O vocalista do grupo Negritude Júnior, Netinho, 29 anos, é hoje um ídolo na música brasileira. Já vendeu cerca de quatro milhões de discos. Tornou-se também um autêntico líder na periferia. Abraçado na rua pelos moradores de Carapicuíba, na Grande São Paulo, ele discute problemas do bairro com operários e donas de casa. Ex-vendedor de doces em estações de trem, criado entre a periferia da zona sul paulistana e o conjunto habitacional Cohab 2, em Carapicuíba, Netinho e seu grupo de pagode são responsáveis pelo projeto Família Negritude, que hoje oferece aulas de Teatro, Música, Dança, Inglês, Computação e Basquete para mais de 350 crianças e pretende atender três mil. Ele denuncia o envolvimento de políticos poderosos com o tráfico de drogas na região e diz receber ameaças. Netinho acredita numa revolução social na periferia, com a união do pessoal do samba com o movimento hip hop.

ISTOÉO que representa ser um cantor famoso e com espaço na mídia e lidar com essa situação de violência?
José de Paula Neto – Passei a ser uma referência e também uma ameaça. Tenho falado de coisas que muita gente não tem coragem de falar. Falo sem comprometimento porque não sou político, sou artista. Sinto, porém, que incomodo. Muitos podem ficar ofendidos e isso virar contra mim. O pessoal do Negritude acha que eu não devo mais vir na Cohab. Mas, se tiver que acontecer alguma coisa que aconteça. Não tenho medo.

ISTOÉ Você é hoje um líder da periferia?
Netinho – Eu acabo representando esse povo, falando as verdades. E incomodo quem não quer que o município cresça, que a violência acabe. Acho que meu papel tem sido crucial porque tenho falado da violência e apontado as causas, de forma clara. Enquanto eu puder, eu vou falar a verdade.

ISTOÉ Você tem incomodado quem?
Netinho – Alguns políticos. E algumas instituições também. Quando falo que o município tem 150 policiais e sete viaturas para cuidar de 600 mil habitantes, isso mostra um sistema falido de policiamento. Aí eu mexo com o alto escalão da polícia. Quando digo que a droga chega aqui por que tem envolvimento político, alguns deputados da região se sentem ofendidos. Mas é uma verdade que tenho de falar. Já que ninguém tem coragem, eu falo.

ISTOÉ Tem gente poderosa por trás desse esquema?
Netinho – Não tenho dúvidas. Políticos poderosos facilitam o tráfico de drogas na região. E que venha uma CPI para Itapecerica urgentemente também.

ISTOÉ Você já recebeu ameaças?
Netinho – A gente recebe muitos recadinhos. Mas prefiro não comentar. Se tiver que pagar por falar a verdade e o preço for a morte, for um tiro, eu não tenho medo. Já vi isso acontecer. Meu irmão foi morto pela polícia, meu melhor amigo foi morto também. Não há nada a perder.

ISTOÉ Qual foi o efeito do assassinato de três pessoas no prédio onde funciona seu projeto?
Netinho – Foi um desrespeito dos manos com os próprios manos. Somos pessoas que crescemos com as mesmas dificuldades. Eles procuraram o caminho das drogas, da marginalidade e a gente procurou a música. Somos manos também. O sucesso do Negritude é feito pelos manos e consumido pelos manos. Quando quebra esse ciclo, alguma coisa está errada.

ISTOÉ Você é amigo do Mano Brown, dos Racionais MC’s. Concorda com as posições dele?
Netinho – Os Racionais se preocupam com o negro da periferia. O Negritude se preocupa com o povo pobre da periferia. Na frente, vamos nos encontrar com a mesma proposta porque a maioria dos pobres é negra. Mas eu não posso falar só para os negros.

ISTOÉ Os “manos” na periferia têm poder para mudar esse quadro?
Netinho – O movimento hip hop é hoje uma coisa muito forte e consciente, que cresce em todo o País. Vamos propor uma união do rap com o samba. A idéia é que haja um meio-termo entre o discurso radical e um mais acessível. Esse movimento vai revolucionar o Brasil. Se a gente sair às ruas e convocar o nosso povo, aí pára geral. Se não for para o bem, nós vamos mudar para o mal. Mas que vamos mudar, vamos.