23/04/2008 - 10:00
Professor de direito da PUC do Rio Grande do Sul e doutorando da PUC/RJ, o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires Júnior, debruça-se todas as semanas sobre os 25 mil processos que restam para ser julgados. São pessoas que se sentiram atingidas pela ditadura e buscam indenização do Estado. Ele administra uma estrutura de 125 funcionários e 22 conselheiros. Este ano, a comissão conseguiu reduzir para R$ 3,6 mil o valor médio da indenização mensal paga – Por HUGO MARQUES esse valor atingiu R$ 5,6 mil no governo Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, a comissão é notícia todas as vezes que alguém recebe quantias milionárias em “retroativos”, ou seja, prestações atrasadas desde o momento em que o processo foi protocolado. Em meio às críticas, os conselheiros iniciaram uma peregrinação pelo País para julgar os processos nos locais onde as pessoas foram perseguidas. A Comissão de Anistia deve funcionar até 2010, mas o prazo para novos pedidos de indenização pode se encerrar em breve.
Mineiro de Uberlândia, 32 anos, Paulo Abrão diz nesta entrevista à ISTOÉ que é necessário estabelecer um prazo-limite para que os candidatos à indenização ingressem com processos contra a União. O presidente da Comissão de Anistia considera injustos os critérios da lei, que garante R$ 100 mil no máximo a quem foi torturado e exilado durante o regime militar, mas manda pagar “retroativos” acima de R$ 1 milhão a profissionais que perderam o emprego no período. “A Lei da Anistia não é equitativa”, diz Paulo Abrão. “Infelizmente, essa é a legislação que o Congresso Nacional aprovou.” Ele também considera legítimo que descendentes de escravos levem ao Congresso Nacional suas reivindicações de indenizações pela escravidão.
O total é de R$ 2,4 bilhões. Eu não diria que é muito nem pouco dinheiro. O que tem que ser averiguado é efetivamente qual foi o custo que a ditadura brasileira impôs a uma série de cidadãos brasileiros e que o Estado de Direito tem obrigação de reparar.
A meu ver, isso é uma crítica descabida. Se a nossa ditadura criou tantos prejuízos aos cidadãos brasileiros quanto os que foram estabelecidos na Segunda Guerra Mundial, é uma imprecisão técnica querer traduzir em termos econômicos de hoje regimes de reparação que são totalmente incompatíveis. Desconheço quais foram os critérios que o Estado alemão criou para poder fazer o pagamento ao Estado de Israel. O fato é que esses critérios não são os mesmos que o Congresso Nacional aprovou para as nossas indenizações. Comparar os dois valores é uma crítica de má-fé.
O grosso dessas reparações envolve atrasados. O que agravou a situação foi a demora do Estado brasileiro em regulamentar a lei que ia dispor sobre as formas de indenização. Desde 1988 as pessoas tinham direito à reparação. Só em 2002, ou seja, 14 anos depois, é que o Congresso Nacional veio a regulamentar a lei.
É muito bom. Isso só é possível hoje porque nós vivemos numa democracia. No passado, não poderíamos fazer isso. E vivemos numa democracia porque essas pessoas tanto lutaram. Que bom que as pessoas podem manifestar suas críticas livremente e expressá-las, mesmo que isso seja contrário aos atos de governo. Mas é importante que tenham a consciência e a responsabilidade de se informar melhor sobre os trabalhos da comissão.
A lei realmente não é equitativa no tratamento dessas duas situações. Mas a Comissão de Anistia está amarrada a esses dispositivos legais. Infelizmente, essa é a legislação que o Congresso aprovou. Nós temos obrigação de aplicá-la.
O sistema brasileiro é muito peculiar. Nós procuramos fazer a recomposição integral de todas as perdas que a pessoa teve em razão do seu afastamento profissional. Em outros países da América Latina se estabeleceu um valor único de reparação para todos os perseguidos políticos, independentemente da história de cada um.
Antes, a comissão se fixava em declarações prestadas pelas próprias empresas com as quais o perseguido tinha vínculo, por vezes até o próprio sindicato, e no valor que ele ganharia hoje se tivesse continuado no cargo. Isso gerava indenizações mais altas. A mudança foi aplicar valores do mercado atual.
