O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, chegou a Londres na quinta-feira 18 com a cabeça no bombardeio que o atingia do outro lado do Atlântico. Protegido pela distância entre o Lago Paranoá e o Rio Tâmisa, Palocci usou toda a sua habilidade para responder à saraivada de mísseis que tentam acertar o alvo na política econômica e até na sua imagem, a partir das denúncias envolvendo um ex-assessor da Prefeitura de Ribeirão Preto. Na capital inglesa, Palocci também agiu para ganhar o apoio dos ingleses às propostas de mudanças no FMI, durante encontro com o seu colega Gordon Brown. O ministro brasileiro saiu sorridente da conversa, afirmando que o companheiro britânico foi “muito positivo” e demonstrou interesse nas idéias trazidas por Palocci. O ministro carregou na bagagem um pesado dilema: precisa fazer o avião da economia decolar o mais rápido possível para evitar que acusações possam enfraquecê-lo, como aconteceu com o capitão do time, José Dirceu (Casa Civil). Mas mesmo sob tiroteio cerrado, Palocci manteve o seu habitual bom humor. Ao quebrar o silêncio, na capital inglesa, ele defendeu a sua política econômica, respondeu aos ataques e fez da própria situação uma piada: “Ao contrário do ministro da Fazenda do Brasil, que está à direita do presidente, o Gordon Brown está à esquerda do primeiro-ministro (Tony Blair).” Palocci se referia ao cerco aliado promovido pela esquerda petista, que o acusa de ter pendido para o neoliberalismo.

Recentemente, seus críticos ganharam apoios insólitos: o presidente do aliado PL, Valdemar Costa Neto (SP), chegou a pedir a demissão de Palocci e a mudança nos rumos econômicos em pleno Planalto, antes da posse do ministro dos Transportes, o ex-prefeito de Manaus Alfredo Nascimento (PL). “O presidente tem que trocar Palocci por alguém que tenha competência no cargo. Palocci tem competência para ser prefeito de Ribeirão Preto, não para ser ministro de um país como o nosso”, trovejou. No fundo dessa crise, mais uma briga pelo poder que atiça os aliados às vésperas da eleição. Valdemar estava contrariado por não ter nomeado diretores da CEF e do Banco do Brasil, vinculados à Fazenda. Para arrefecer a ira de sua base, o governo prometeu abrir o orçamento para as estradas, anunciou projetos para o Nordeste e sinalizou para a retomada da redução gradual dos juros, dando um corte de 0,25% na taxa básica de juros do Banco Central.

A agenda positiva foi chamuscada pelo projétil amigo do PL e pelas denúncias envolvendo um novo personagem petista na série de acusações que paralisam o governo há mais de um mês. Entrou
em cena agora o ex-secretário de Governo de Palocci na prefeitura
de Ribeirão Preto (1993-1996), Rogério Buratti. Ele é investigado pela Polícia Federal por ter sido – segundo acusações de diretores da Gtech (administradora das loterias da Caixa Econômica Federal) – indicado
pelo ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz para uma consultoria milionária em troca da renovação do contrato entre a empresa e a CEF no governo Lula. Buratti é um homem da turma do PT há anos. Em 1987, assessorou o então deputado estadual José Dirceu na Assembléia Legislativa. Em 1991, Buratti passou a trabalhar, na liderança do PT, com outro deputado estadual, com o qual fundou o partido em Osasco, João Paulo Cunha, hoje presidente da Câmara dos Deputados. Buratti subiu mais degraus na pirâmide petista ao trabalhar com Palocci na Prefeitura de Ribeirão. Foi demitido pelo então prefeito em 1994, ao ser flagrado negociando com um empreiteiro vantagens em uma licitação municipal. Mas não perdeu o amparo dos petistas. Em 1995, migrou para o gabinete de João Paulo em Brasília. Mas a relação de Buratti com o PT não se restringe ao emprego. Até 1998, foi sócio do atual chefe de gabinete de Palocci, Juscelino Dourado, em uma empresa de informática. Em maio de 2002, Buratti, como diretor de uma empresa, posava ao lado de Palocci na Prefeitura de Ribeirão.

