André Dusek

Estradas esburacadas, portos ineficientes, ameaças de novo colapso no setor de energia, ferrovias sucateadas, esgotos a céu aberto… Entra governo, sai governo e o Brasil continua vivendo o dilema da falta de recursos para investir em projetos de infra-estrutura básica. Se a economia brasileira realmente crescer entre 3% e 3,5% este ano como quer o governo Lula, os problemas estruturais poderão comprometer a continuidade de uma era de prosperidade. Falta dinheiro para a expansão e melhoria das condições da malha rodoviária, das estradas de ferro, dos portos e aeroportos e do tratamento de água e esgotos.

Como se não bastasse a situação caótica, o Ministério do Planejamento decidiu reduzir em R$ 3 bilhões o volume de investimentos previstos em infra-estrutura básica para este ano. O corte bate de frente com as declarações do titular da pasta, o ministro Guido Mantega. Ele tem dito que para o Produto Interno Bruto (PIB) voltar a crescer entre 4% e 4,5%, o País precisaria de cerca de 20% do seu valor – hoje em R$ 1,5 trilhão –, ou seja, o equivalente a R$ 300 bilhões. Um valor intangível perto dos escassos R$ 41 bilhões (já com a redução dos R$ 3 bilhões) previstos para custear os projetos de infra-estrutura e saneamento básico este ano.

Ao longo dos anos o Brasil tem convivido com uma crescente redução de investimentos na manutenção e expansão da sua infra-estrutura. Entre 1975 e 2002, o recursos destinados para a área de transporte, por exemplo, principal meio para escoamento da produção nacional, caíram de 1,8% do PIB para 0,2%. No ano passado, os investimentos públicos somaram pouco mais de R$ 20 bilhões. É pouco, muito pouco diante da extraordinária carência.

Para reduzir a dependência de dinheiro público para novos e antigos projetos de infra-estrutura e saneamento básico, o governo está apostando todas as suas fichas na criação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), programa que ainda depende de aprovação no Senado. Nesses contratos, o governo define quais são as obras prioritárias para o País e a iniciativa privada realiza os investimentos. No papel, a parceria resolve a falta de recursos governamentais e mantém a linha de ação do Executivo sem ter que desembolsar um dinheiro que não tem. Mas não será tão fácil assim. Para resolver a falta de recursos para projetos de infra-estrutura e atrair dinheiro privado, o governo precisará fazer coincidir a aprovação de uma série de leis para destravar o processo de atração de investimentos para a área, segundo Rubens Teixeira, diretor da KPMG, empresa de auditoria e assessoria financeira. Teixeira cita as constantes mudanças na lei das agências reguladoras, a falta de regulamentação de várias leis na área de energia, além do projeto de lei que cria um novo modelo para investimentos privados em saneamento básico, emperrado há anos no Congresso Nacional. E tem ainda a intricada questão da remuneração do dinheiro dos investidores. Eles querem garantias de que seus recursos serão remunerados na mesma proporção dos riscos impostos pelo País. Chegar a um equilíbrio entre as perspectivas do governo e a expectativa dos investidores é o grande dilema.

O Brasil, segundo Ralph Lima Terra, vice-presidente da Abdib, associação das companhias da área de infra-estrutura e indústria de base, necessita de investimentos da ordem de US$ 20 bilhões (R$ 60 bilhões) por ano só para superar os chamados gargalos estruturais que podem atrapalhar o crescimento sustentável da economia brasileira. “Esse dinheiro serviria para começarmos a atacar as deficiências mais urgentes, como os 20 milhões de brasileiros sem-luz e as filas de caminhões de mais de 60 quilômetros para escoar a soja”, diz Lima Terra. “Por enquanto, o governo Lula tem se pautado por uma agenda de remendos.” Uma prática tão antiga quanto os buracos de nossas estradas.

Transporte e logística

A área de transporte é uma das mais problemáticas. As rodovias e ferrovias privatizadas, através de suas concessionárias, se esforçam para obter recursos e investir pesado na melhoria e expansão de suas capacidades de transporte. As rodovias federais e estaduais estão em estado precário. As ferrovias, privatizadas a partir de 1996, não têm credibilidade. A malha ferroviária tem apenas 30 mil quilômetros e está baseada em uma estrutura planejada no século XIX.

Energia

A privatização equivocada e envolvida em muita confusão em relação às regras detonou o racionamento de 2001. Calotes, reajustes atrelados a indexadores e não a custos reais e as constantes brigas entre distribuidoras e geradoras quanto ao preço da energia levaram o setor a uma situação caótica. O sistema passa por uma reformulação sob o comando da ministra Dilma Rulssef e da Aneel. Especialistas dizem que a crise é mais normativa e financeira do que de oferta de energia.

Telecomunicações

Nas telecomunicações, o processo de privatização bem-sucedido resultou em investimentos que permitiram um salto em termos de qualidade e quantidade no setor. Os resultados foram os mais de 50 milhões de linhas fixas e quase o mesmo número em celulares. Há pouco mais de cinco anos o total de linhas fixas e celulares não passava de 25 milhões. As concessionárias continuam investindo para assimilar aumento da demanda em caso de um crescimento econômico.

Saneamento básico

Está em estado de penúria. Os investimentos em projetos de tratamento de água e esgotos ainda são muito pequenos. O projeto que cria um novo modelo para o setor e abre para a entrada de recursos da iniciativa privada não anda no Congresso Nacional. Sem contar que não agrada a ninguém. Resta o dinheiro do governo que estará repassando R$ 1,8 bilhão este ano, via Caixa Econômica Federal. De 1999 a 2001, a CEF não financiou um único projeto de saneamento básico no País.