Presidente do PT diz que partido tem direito de criticar ações do governo, mas prevê fase de crescimento econômico com Lula

Depois de passar 20 anos no Congresso, como deputado federal do maior partido de oposição, José Genoino assumiu a espinhosa missão de dirigir o PT no momento em que o partido deixou de ser estilingue para virar vidraça. Bem-humorado, apesar da avalanche de problemas que despejam sobre o PT e o governo do presidente Lula, Genoino defende enfaticamente os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antônio Palocci (Fazenda), ambos alvos de ataques. Diz que sua missão é dirigir o partido do governo, mas com autonomia. Segundo Genoino, Lula entende mais do que todos os papéis do partido e do governo, que têm dinâmicas diferentes. Para o presidente do PT, o País começa agora um novo ciclo de desenvolvimento, com iniciativas do governo como investimentos em construção civil, saneamento e habitação, que geram empregos. Em sua sala, na sede nacional do partido, no centro de São Paulo, Genoino admitiu que o seu partido exagerou no passado, mas critica tucanos e pefelistas que, segundo ele, estão “aprendendo mal a lição de ser oposição.”

ISTOÉ – Depois de 24 anos de estilingue como é ser vidraça?
José Genoino

Eu gosto muito. Estou preparado para ser vidraça. Querer governar o Brasil sem ser vidraça é uma ilusão. Estou muito feliz de o País estar sendo governado pelo PT. Ainda não atingimos tudo o que nós queremos, mas é uma luta, um compromisso. Quem sempre governou vai bater na gente. Tem um setor que não aceita o PT governar o Brasil. É a direita, o conservadorismo, um setor que pensa o seguinte: ou a gente tem que enquadrar esses caras ou esses caras tem que ser derrotados o quanto antes. O PT não pode nem ser atrevido o suficiente para desafiar tudo, nem pode ser muito dócil e abaixar a cabeça diante de tudo. Temos que buscar o meio termo.

ISTOÉ – Como é presidir o PT num momento de inferno astral?
José Genoino

Ao governar o Brasil, o PT experimentando o lado perverso e dramático da política, e aprende. O PT é a coluna vertebral desse governo, sustentou e vai sustentá-lo nos bons e nos maus momentos. Mas o PT tem também a responsabilidade de sugerir, de reivindicar e de negociar com o governo. A dinâmica do governo é uma e a do partido é outra. Temos cinco objetivos estratégicos para mudar o Brasil. O primeiro é crescer economicamente, com geração de emprego, renda e inclusão soberana no mundo. O segundo objetivo é a inclusão das pessoas, daí a importância dos programas de transferência de renda. O terceiro é avançar na democratização das instituições e das relações sociais. O quarto é ter um poder público republicano que articule a relação entre a esfera privada e esfera pública. E o quinto objetivo do PT é recuperar a auto-estima e o sonho dos brasileiros.

ISTOÉ – Mas avançou mesmo? Não está devagar quase parando?
José Genoino

Não estamos parados e os indicadores mostram isso. Nós estamos recuperando os instrumentos de políticas públicas. A matriz energética, o Projeto de Parceria Público Privado (PPP), os investimentos privados que estamos atraindo para as obras de infra-estrutura, tudo isso já está em curso. Organizamos o Brasil em 2003. Isso foi necessário devido às debilidades e às vulnerabilidades econômicas que encontramos no País. Por isso que agora a gente entra no novo ciclo, que é o do desenvolvimento econômico e social. No final do trimestre de 2003 já iniciamos uma fase de recuperação da economia, com 1,5% do PIB. Temos que fazer algo mais do que governar os juros, o câmbio e o ajuste fiscal. Eu não estou propondo confronto com o câmbio, com o ajuste nem com os juros. Eu estou propondo algo mais. Não é desfazer o que está sendo feito, é fazer mais do que está sendo feito.

ISTOÉ – O governo já deu pontapé nessa direção?
José Genoino

Eu acho que o governo já começou a dar sinais com os programas de saneamento, habitação popular e construção civil. Vamos ter neste ano em torno de R$ 8 bilhões de investimentos nessas áreas. Somando os programas de transferência de renda com a unificação
dos programas sociais, o Bolsa Família, mais o Fome Zero, vamos atingir um número muito maior de pessoas neste ano de 2004. Vamos chegar a R$ 12 bilhões de investimento em microcrédito neste ano.