Fogo amigo – Com aliados como o PL e o próprio PT – que divulgou nota pedindo mudanças na política econômica no último dia 5 –, o governo não precisa de oposição. O núcleo do poder sugeriu que o novo ministro do PL nem tomasse posse e que o partido fosse despachado. Lula recusou. Convocou o novo ministro e exigiu uma retratação pública. “O que está havendo? Não estou entendendo a posição do partido”, cobrou Lula. “É coisa da cabeça do Valdemar. Posso garantir que não estava combinado. Não deixei de ser prefeito para fazer isso. Vou falar com ele e ver se é alguma mágoa, se o governo não está cumprindo algum acordo”, tentou corrigir o ministro novato. O PL desautorizou Valdemar. “Extrapolei, mas o PT esculhamba o Palocci e eu sou crucificado?”, justificou-se. O Palácio achou pouco. Os ministros José Dirceu, Aldo Rebelo e Luiz Dulci chamaram Valdemar ao Palácio na quarta-feira 17 para uma tensa reunião, junto com o vice Alencar, o líder do PL, Sandro Mabel (GO), e o ministro Nascimento. O governo exigiu um desmentido. Valdemar bateu o pé, mas confessou a origem de sua fúria. “Não desminto. Vocês não podem pedir isso porque não cumprem os acordos”, disse, referindo-se aos cargos. O governo ficou de atender aos pedidos. O cachimbo da paz também aliviou a tensão no Congresso.

O PL tem sido o partido que mais aporrinha Lula depois do PT. Está no freezer do Palácio o saco de maldades dos liberais contra o governo. O senador Magno Malta (ES) é o autor da CPI dos Bingos, que tem as baterias voltadas para Waldomiro. Já o suplente do vice Alencar, Aelton Freitas (MG), quer uma CPI da CEF/Gtech. Os estrilos do PL não ameaçam a governabilidade, mas podem contaminar. “Isso afrouxa a base. O PT assina CPI, o PL pede demissão de ministros e CPIs. Já comuniquei ao governo que também tenho limites”, desabafou o líder do PMDB, Renan Calheiros. Uma das saídas, sugerida pelo PMDB, seria um governo de união nacional a partir de mais uma mexida ministerial, mas o próprio partido avalia que a idéia não prospera. O PMDB martela na tese de que faltam quadros ao PT e insiste em estar no centro das decisões. Ou seja, quer um naco a mais de poder.

Dirceu rompeu o silêncio pós-Waldomiro. Garantiu que “não haverá mudanças contra Palocci”, confessou incompetência, por não ter notado as falcatruas de seu ex-assessor e escancarou o tema que, até aqui, se discutia nas conversas reservadas: “Alguns namoram o perigo tentando desestabilizar o governo, outros namoram o sonho de nos derrotar em 2004”. O recado foi para os aliados e para oposição, que pisa fundo nos escândalos envolvendo o governo. O presidente Lula bateu na mesma tecla: “Deve ter muita gente torcendo: ‘Esse Lula não pode dar certo.’ É como ex-marido que não quer que a mulher seja feliz no outro casamento.” Com a infidelidade o Planalto está escaldado. “Há na base aliada um claro movimento de desestabilização do ministro Palocci. É uma absoluta irresponsabilidade daqueles que, se aproveitando de uma crise política, apenas buscam fortalecer-se no governo”, reagiu o senador tucano Tasso Jereissati (CE), que, na oposição, ajuda o governo. Críticas em ano eleitoral tendem a aumentar e Palocci só sai do tiroteio quando a economia crescer – é o seu dilema. O ministro tranquilizou os investidores em Londres, afirmando que as crises políticas não afetarão a condução da economia e que o crescimento pode superar os 3,5% do PIB previstos pelo BC. O otimismo tem o objetivo: ganhar fôlego na crise. Mas até Palocci sabe que a confusão política só acabará quando a economia voltar a crescer.

