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DE VOLTA
Apesar dos escândalos que o cercam, Silvio Berlusconi obteve 30% dos votos

O roteiro saiu provavelmente melhor do que o próprio Silvio Berlusconi tinha planejado. Em novembro de 2011, ao renunciar ao cargo de primeiro-ministro, parecia que suas ambições políticas tinham chegado ao fim. Não foram poucos os que decretaram a morte política de Berlusconi e o início da maior transição de poder das últimas duas décadas no país. “Foi algo que me doeu profundamente”, disse, na ocasião, o magnata. A queda de Berlusconi, após três mandatos como premiê, era resultado de um governo desgastado por escândalos sexuais e de corrupção, que havia perdido a confiança para liderar o país durante uma profunda recessão. Em seu lugar, foi colocado o tecnocrata Mario Monti, apoiado pelo Banco Central Europeu. Nem dois anos depois, porém, lá estava Berlusconi saindo das tumbas e de volta ao centro da política italiana. Ao retirar o apoio de seu partido ao governo de Monti, forçou a convocação de novas eleições parlamentares, realizadas na semana passada, e desequilibrou o balanço de poder que daria à coligação de centro-esquerda a maioria para formar um governo. Deixou, assim, a Itália num limbo político que assusta a Europa inteira.

A coalizão de centro-direita ficou, por pouco, em segundo lugar – com 29,1% dos votos na Câmara dos Deputados e 30,7% no Senado. Berlusconi provavelmente não voltará a ser primeiro-ministro, embora tenha garantido uma oportuna imunidade parlamentar. De qualquer maneira, seu desempenho foi considerado extraordinário. Segundo Silvia Francescon, chefe do escritório de Roma do European Council on Foreign Relations, até dois meses atrás os institutos de pesquisas projetavam metade dos números obtidos por ele. “Berlusconi lutou como um leão nesta campanha”, afirma. “Ele é um bom comunicador, mas, claro, foi beneficiado pela ostensiva cobertura de suas empresas de comunicação.” O líder conservador é dono de um império da mídia, composto pelos três principais canais da tevê italiana e uma agência de publicidade. “Mais uma vez, Berlusconi foi hábil em polarizar a disputa”, disse à ISTOÉ Donatella Campus, professora de ciência política da Universidade de Bolonha. “E, com isso, espremeu a coalizão centrista de Monti, que ficou com apenas 10% dos votos.”

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Mais do que só os conservadores, Berlusconi atrai os italianos por representar uma alternativa à linha de austeridade de Mario Monti, orientada pela Alemanha da chanceler Angela Merkel. Apesar de ser líder da centro-esquerda, Pier Luigi Bersani disse diversas vezes que daria continuidade às reformas iniciadas no governo anterior, numa tentativa de acalmar os mercados. Em oposição, durante a campanha, Berlusconi colocou na conta de Merkel os duros cortes no orçamento e o aumento de impostos, medidas que reduziram o poder de compra dos italianos. As críticas de Berlusconi às políticas de austeridade lhe renderam forte apoio popular. Afinal, em 2012, a economia italiana encolheu 2,2% e a taxa de desemprego ficou em 11,2%. A Itália tem também o segundo maior nível de dívida pública da zona do euro, atrás apenas da Grécia, o que agrava a insegurança de empresários e autoridades europeias em relação ao futuro do país. Para alguns analistas, o magnata tem o poder de resgatar uma espécie de “patriotismo populista”, seduzindo parte do eleitorado com a promessa de diminuir o aperto financeiro que a população vem sofrendo.

Os efeitos negativos da ascensão de Berlusconi na reta final foram sentidos já na terça-feira 26, um dia após o fim da votação. Enquanto a Bolsa de Valores de Milão caiu 4,9%, contaminando as bolsas de Madri, Frankfurt, Londres e Paris, o risco-país disparou. Com Monti (que tem a confiança dos mercados) fora da disputa, o temor é de uma reversão nas mudanças implementadas contra a crise da dívida pública, iniciada no período em que Berlusconi ainda era primeiro-ministro. Martin Schulz, presidente do Parlamento europeu, chegou a declarar que Berlusconi é “o oposto da estabilidade”. Isso explica por que alguns líderes europeus sentem arrepios quando ouvem o nome do magnata.

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DECEPÇÃO
Pier Luigi Bersani, líder da coalizão de centro-esquerda,
que esperava obter maioria, lamentou o resultado das urnas 

O resultado inconclusivo da eleição e a dificuldade em formar uma grande coalizão que garanta a estabilidade política por algum tempo deixam a Itália em suspenso. “Essa volatilidade pode ser o início de uma nova República no país”, disse à ISTOÉ Luigi Curini, professor de ciência política da Universidade de Milão. Segundo ele, a Primeira República foi do fim da Segunda Guerra Mundial até 1992, marcada por uma era de crescimento econômico, mas que, em 1994, entrou em colapso por uma série de escândalos de corrupção. “Já na Segunda República, ficou muito claro o confronto entre Berlusconi e a esquerda”, afirma o professor. Donatella Campus, da Universidade de Bolonha, explica que a atual lei eleitoral foi concebida num período de bipolarismo substancial. “Como agora o sistema político italiano expôs uma fragmentação (leia quadro), essa legislação não funciona, porque não garante governabilidade”, afirmou. “Nenhum governo estável pode ser formado sob essas circunstâncias. É preciso fazer uma reforma eleitoral.” A possibilidade de promover novas eleições não foi descartada. Castigados pela situação econômica precária e desiludidos com o sistema político – o comparecimento às urnas ficou em torno de 75%, o menor desde a fundação da Primeira República –, os italianos mandaram seu recado: estão furiosos.

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