ISTOÉ – Por que o Planalto reagiu de forma tão negativa à nota do PT que pedia mudanças na política econômica. O presidente Lula não era o candidato da oposição, não veio para mudar?
José Genoino

O presidente Lula não criticou a nota do PT na conversa
que teve comigo no Planalto. Ele disse que PT é PT, governo é governo. O Lula é quem mais entende o papel do partido e o papel do governo.
O partido, com a mesma radicalidade com que apóia o governo,
tem o direito de reivindicar, de sugerir, sempre na condição de
partido de governo.

ISTOÉ – Mas não há uma crítica à política econômica na nota?
José Genoino

Acho que existe um maniqueismo. Temos que romper com ele. Desenvolvimento, renda, emprego não surgem espontaneamente. Não teremos isso simplesmente mantendo a estabilidade macroeconômica. Mas também não acontece somente com a redução dos juros ou com
um superávit menor. O desenvolvimento tem que ser fruto de uma construção governamental, articulada com os agentes produtivos.
Eu acho que o presidente Lula está consciente disso e trabalha
nesse sentido. A discussão de um novo modelo econômico não é
ruptura, não é pacote, e muito menos choque. É criar novas prioridades em que a questão do desenvolvimento tenha espaço cada vez maior
no governo. Essa é a reivindicação do PT. Do ponto de vista político,
o PT não vacilará em defender os ministros do PT, o José Dirceu,
o Antônio Palocci, quando eles são atacados. Eles são líderes e companheiros do partido.

ISTOÉ – O ministro Dirceu, o capitão do time, ficou enfraquecido com as acusações ao seu ex-assessor?
José Genoino

Uma pessoa como o Zé Dirceu, que é um quadro, um militante muito forte, claro que foi afetado, mas ele deu a volta por cima. Eu disse a ele: somos de uma geração que aprendeu a tirar leite de pedra. Isso que a gente enfrenta agora é fichinha porque nós sabemos o que é a derrota, o que é segurar pedra nos dentes, o que foi a tortura, a clandestinidade, o exílio, ver companheiros sendo mortos. Iniciamos a trajetória de reconstruir o País. Temos que ser otimistas. É claro que quando uma coisa dessas acontece a gente fica abalado, é natural, ninguém é de ferro. A oposição trabalhou com uma tática sequencial para colocar o PT na defensiva.

ISTOÉ – As denúncias envolvendo o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, o filho do ministro José Dirceu, Zeca Dirceu, e agora as acusações contra Rogério Buratti, ex- assessor de Palocci quando este era prefeito de Ribeirão Preto não acabaram atingindo a imagem ética do PT?
José Genoino

O governo está investigando e os fatos que vêm à tona são fruto disso, como no caso Buratti. A irregularidade de um assessor não transfere culpabilidade política, nem moral, nem penal para o seu superior. Se isso for verdade não existirá mais empresas privadas nem públicas. Portanto, os ministros não podem ser responsabilizados. No caso do Buratti, ele foi assessor do Palocci há dez anos, mas foi demitido. Virou empresário, não é filiado nem milita no PT. É uma disputa empresarial. O que isso tem a ver com o ministro Palocci e com o PT? A tentativa de atingir o ministro Dirceu chegou às raias do absurdo com a matéria do filho dele. O Zeca Dirceu é um militante político, um dirigente que quer ser deputado, um funcionário do governo do PMDB que nós apoiamos e participamos (de Roberto Requião, no Paraná). Além disso, ele defende os interesses da região dele. É legítimo.

ISTOÉ – Acabou a lua-de-mel do PT com a oposição?
José Genoino

Eu acho que acabou e foi bom para o PT e o governo aprenderem que não se governa sem adversários, e os adversários
são duros.