Nem pelos novos nem pelos antigos. Já é consenso na comissão que perda de mandato parlamentar assegura tão-somente uma prestação única pelo tempo que o parlamentar deixou de exercer seu mandato. Esse tempo é calculado em 30 salários mínimos por ano de perseguição política. Uma prestação única até o teto de R$ 100 mil.
Eu tive ciência de que ainda está havendo alguma situação específica na Marinha. O problema não compete à Comissão de Anistia, que reconhece o direito do anistiado e encaminha um aviso ao Ministério da Defesa para pagamento. Recebi algumas informações de que alguns desses anistiados estão tendo dificuldades junto ao Comando da Marinha para a efetivação desse direito. Mas essa é uma questão que o anistiado tem que resolver junto ao Comando da Marinha.
Até onde eu saiba, não há questões técnicas nesses comandos que estejam sendo levantadas.
Temos em torno de 240 pedidos de moradores da região do Araguaia. Uma primeira incursão foi realizada no ano passado pela comissão, em que foi feita uma oitiva de 136 moradores com fins de instrução dos processos. Ainda em abril, no mais tardar em maio, nós vamos ao Araguaia para fazer o julgamento desses processos. Temos que olhar um a um para verificar se há documentação que efetivamente comprove que a pessoa sofreu a perseguição, que comprove que ela morava no local. Como se trata de uma região muito pobre, muitas vezes nem eles próprios têm todos os documentos para instruírem seus processos, o que causa uma dificuldade para a concessão dessas anistias.
São pessoas que foram submetidas pelos militares que lá estavam a servir como informantes das Forças Armadas na perseguição aos guerrilheiros. No processo de cooptação das pessoas da região para colaborar com as Forças Armadas, algumas foram presas, outras prestaram serviços por semanas dentro dos quartéis, outras ainda foram obrigadas a entrar na mata junto com os militares. Há pessoas que tiveram seus estabelecimentos comerciais invadidos para prestar esclarecimentos sobre eventuais vendas que faziam a guerrilheiros. Uma senhora alega que um militar seqüestrou dois filhos dela. São relatos muito dramáticos.
São duas legislações distintas. Uma foi aprovada num ambiente político, em 1995. A outra foi aprovada em outro ambiente político, em 2002. Foram escolhas do Congresso.
Eu prefiro não fazer nenhum juízo de valor em relação às decisões das comissões de anistia anteriores. O que quero ressaltar é que a atual comissão de anistia tem seus próprios parâmetros e procura aplicar a Lei da Anistia à luz da Constituição.
Eu respeito a opinião do ministro Gilmar Mendes sobre isso.
É uma reivindicação que eu acredito ser legítima e que pode ser levada ao Congresso. Pela Lei de Anistia não é possível, porque ela compreende a reparação a perseguidos por motivação política entre 1946 e 1988.
De 37 mil processos analisados pela Comissão de Anistia, somente 9.800 receberam algum tipo de reparação econômica. A média dessas indenizações é de R$ 3.653 mensais.
Quando assumimos a comissão, fizemos um estudo que apontava que no ritmo em que trabalhávamos demoraria 16 anos para julgar todos os requerimentos que já tinham sido protocolados. Fizemos mudanças administrativas, triplicamos a quantidade de turmas de julgamento, aumentando o número de conselheiros e de funcionários da comissão, visando à maior celeridade de julgamentos. Essa série de mudanças administrativas tem o objetivo de finalizar todos os processos até 2010.
Se não houver nenhum estabelecimento de legislação com limite de prazo de entrada dos requerimentos, o protocolo está em aberto. Está assegurado na nossa Constituição que crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis. Mas eu defendo que seja estipulado um prazo final para entrada com requerimentos, de preferência ainda neste ano.
Esse hoje é um tema para o Poder Judiciário. Deve ser feita uma interpretação da Constituição para se poder averiguar se efetivamente pela lei de 1979, que anistiou militares pelos crimes de tortura e demais crimes que praticaram durante o regime, eles estão ou não livres da responsabilidade penal.
Acho inadequada. Denominar um direito que é uma conquista da cidadania brasileira aprovada por unanimidade pelo Congresso de forma pejorativa desqualifica todas as pessoas que tanto lutaram e tiveram prejuízos efetivos. Estamos aplicando o princípio de que, se o Estado causa prejuízo, o Estado deve reparar. É assim em todas as democracias ocidentais.