Antes mesmo de chegar às livrarias, o livro Sergio Motta, o trator em ação já provoca polêmica. Ao relatar a trajetória do ex-ministro das Comunicações no primeiro mandato de Fernando Henrique, José Prata, chefe de gabinete do ministro, e o jornalista Nirlando Beirão dedicaram dois capítulos ao empenho do “trator” em garantir a reeleição a FHC e as complicações que esse esforço trouxe ao ministro. O livro conta como o PMDB deu uma aula de fisiologismo quando a oposição colhia assinaturas para a instalação de uma CPI que tinha como objetivo apurar as denúncias de que o governo havia comprado votos para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição do presidente. “Fernando Henrique tirou da manga duas cartas carimbadas pelo PMDB. Nomeou o senador goiano Íris Rezende como ministro da Justiça e o deputado gaúcho Eliseu Padilha para ministro dos Transportes – cargos que estavam vagos. Coin-cidentemente, assinaturas foram retiradas do pedido de CPI”, diz o livro. Íris reage raivoso. “Há um profundo equívoco. Quem pode responder melhor é o presidente. Nessas horas surge um bando de imbecis que pensa qualquer coisa e sai falando a torto e a direito. O autor foi muito infeliz.” Padilha tentou não bater boca. “Esses cargos já eram do PMDB. Em memória ao ministro Sergio Motta prefiro não falar mais nada sobre esse assunto.”

Sem comentários – Em nome da memória do ministro, morto em 19 de abril de 1998, os citados no livro não querem se manifestar, mas não escondem a irritação com José Prata, que depois da morte de Serjão trabalhou no comitê da campanha da reeleição como responsável pela agenda de FHC. “Não é um livro de fofoca. Não tem baú nem caixa de Pandora. É um resgate da imagem pública de Serjão”, defende-se Prata. O presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, que vivia trombando com Serjão, disse que prefere se lembrar da relação cordial que o ministro tinha com seu filho, Luís Eduardo Magalhães, que morreu dois dias depois de Motta, vítima de um infarto. O mesmo posicionamento teve o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, escanteado no primeiro governo FHC pelo colega de partido. “Eu prefiro lembrar dele por dois episódios: o início do processo de privatização do País e o fraternal encontro que tivemos no Alvorada, uma semana antes de sua internação. Nessa ocasião, nossas convergências sobre a situação política do País foram grandes.” Já o ministro da Saúde, José Serra, desmentiu o livro. Nega que Serjão tenha sido um dos principais articuladores da sua campanha a prefeito de São Paulo em 1996 e que o amigo o teria pressionado a bater de frente com o prefeito Paulo Maluf. “Não houve isso. Serjão dava palpite, mas não participou da campanha.”

A primeira parte do livro é dedicada a contar a trajetória de Sergio Motta até chegar ao poder e virar, se não o mais importante, o mais ousado ministro do governo FHC. Da militância na Ação Popular (AP) à prisão, em 1965, com Luiz Carlos Mendonça de Barros (que o sucedeu no Ministério); do empresário de sucesso ao ministro sem papas na língua, a vida de Serjão é relatada por quem trabalhou com ele durante 30 anos. Prata foi sócio de Motta na empresa Hidrobrasileira até 1994, quando deixou a iniciativa privada para ser seu chefe de gabinete. Com Nirlando, a convivência se estreitou a partir de 1990, quando o jornalista trabalhou na campanha de Mário Covas para o governo de São Paulo. O terceiro autor, Teiji Tomioka, conheceu Serjão em 1961, ainda estudante. A segunda parte é um resumo técnico das transformações ocorridas no setor de telecomunicações do País. “Embora Serjão tenha chegado no governo sem nada saber de telecomunicações, ele construiu uma obra. Era uma personalidade extravagante, mas havia uma lógica na loucura. Alguns veículos jamais entenderam isso. Ele tinha um projeto, acreditava naquilo”, avalia Nirlando Beirão.

A idéia de escrever o livro sobre Motta surgiu logo depois da sua morte, quando Prata e Tomioka passaram a organizar o arquivo pessoal do ministro. Todas as reivindicações, pedidos de nomeação, correspondências com donos de meios de comunicação e parlamentares ficaram gravados no computador. É uma pena que na hora de escrever o livro, em vez de abrir esse precioso arquivo e contar os bastidores da articulação política, os autores tenham preferido sustentar a história do principal articulador político do governo em cima do noticiário publicado pela imprensa.