ISTOÉ – Mas a oposição ao PT é até boazinha, muito mais do que o PT foi para o governo anterior…
José Genoino

Eu acho que eles aprenderam mal os erros do PT. O PT no passado exagerou em número de CPIs. Eu estou à vontade porque nunca fui desse time. Em 20 anos de atuação como deputado federal, não apresentei um requerimento para CPI. Não tem uma ação minha no Ministério Público contra ninguém. Eu gostava de discutir idéias, teses, pontos de vistas. Mas os requerimentos de CPI apresentados pelo PT se referiam a denúncias feitas durante o governo contra o qual o PT fazia oposição: Sivam, Pasta Rosa, privatizações, Proer, fita gravada das privatizações, e depois a reeleição. Tudo durante o governo FHC. Pegar a morte de Celso Daniel, que foi no início de 2002, para fazer a CPI dois anos depois é um exagero. Qual é a justificativa de trazer um caso de dois anos atrás? Seria o mesmo que o PT ter proposto, como oposição ao governo FHC, uma CPI trazendo fatos de quando ele era ministro da Fazenda ou senador. Nós nunca fizemos isso. Se o PSDB desconfia, a investigação foi feita pela polícia estadual, em São Paulo, onde o
PT não comanda. Se foi uma ação no Estado de São Paulo, por que o PSDB não apresenta proposta de CPI sobre Santo André na Assembléia Legislativa, onde o partido é maioria? Eles estão exagerando mais do que o PT. Estão ganhando o campeonato de exageros. Isso pega mal para eles. A oposição ainda está aprendendo a ser oposição e o PT está aprendendo a governar bem.

ISTOÉ – Mas o PT está governando bem?
José Genoino

Temos que avançar cada vez mais na arte de governar bem. Os papéis, as responsabilidades são diferentes. Quem governa não propõe CPI, que é um instrumento da minoria. Quem governa investiga.

ISTOÉ – O desgaste de se opor à CPI não foi maior do que aceitar?
José Genoino

Nós não podíamos aceitar a CPI porque seu objetivo não era investigar. Seu objetivo era construir um palanque eleitoral para toda a semana botar uma dose de sangramento no nosso capital político.

ISTOÉ – O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, pediu a saída do ministro Palocci. E o PL é o partido do vice-presidente. O que achou disso?
José Genoino

O Valdemar exagerou e perdeu com a crítica ao Palocci a eficiência das suas reivindicações na área econômica. Sua crítica ao desempenho do Palocci é inaceitável para o PT. Ele misturou a competência do Palocci com divergência sobre juros. É um equívoco. E depois, o PL está no governo. Ele não pode tratar um ministro desta maneira. Vamos cobrar um pacto de relacionamento com o PL como partido de governo. O PT apóia 100% o Palocci.

ISTOÉ – O total de desempregados no País já chega a dez milhões, o mesmo número citado no programa de Lula, na campanha eleitoral, como o patamar necessário de criação de empregos.
José Genoino

Nós vamos trabalhar muito para gerar os empregos necessários. Vamos diminuir o número de desempregados no Brasil. Vamos lutar para isso. Temos que criar em 2004 um movimento otimista no sentido de diminuir o desemprego com sinalizações concretas

ISTOÉ – Qual a diferença entre o governo Lula e o FHC?
José Genoino

Muitas. Nós não estamos endividando o País como fez o governo FHC. Nós não estamos queimando o patrimônio público com privatizações malfeitas. Temos uma política externa muito mais ativa e autônoma. Nosso governo está recuperando o papel público do Estado. O modelo anterior tinha o tripé: desregulamentação, desestatização e desproteção social. Esse tripé nós estamos reconstruindo, criando uma rede de proteção social, recuperando o papel público do Estado. O nosso projeto é de mudança.

ISTOÉ – O PT não corre o risco de perder espaço político no governo em detrimento do PMDB, que teve papel decisivo na crise?
José Genoino

Essa é uma especulação futriqueira e intrigante. O PMDB teve um papel muito importante. Sarney (como presidente do Senado e do Congresso) tem tido comportamento impecável na relação institucional com o governo do presidente Lula. O líder do PMDB, Renan Calheiros, teve papel corretíssimo. Eles são parceiros. Por isso queremos fortalecer a aliança com o PMDB.

ISTOÉ – Isso significa o quê? Aumentar a presença deles no governo?
José Genoino

Significa ouvir e discutir as questões com o PMDB. Não estamos estabelecendo uma relação baseada apenas na ocupação de espaço no governo. Eu defendo há muito tempo a tese de que o PT tem que ser generoso na divisão de espaço com os partidos aliados.

ISTOÉ – Como o sr. viu as vaias das bases do PMDB à política econômica e ao governo Lula na convenção do partido? O PMDB não continua muito rachado?
José Genoino

Eram setores do PMDB. Aquilo foi uma mobilização do Garotinho. A gente entende, não tem problema nenhum. Não vamos brigar com o Garotinho.