acionou seus propulsores para reduzir a velocidade. A fricção com os gases aqueceu seu escudo térmico a incandescentes 1.650 ºC e submeteu a nave a uma esmagadora pressão de 12 atmosferas. Nesse instante, a Lander cortou o contato com a Terra, fato esperado pelos planejadores de vôo (o contato deveria ser retomado após a descida). Dois minutos antes do pouso, quando estava a 7,3 quilômetros da superfície e a 1.500 quilômetros por hora, um pára-quedas deveria se abrir automaticamente. Em seguida, as patas metálicas se estenderiam e, com a ajuda de 12 retrofoguetes, a nave pousaria às 6h01 da tarde (horário de Brasília) a 800 quilômetros do Pólo. Os sensores da nave aguardariam a poeira assentar para armar uma antena de comunicação e transmitir à Terra um sinal de rádio de “OK, pousei e funciono bem”.

Setenta e duas horas se passaram e nada aconteceu. Os integrantes da equipe de controle da missão no Laboratório de Jato Propulsão, na Califórnia, ficaram todo esse tempo de ouvido colado no rádio, tentando captar algum sinal de vida da sonda. Só escutaram estática. Durante a tensa espera, ninguém deu o braço a torcer um instante sequer. Todos mantiveram a esperança até o último momento. Esse veio na manhã de terça-feira 7 na forma de um comunicado oficial que dizia o seguinte: “Os controladores da missão reconhecem ter muito pouca esperança de estabelecer comunicação com a nave, mas prometem que irão aprender com essa experiência e continuar a exploração do Planeta Vermelho.”

Isso se o Congresso americano deixar. A perda de duas missões é o pior revés da Nasa desde 1993, quando a Observer, missão de US$ 1 bilhão, desapareceu instantes antes de chegar a Marte. À época, as naves eram caríssimas e consumiam anos de desenvolvimento, herança dos tempos do projeto Apollo. Mas o fim da guerra fria fez a Casa Branca reduzir o orçamento da Nasa. Como resposta a isso, em 1996 o administrador-geral da agência, Daniel Goldin, propôs uma mudança de rumos. Em vez de projetos bilionários como o ônibus espacial, a estação orbital e a missão Cassini, atualmente voando em direção a Saturno, defendeu missões menores, mais baratas e rápidas de projetar. Foi o pontapé inicial para o sucesso da Pathfinder e os desastres da Lander e da Climate Orbiter. Ainda é cedo para botar a culpa desses fracassos na redução orçamental do governo Clinton. Mas já se sabe que a missão programada para 2001 terá de ser toda revista, pois seu projeto é idêntico ao da Polar Lander. É uma precaução natural a tomar num empreendimento reconhecidamente arriscado como a exploração espacial. Desde 1960, EUA e URSS lançaram 30 missões para o Planeta Vermelho. Sete nunca ultrapassaram a órbita terrestre, cinco se perderam no meio do caminho e cinco durante as manobras de pouso. Placar: Marte 17 versus Terra 13. E o jogo apenas começou.