Se é possível apontar algo de positivo nas crises da saúde pública brasileira, pode-se falar da mobilização social que elas em geral acabam gerando. Com os problemas enfrentados pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, não está sendo diferente. Preocupados com a situação da entidade, um grupo de pessoas ligadas ao Inca decidiu iniciar um movimento em
sua defesa. São familiares de pacientes, ex-pacientes e profissionais de saúde  que desejam resgatar o prestígio da instituição, arranhado por episódios recentes  que levantaram suspeitas de irregularidades na condução dos processos de transplante de medula óssea (um dos procedimentos indicados no tratamento de leucemias, por exemplo).

À frente do movimento está o diretor de arte Gert Seewald, 37 anos, de São Paulo. Em 2002, ele acompanhou a luta de sua mulher, Clarissa, contra uma leucemia extremamente agressiva. A batalha começou em janeiro e terminou em novembro, quando Clarissa morreu. Entre as tentativas empreendidas contra a doença,
houve a realização de um transplante de medula, feito no Inca. A permanência no hospital antes e depois da cirurgia permitiu a Gert conhecer bastante a rotina do setor de transplantes.

Como testemunha da qualidade do atendimento do Inca, Gert decidiu organizar um encontro marcado para segunda-feira 29. Os participantes pretendem defender a instituição e prestar solidariedade ao oncologista Daniel Tabak, ex-diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea da casa. Em 2003, ele denunciou duas supostas ocorrências de favorecimento na fila do transplante. Uma mulher de São Paulo e um garoto do Recife teriam sido privilegiados após pressões políticas. A acusação gerou uma crise envolvendo o Inca, o Ministério da Saúde e Tabak, que se desligou do instituto em dezembro.

Uma comissão de deputados federais apura se houve tratamento diferenciado. Também nesta semana a comissão visitará a instituição. O deputado Henrique Fontana (PT-RS), um dos integrantes, acredita que em cerca de 15 dias deverá ser finalizado um relatório. A comissão também investiga se Tabak se beneficiou da condição de dirigente do Inca para encaminhar pacientes particulares ao sistema nacional de transplantes. O fato é que sobram farpas para todos os lados. “Na minha opinião, não há indícios de interferência política. Há muitas acusações de ouvir dizer”, afirma Fontana. Tabak mantém a denúncia e garante: “Não obtive vantagens. O que aconteceu é que estive num movimento que apontou irregularidades. Depois, passaram a me atacar.” Para Gert, o oncologista deve ter seus méritos reconhecidos. “Ele é um profissional ético e dedicado. E o Inca tem de voltar a ser o que era”, comenta.

Enquanto o imbróglio não se resolve, o governo toma providências para melhorar o sistema de transplantes. O diretor-geral do Inca, José Gomes Temporão, anunciou acordos entre o Ministério da Saúde e um banco de sangue de cordão umbilical em Nova York e mais dois importantes serviços americanos de registro de doadores de medula. A iniciativa ampliará as possibilidades de os pacientes brasileiros encontrarem doadores.