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Carnes magras?
O chef André Mifano deixou de lado as discussões sobre calorias, vegetarianismo
e dietas e reconduziu o porco à lista vip da gastronomia estrelada

Já virou piada. Alimentos proscritos pelos especialistas são subitamente reabilitados e recomendados. Ovos, laticínios, a pobre manteiga, cafezinho, suco de laranja, carnes de todas as cores, carboidratos, gorduras… a lista dos passageiros da montanha-russa da relação alimentos X saúde é farta.

A verdade é que a ciência ainda sabe relativamente pouco sobre a inter-relação sutil entre os órgãos, nutrientes, emoções, fatores exógenos e tudo o que pode influenciar nossa saúde. E, a cada avanço científico, velhas crenças caem instantaneamente.

Alguns dias atrás, uma das mais importantes revistas científicas do mundo publicou um estudo que merece ser analisado com atenção pela seriedade, amostragem, duração e nível de profundidade. A pesquisa foi conduzida pelo Hospital das Clínicas da Universidade de Barcelona. Durante cinco anos, 7.447 homens e mulheres espanhóis na faixa entre 55 e 80 anos foram divididos em três grupos. O primeiro praticamente eliminou as gorduras de sua mesa. Os outros dois seguiram a chamada “dieta mediterrânea”, sendo que um caprichava no azeite em todas as refeições e o outro ingeria nozes e castanhas em grande quantidade. Todos estavam no chamado grupo de risco para doenças cardíacas, razão da maior parte das mortes registradas todos os dias no mundo. Eram indivíduos com excesso de peso, pressão e colesterol altos, diabéticos e até fumantes.

A pesquisa teve que ser interrompida. Os resultados eram tão gritantes a favor dos grupos com a dieta mediterrânea que eticamente tornou-se temerário submeter o grupo privado de gorduras a um processo de deterioração de seus organismos.

Em resumo, a indicação do mediterrâneo consiste em muito peixe, grãos, legumes, verduras, frutas, nozes e castanhas. E boas doses de azeite de oliva extravirgem mais uma taça de vinho por dia ou de suco de uva. “Nós já sabíamos que essa dieta baixava a pressão, o colesterol, combatia inflamações, mas nunca ninguém provou que poderia evitar mortes por doenças cardiovasculares”, disse Ramón Estruck, coordenador do estudo.

Aparentemente, juntando-se essas sugestões à atenção na ingestão excessiva de açúcar e sal, hidratação farta e atividade física regular, e ao hábito de comer pouco e sempre (intervalos curtos entre uma e outra refeição), forma-se uma espécie de consenso sobre como rimar alimentação com boa saúde. Por enquanto…

Mas e as carnes?
Há controvérsias. De veganos a amantes da proteína animal, o debate vai longe. O estudo citado acima recomenda apenas carnes magras duas vezes por semana. Fala-se somente em cortes magros de carne vermelha e de frango.
Quanto aos suínos, que há muito andavam proscritos das listas de alimentos saudáveis, boas notícias. A evolução das técnicas de criação dos porcos teria subtraído muito das gorduras dos pobres porquinhos que seguem para o abate. Nutricionistas e outros especialistas afirmam que é possível comer carne de porco mais magra e com menos colesterol do que, inclusive, certas partes de frangos.

Alheios a essas discussões e a outras que tratam da crueldade envolvida na ideia de criar animais para corte e também do impacto ambiental que esse tipo de dieta acarretaria ao planeta, alguns apaixonados pelas versões comestíveis de Prático, Heitor e Cícero têm levado a carne suína a uma reabilitação gourmet. Até há pouco tempo fora dos cardápios refinados, os porquinhos têm voltado às mesas de grife. Um dos maiores defensores dos sabores suínos é o chef André Mifano, do restaurante paulistano Vito. Há cinco anos resolveu incluir no cardápio o prato batizado de “barriga de porco”. No início, foi aconselhado a retirá-lo ou pelo menos a mudar o nome. Insistiu.Hoje a iguaria servida com farofa de noz-pecã é de longe a mais pedida nas disputadas mesas da casa.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente
Foto: CAROL QUINTANILHA/ REVISTA TRIP