Os juros caíram pela primeira vez em 2004. A taxa Selic, fixada desde dezembro em 16,5% ao ano, foi reduzida para 16,25% na quarta-feira 17. O ínfimo corte, que pouco efeito terá sobre a cadeia produtiva, dividiu a turma de diretores do Banco Central (BC) que formam o Comitê de Política Monetária (Copom). Foram seis votos a favor da redução e três contra. Somente em outras duas ocasiões, desde a posse de Lula, a decisão não foi tomada por unanimidade. Explicações oficiais só surgirão após divulgada a ata da reunião, programada para a quarta-feira 24. A lacônica nota emitida pelo BC fala apenas em “redução do risco de desvio da inflação em relação às metas”. Novo corte só será possível no dia 14 de abril, ao término da próxima reunião. Ao longo do ano passado, os juros caíram dez pontos porcentuais.

A decisão do Copom, teoricamente blindado de ingerências políticas, ocorreu após um intenso ataque à gestão econômica do governo, a partir de seus próprios parceiros. O PT e o PL, partidos-base da aliança que levaram Lula ao poder, passaram as últimas semanas minando com críticas o ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho.

A tesourinha do BC entrou em ação no mesmo dia em que o presidente, em visita a Fortaleza, repetiu o discurso do crescimento e da estabilidade. “O País está começando a crescer. Os empregos vão ser criados. A política de juros vai baixar”, disse Lula, horas antes do anúncio da nova taxa, que atende a dois apelos, excluindo os de ordem técnica: alivia a dureza das críticas, pelo menos por um mês, e mantém a política monetária inalterada, em sua rota conservadora.

No dia seguinte, o governo assistiu com alívio à divulgação de dados positivos da atividade econômica, como a recuperação do emprego e as boas vendas do comércio em janeiro, em compilações feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De Londres, Palocci arrematou a sequência positiva para o governo, ao declarar que os juros continuarão sua trajetória declinante em 2004 e o crescimento poderá superar as expectativas.

O setor produtivo recebeu bem o anúncio, mas fez suas tradicionais advertências. “A decisão vai no sentido correto, porém sem a intensidade que permita no curto prazo alterar o estado de apatia do mercado interno”, disse o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, em nota. A entidade registrou, um dia antes do Copom, uma boa recuperação do emprego em fevereiro, considerado o melhor desde 1995. Com uma ressalva, tão ou mais importante do que a própria constatação: a recuperação aconteceu principalmente em indústrias voltadas para a exportação. “O mercado interno”, diz a nota, “permanece apático.”

Os juros aos seus usuários finais (indivíduos e empresas que tomam dinheiro emprestado) devem prosseguir na ligeira curva descendente que já vinham traçando, segundo levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Nos cartões de crédito, por exemplo, as taxas praticadas hoje são as menores desde 1995 – o que não exclui o fato de os juros pagos pelos brasileiros estarem entre os maiores do mundo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Lógica perversa – A inflação continua a dar sinais controversos, sem uma tendência definida, apesar da mão dura do BC no primeiro trimestre. O que fortalece a cada vez mais comentada tese de que, ao invés de combater, a política dos juros altos alimenta a inflação. Em seu recém-lançado Estudo técnico sobre as taxas de juros vigentes no Brasil, o professor Alberto Borges Matias, da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, rejeita categoricamente a hipótese de que os juros são elevados para controlar a inflação. Muito pelo contrário. “Existem indícios de que a taxa Selic gera inflação de custo”, diz Matias. “Não há inflação de demanda, as pessoas estão sem renda”, afirma o acadêmico, renegando um efeito pretendido pelo BC, o de segurar a alta nos preços via contenção do consumo. Para Matias, o que existe é a inflação causada justamente pela elevação dos custos financeiros para as empresas, que os repassam aos preços.

O professor da USP Joaquim Cirne de Toledo, Ph.D pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), concorda. “Eu digo que os juros provocam inflação há pelo menos 18 anos. Ultimamente tem aumentado o número de pessoas que concordam comigo”, afirma. Segundo ele, o primeiro efeito nocivo dos juros altos se dá na percepção dos credores. “Quando se paga muito, cria-se desconfiança”, diz. As altas taxas também acabam acionando um mecanismo que, na opinião de Toledo, apreciam o câmbio – o que também aumenta os custos empresariais. Toledo cita como exemplos os negros dias de inflação galopante na virada dos anos 80 para os anos 90. “Em alguns períodos, foram praticados juros de mais de 90% ao ano”, afirma. O resultado todo mundo conhece.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias