Acusado de tramar o assassinato do próprio irmão e investigado por envolvimento com o crime organizado, o deputado Augusto Farias (PPB-AL) está com o mandato na lona. Na quarta-feira 8, os deputados Robson Tuma (PFL-SP), Eber Silva (PDT-RJ), Padre Roque (PT-PR) e Lino Rossi (PSDB-MT), membros da CPI do Narcotráfico, desembarcaram em Maceió com o objetivo de comprovar o envolvimento de Augusto com o roubo de cargas, tráfico de armas e lavagem de dinheiro. Na sexta-feira 10, eles tinham a certeza do dever cumprido. “Os caminhos que levarão à cassação de Augusto já estão asfaltados”, avalia Tuma. “É uma estrada sem retorno”, completa Rossi. A convicção de que o pedido de cassação é uma questão de tempo se firmou a partir de depoimentos, documentos e computadores apreendidos em Maceió na noite da quinta-feira 9. “A falta de decoro parlamentar é cada vez mais evidente”, afirma Silva. “Todas as informações prestadas pelo motorista Jorge Meres estão se confirmando.” Meres acusa Augusto de ser sócio do ex-deputado Hildebrando Pascoal e do empresário William Sozza no crime organizado. Pascoal já foi cassado e está na cadeia. Sozza fugiu.

Uma das primeiras informações checadas pela CPI em Maceió se refere ao roubo de duas carretas em Arapiraca, no interior alagoano, entre o final de 1995 e o início de 1996. Segundo Meres, ele próprio foi o encarregado de levar as carretas até Cáceres, em Mato Grosso, onde foram trocadas por armas procedentes da Bolívia. Para realizar o serviço sem transtornos, Meres procurou, em Maceió, um policial militar chamado Reinaldo, que na época fazia segurança para PC.
Reinaldo teria ligado para Genival, despachante em Arapiraca. Dois dias depois, o motorista recebeu as carretas já com os documentos adulterados e não encontrou nenhuma resistência para chegar até Cáceres. Reinaldo, assim como Augusto, está indiciado como co-autor dos homicídios de PC e Suzana Marcolino. Com a morte do patrão, ele passou a trabalhar para Augusto. “Esse episódio pode explicar o empenho do deputado em proteger os seguranças acusados de matar seu irmão”, conclui Tuma.

Na quinta-feira 9, a CPI lançou mão de uma fita com um diálogo gravado por um delegado da Delegacia de Roubos e Furtos da Paraíba. A existência e o conteúdo da fita foram revelados por ISTOÉ em novembro passado. Na conversa, José Jorge Farias de Melo, conhecido como soldado Farias, faz ao interlocutor a encomenda de duas carretas, também em Arapiraca, e trama a morte dos motoristas. A fita também mostra o envolvimento do soldado Fa-rias com o coronel Correia Lima, um dos expoentes do crime organizado no Piauí. O soldado Farias é antigo conhecido de Augusto Farias. A CPI já tem provas da relação entre eles e os detalhes de um encontro que reuniu Augusto, o soldado Farias e o pistoleiro Chapéu de Couro em um restaurante de Arapiraca no final do ano passado. Chapéu de Couro está condenado por roubo de carga e é acusado de ter assassinado a deputada Ceci Cunha, em dezembro de 1998. Também ele é antigo conhecido de Augusto Farias. Na sexta-feira 10, o soldado Farias tentou convencer os deputados da CPI de que não sabia do que se tratava a fita e disse que a voz não era a dele. Não convenceu.

Imóveis suspeitos – Com tantos amigos ligados ao roubo de cargas, a CPI passou a investigar a participação de Augusto Farias no contrabando de armas e na lavagem de dinheiro, crimes que costumam caminhar juntos. No ano passado, o delegado Cícero Torres, primeiro a investigar a morte de PC e a sustentar a farsa do crime passional, foi preso por traficar armas. Atualmente, ele presta assessoria à Tigre Vigilância Patrimonial de Alagoas Ltda. Oficialmente, a empresa pertence a Marcos Maia, mas aparece na lista telefônica de Maceió com o mesmo endereço e o mesmo número de telefone da casa de Augusto Farias. Maia é assessor e braço-direito de Augusto. Há cerca de 20 dias, Tuma recebeu a informação de que a empresa de fato pertence a Augusto e nela estariam estocadas armas contrabandeadas. Na noite da quinta-feira 9, a CPI, com ordem judicial, invadiu a Tigre. Não foram encontradas armas, mas os deputados e a Polícia Federal levaram um computador e 20 caixas de documentos que empurram Augusto para as cordas.

“Os documentos mostram que Augusto tem se desfeito de um patrimônio aparentemente sem procedência, indica que ele é de fato o dono da Tigre e pode nos levar a um enorme esquema de lavagem de dinheiro”, denuncia Lino Rossi. Uma procuração registrada no 2º Ofício de Notas e Protestos de Brasília, no livro 1.853, folha 119, assinada por Augusto Farias, dá poderes a Cris Cuchiara Naslausky Mibielli para transferir ao advogado Antônio Nabor Areias Bulhões – que trabalha para os Farias desde a época do impeachment de Collor – o apartamento 503 do edifício Tiffany’s, na rua Prudente de Moraes, 302, em Ipanema, Rio de Janeiro. Trata-se de um sofisticado apart-hotel, em um bairro que apresenta um dos mais valorizados metros quadrados do País. O mesmo documento, de 4 de março do ano passado, indica o valor da transação: R$ 138 mil. “Isso é absurdo. Um apartamento naquele ponto custa pelo menos R$ 400 mil”, diz o deputado Rossi. Agora a CPI vai verificar a origem desse imóvel e descobrir quem é a procuradora de Augusto. Durante as investigações do esquema Collor/PC, o Tiffany’s chegou a ser apontado como um dos imóveis dos fantasmas de PC.

A documentação apreendida na Tigre mostra ainda uma série de propriedades dos Farias até então desconhecidas. De acordo com a papelada, Augusto tem plenos poderes para fazer o que bem entender com as fazendas Samambaia, Catuaba, Riacho do Brejo e Gruta Funda, que estão em nome de Antônio Farias, provavelmente um tio do deputado. Outro documento registra que Augusto é sócio da Normandia Veículos. Os deputados entendem que essas propriedades podem ser fachada para lavar dinheiro. Entre a papelada recolhida estão comprovantes de operações bancá-rias, notas fiscais e documentos da Tigre assinados por Augusto. O material já está com o delegado Paulo Lacerda, o mesmo que investigou os caminhos do dinheiro de PC e agora ajuda a CPI.

Lavagem – Debruçado sobre uma pilha de extratos bancários, Lacerda vem seguindo os rastros de um doleiro misterio-so. Segundo informações já em poder da CPI, esse doleiro opera com três identidades: Maurício Dabull, Alfredo Harice e Roberto Mendonça Júnior. Ele seria um dos principais testas-de-ferro do esquema de PC e desde 1996 trabalharia para Augusto. Dias antes de ser assassinado, Paulo César teria entregue ao doleiro US$ 54 milhões, em cheques do Commerzbank AS, de Genebra. O dinheiro foi transferido para uma conta do Merchants Bank, de Nova York, aos cuidados de Carolina Nolasco, e voltou para o Brasil, já lavado e com deságio de 20%, na forma de supostos empréstimos. Com os recursos disponíveis, usando o nome de Alfredo Harice, o doleiro investiu em uma empresa de turismo de Juiz de Fora (MG), mais tarde transformada em Táxi Aéreo, movimentando mais de US$ 75 milhões entre março e agosto de 1997.

A CPI também está investigando uma reunião que teria havido em julho de 1997 no Hotel Holliday, em Ribeirão Preto (SP). Naquela ocasião, Harice teria tentado comprar a empresa de aviação Passaredo por US$ 10 milhões. O negócio não deu certo porque os vendedores teriam descoberto a origem do dinheiro. Com o nome de Roberto Mendonça Júnior, em maio, o doleiro teria feito investimentos na Bahia, na área de resgate aéreo. Na época, foi feita uma transferência de US$ 2,5 milhões de Chicago, através de Carolina Nolasco, para uma agência do Banco do Brasil em Feira de Santana (BA), sob o seguinte código: NY – 100 – 22 – EUA / ABA – 026-006790 / conta 900 –3451. “Um informante tem nos dito muita coisa e temos certeza de que esse doleiro é um dos principais personagens do crime organizado no Brasil”, diz Tuma. O deputado pode ter razão. Em novembro, foi feita uma reserva para Maurício Dabull no Hotel Hilton, em São Paulo. A reserva foi paga pela Tigre, a empresa onde a CPI encontrou vasta documentação.

Morte de PC -CPI descobriu novas pistas que relacionam o deputado Augusto Farias ao assassinato do próprio irmão. Na quinta-feira 9, o legista alagoano George Sanguinetti afirmou que Fortunato Badan Palhares recebera R$ 400 mil para atestar o crime passional em seu já desacreditado laudo. Sanguinetti também disse que soubera de tal notícia em uma conversa com o ex-governador Geraldo Bulhões. Imediatamente os deputados mandaram chamar Bulhões para depor. O ex-governador confirmou tudo e forneceu aos deputados o nome de seu informante: Eduardo Amaral, filho do ex-secretário de Segurança coronel Amaral, um defensor radical da farsa do crime passional. “Isso tudo é uma barbaridade, quem está dizendo essas coisas terá que provar”, reagiu Palhares, ameaçando processar Sanguinetti. O problema de Badan é que a CPI está mais adiantada do que ele imagina. Além das provas testemunhais, a CPI dispõe de uma série de sigilos bancários quebrados, inclusive o do legista. Essa papelada mostra que no início do segundo semestre de 1996, logo depois da morte de PC, as movimentações financeiras de Badan deram um inexplicável salto, exatamente algo em torno de R$ 400 mil.

Sanguinetti também disse ter a informação de que o coronel Cavalcanti, um dos líderes da gangue fardada que atuava em Alagoas, atualmente preso, teria sido procurado por Augusto para que o matasse. Cavalcanti negou. “Mesmo assim, não podemos desconsiderar o que foi dito por Sanguinetti”, afirma Rossi. Na manhã da sexta-feira 10, o clima ficou tenso para os deputados. Através de um telefonema anônimo ofereceram US$ 30 mil a um funcionário do hotel onde estavam os deputados da CPI para que fosse colocada uma bomba na porta do quarto de Tuma. “Amea-ças não vão me intimidar. Reforço a segurança, mas vamos até o fim dessa história”, disse o parlamentar.