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EXCESSO
Ledi perdeu a conta de quantos exames de imagem fez para saber
o que causa sua dor de cabeça. Até hoje não descobriu a resposta

O crescimento na indicação de exames que não contribuem para o sucesso do tratamento levou 26 sociedades médicas americanas a listar, cada uma, cinco testes e procedimentos dispensáveis na prática clínica. Divulgado na última semana, o levantamento tem por base estudos provando que avaliações pedidas sem necessidade levam a uma ciranda perigosa: a realização de novos exames e consultas sem que isso fosse preciso e risco de excesso de tratamento. Além disso, submeter uma pessoa a um exame de imagem inútil, por exemplo, é expô-la de forma inconsequente e gratuita a uma dose de radiação.

Entre os procedimentos listados há alguns tão comuns que quase todos – médicos, inclusive – acreditam erroneamente serem indispensáveis para o diagnóstico. Dificilmente alguém com dor nas costas sai do consultório sem a indicação de realizar um exame de imagem, assim como uma pessoa com queixa de dor de cabeça raramente não é orientada a se submeter a uma eletroencefalografia. Segundo o documento americano, porém, só deve fazer uma avaliação de imagem paciente com dor nas costas que apresentar os sintomas por mais de um mês e meio. E quem tem dor de cabeça não precisa fazer eletroencefalografia. O teste não tem utilidade para descobrir as causas da dor.

A iniciativa americana surge em um momento de intenso debate mundial sobre como usar de forma mais racional os recursos técnicos disponíveis. A literatura médica registra que o exame clínico é responsável por cerca de 80% do diagnóstico. Os exames deveriam ser mais pedidos para analisar a gravidade do problema, saber sua localização exata e prover indicações para o tratamento. No entanto, o que se vê é o contrário: consultas que não duram mais do que cinco minutos e uma lista de exames que ocupa uma página do receituário. “É comum que o paciente tenha uma consulta de três minutos e saia com exames para fazer em 15 dias”, diz o médico Abrão Cury, presidente da Associação Paulista de Clínica Médica. “Está tudo errado.” Uma das provas disso é a estimativa de que cerca de 35% dos exames laboratoriais não são sequer retirados do laboratório. Ou seja, não fizeram a menor diferença nem para o paciente nem para o médico.

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Foi a má qualidade de consultas que levou a gaúcha Ledi Sabino, 55 anos, a submeter-se a várias ressonâncias magnéticas para descobrir a origem de uma dor de cabeça. Ela chegou a fazer duas eletroneuromiografias, um exame invasivo para avaliar as condições dos nervos. “Recusei-me a fazer o terceiro.” Até hoje Ledi não descobriu o que causa sua dor.

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O número de pedidos de exames é ainda maior para pacientes com doenças crônicas ou graves. “Isso fica evidente em internados na UTI”, diz o médico Rodrigo Biondi, da Associação Brasileira de Medicina Intensiva. “O resultado deve agregar algo que altere o tratamento, mas não é o que acontece na maioria das vezes.” Situação semelhante ocorre na avaliação cardíaca pré-operatória para cirurgias de baixo risco. “Para muitas operações esses exames são dispensáveis”, explica Rui Fernando Ramos, presidente da regional de São Paulo da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

A discussão é particularmente importante porque exames pedidos sem critério podem levar a consequências desastrosas. Um estudo da Universidade de Newscastle, no Reino Unido, por exemplo, concluiu que crianças que se submetem a muitos exames de tomografia computadorizada têm três vezes mais risco de desenvolver câncer no cérebro ou leucemia. Por razões como essas, os especialistas recomendam que o paciente se habitue a questionar seu médico sobre a real necessidade de fazer um exame.


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