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INTOLERÂNCIA E PRECONCEITO
Para Marco Feliciano, novo presidente da Comissão dos Direitos Humanos
da Câmara, "os sentimentos dos homoafetivos levam ao crime"

A Declaração Universal dos Diretos Humanos foi criada em 1948 durante a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas como o ideal comum de respeito, liberdade e dignidade a que todas as pessoas têm direito – independentemente de cor, sexo, religião ou qualquer outra condição. O documento, no entanto, não impediu que a intolerância e o preconceito continuassem a grassar no mundo. Os exemplos de incompreensão e intransigência a diferentes opiniões e comportamentos são fartos, mas deveriam passar bem longe de uma comissão destinada a deliberar sobre os direitos e liberdades básicas. Na última semana, o parlamento brasileiro resolveu agredir este princípio. Diante de uma confusão tremenda, elegeu na quinta-feira 7 o pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Com 40 anos, o pastor da Igreja Assembleia de Deus é conhecido por suas posições preconceituosas em relação a negros e homossexuais, entre outros temas. Ele é defensor, por exemplo, de um projeto de lei que pretende obrigar o Conselho Federal de Psicologia a aceitar como científica o que chama de terapias de reversão da homossexualidade. O parlamentar também cunhou frases como: “Vivemos uma ditadura gay” e “A Aids é o câncer gay”. Para Feliciano, “os africanos são descendentes de um ancestral amaldiçoado por Noé” e essa maldição é que explicaria o “paganismo, o ocultismo, misérias e doenças como ebola” na África.

Em março de 2011, o parlamentar ainda afirmou que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, à rejeição”. Em decorrência dessa frase escrita no microblog Twitter, Feliciano foi denunciado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, por homofobia. Para Gurgel, a fala “revela o induzimento à discriminação”. O relator do inquérito é o ministro Marco Aurélio Mello. Ele ainda precisa levar o caso a plenário, que decidirá se será aberta uma ação penal que transformará o parlamentar em réu. O procurador pediu punição de um a três anos de prisão. Feliciano ainda responde a outra ação penal pelo crime de estelionato. Na ação, o deputado é acusado de obter para si a vantagem ilícita de R$ 13.362,83 simulando um contrato “para induzir a vítima a depositar a quantia supramencionada na conta bancária fornecida”. A denúncia do MP do Rio Grande do Sul é de 2009 e sustenta que o parlamentar firmou contrato para ministrar um culto religioso, mas não compareceu.

Num mundo tolerante, qualidade que não parece agradar Feliciano, qualquer opinião deve ser respeitada, exceto quando elas se tornam apologia de crimes como o racismo e a homofobia. Pessoas como o deputado do PSC não deveriam sequer ser cotadas para integrar a Comissão de Direitos Humanos, quanto mais para presidi-las. Após sua eleição, sem rechaçar o que já escreveu sobre negros e homossexuais, o deputado reiterou que é contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O deputado argumenta que não é e nunca foi racista nem homofóbico, mas não negou as frases sobre negros postadas em seu Twitter.

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A eleição de Feliciano gerou protestos nas redes sociais. Na Câmara, parlamentares já trabalham com a possibilidade de criar uma comissão paralela para deliberar sobre os Direitos Humanos. “Ele é um inimigo público e declarado de minorias”, afirmou Jean Wyllys (PSol-RJ). “Lamento que a comissão tenha se transformado no centro do fundamentalismo”, criticou Domingo Dutra, ex-presidente do colegiado. Durante uma discussão acalorada antes da votação, o deputado e também pastor Hidekazu Takayama (PSC-PR) negou que a bancada evangélica seja homofóbica. “Nós amamos o homossexual, o ser humano. Amamos o pecador, não a prática das coisas erradas”, disse. Dos 18 integrantes da Comissão, 12 são evangélicos. “Não temos nada contra os evangélicos. Mas não dá para tolerar uma pessoa que pensa e defende posições contrárias aos direitos humanos presidir um colegiado importante como esse”, entende o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), um dos fundadores da Comissão dos Direitos Humanos. Nos bastidores do Congresso, a trapalhada envolvendo a eleição de Feliciano é atribuída ao líder do PSC na Câmara, deputado André Moura. Ele nega. Independentemente de quem seja o mentor da indicação, se é que há apenas um, o custo político recai sobre todo o Parlamento brasileiro.

Fotos: Edson Silva/Folhapress; DANIEL TEIXEIRA/AE; Ednilson Aguiar/Secom-MT