 

Pegadas suspeitas

Ministério Público Federal está reunindo cada vez mais indícios de que Waldomiro Diniz, ex-assessor do ministro José Dirceu, participou diretamente da elaboração do contrato milionário que deixou a Caixa Econômica Federal amarrada por mais 254 meses aos serviços da multinacional Gtech no processamento das loterias federais. No meio de sete caixas de papelada, os procuradores que investigam o caso descobriram uma preciosidade: no registro de ingressos e saídas de visitantes na sede da CEF em Brasília consta a entrada de Waldomiro no dia 25 de março de 2003, quando já ocupava o posto de subchefe de assuntos parlamentares da Casa Civil. O que mais intriga é a data: véspera da reunião entre os diretores da CEF e os representantes da multinacional na qual foi alinhavada a versão final do contrato. Não é só. Dois depoimentos de funcionários que trabalhavam no setor de segurança da Caixa dão conta de que Waldomiro era figura conhecida nos corredores da instituição. Além de usar portaria principal, tendo seu nome registrado nas folhas de controle da entrada, o ex-assessor também teria ingressado pela garagem, sem se identificar, com uma autorização especial de acesso. Este tipo de conforto é dado, por exemplo, a autoridades agendadas e a fornecedores, que descarregam seus produtos no subsolo. Agora, o Ministério Público vasculha documentos para descobrir para onde ia o subchefe quando perambulava na matriz da CEF. O objetivo é checar a versão apresentada pelo presidente da Caixa, Jorge Matoso, que afirma não conhecer Waldomiro.

Sônia Filgueira

Entre o mar agitado da política e as ondas arriscadas da economia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prefere as águas calmas do sereno lago da Granja do Torto, residência de fim de semana da Presidência da República, onde ele passa seus poucos momentos de folga. Ali, o presidente consegue usufruir de seus maiores prazeres: o futebol, que já lhe rendeu contusões, o forró e a pesca. Ignorado pelos antecessores de Lula no Planalto, o lago do Torto caiu nas graças de um velho pescador. Desde os sete anos, Lula, recém-emigrado do inóspito sertão pernambucano para o litoral verdejante de Santos, gastava suas horas de lazer com os irmãos, pescando em Vicente de Carvalho, uma das praias vizinhas ao Guarujá.

Ao se mudar para Brasília, Lula conseguiu resgatar o prazer bucólico de pescar, hobby que, como presidente de honra do PT e ex-sindicalista, desfrutava na chácara que possui às margens da represa Billings, em São Bernardo do Campo, onde passava todo santo fim de semana. Era lá também que Lula se deliciava com os seus já famosos churrascos na companhia dos amigos mais próximos e da família: o presidente também adora carne vermelha. Aliás, dois hobbies que ele estendeu à sua vida presidencial em Brasília: quando quer aparar arestas na seara da política e da economia, Lula promove churrascos e partidas de futebol. No lago do Torto, o pescador Lula já comemora uma população de 260 peixes de várias espécies nobres, como dourado, pacu, pirapitanga, pirara, pintado, jaú e cajara. Quando vão ao Torto, Lula e dona Marisa tratam de jogar pessoalmente no lago a ração balanceada para os animais, após a caminhada que ele e a mulher fazem de manhã cedo. Na hora do lazer, como fazia quando criança, o presidente prefere a linha em vez da vara de pescar, como no sábado 13, quando pescou um dourado com dois quilos. Como bom esportista, vestindo uma camiseta azul, bermuda branca com o escudo do Internacional de Porto Alegre e calçando chinelo de dedo, o corintiano Lula comemorou a fisgada, mas livrou o dourado da isca e depois o devolveu ao lago.

Nem sempre o pescador é Lulinha, paz e amor. Na semana anterior, ele fisgou duas tilápias, uma com 4,6 kg e outra com 4 kg. Profissional, Lula chamou o fotógrafo da Presidência, Ricardo Stuckert, e pediu a prova do crime: “Bate uma foto aí pra não dizerem que isto é papo de pescador.” Documentada a proeza, a dupla foi arquivada num freezer, esperando o próximo fim de semana de futebol e forró para completar a alegria do presidente.

Luiz Cláudio Cunha