Chuvas em excesso no Mato Grosso, seca no Rio Grande do Sul, porto paralisado no Paraná, praga em
vários Estados. A soja, principal
produto agrícola do País, vive seus
dias de ressaca do crescimento.
Depois de anos e anos de recordes, 2004 vai registrar um breque na produção.
Os 52 milhões de toneladas de 2003 não serão superados. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima um resultado final de 51,5 milhões
de toneladas ao final da colheita, em abril. Em janeiro, quando os problemas
listados acima ainda não haviam dado as caras, esperava-se uma safra recorde
de 60 milhões de toneladas.

Perdas fazem parte do jogo da agricultura, mas a magnitude do problema – mais de oito milhões de toneladas perdidos – assustou os especialistas. “O plantio havia sido bom, o desenvolvimento inicial também. Os problemas vieram de repente”, diz o analista de mercado e agrônomo da Agência Rural, Fernando Muraro. O governo já admitiu o prejuízo. O ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura, disse que, apesar da quebra da safra, os altos preços do grão deverão compensar os produtores. Há 16 anos a soja não custava tão caro no mercado internacional. Culpa dos problemas enfrentados na lavoura dos Estados Unidos, o maior produtor do mundo, e do próprio Brasil, segundo no ranking.

A soja é o produto que mais traz divisas ao Brasil – e permanecerá sendo em 2004, apesar das perdas na produção. No ano passado, as exportações atingiram US$ 8,1 bilhões – o petróleo e seus derivados, a título de comparação, renderam US$ 4,9 bilhões. A previsão inicial era de que o grão e seus produtos – o farelo e o óleo – atingissem US$ 11,2 bilhões em vendas externas. Agora, a CNA fala em US$ 10 bilhões. “Há uma perda em relação à previsão inicial, não na comparação com 2003”, atesta o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Resultado à parte, Castro faz coro com os produtores na hora de reclamar das deficiências da infra-estrutura do País. “O governo tem consciência dos problemas, mas a execução dos projetos é fundamental”, afirma. “A agricultura cresceu mais do que nossa infra-estrutura suporta”, diz Getúlio Pernambuco, diretor do Departamento Econômico da CNA.

No Mato Grosso, Estado onde o próprio governador, Blairo Maggi, é produtor (e dos grandes), os fazendeiros resolveram arregaçar as mangas e construir eles próprios as estradas. As chuvas em excesso em algumas regiões do País terminaram de depauperar as frágeis estradas brasileiras. Já no Paraná, a situação se agravou com a greve dos operadores do porto de Paranaguá, iniciada há duas semanas e não completamente resolvida até a quinta-feira 25. A fila de caminhões parados superou 80 quilômetros. Por dia, 20 mil toneladas de soja deixaram de ser embarcadas no porto paranaense.

Câmbio –

O grão dourado que o brasileiro pouco consome, a não ser em formato de óleo, virou nosso principal produto agrícola no decorrer dos anos 90. Em 1996, quando a Lei Kandir isentou de impostos as exportações agrícolas, a produção deu seu primeiro grande salto. Três anos depois, no princípio de 1999, o real se desvalorizaria após cinco anos valendo o equivalente a US$ 1. A soja virou ouro e criou pólos produtivos em lugares antes inóspitos, como o cerrado, o oeste baiano e o sul piauiense. Em pouco mais de uma década, nos transformamos no segundo maior produtor do mundo e, confirmadas as previsões para 2004, agora também no maior exportador. A lavoura do grão continua crescendo, inclusive em direção à Floresta Amazônica, para desespero dos ambientalistas. E os altos preços da atualidade devem continuar incentivando o plantio, apesar dos problemas de 2004.