A câmera fecha num close no  rosto do ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Robert S. McNamara. Com os olhos marejados, ele relata como ocorreu a escolha do lugar onde seria enterrado o então presidente americano John Fitzgerald Kennedy. Em outra cena, olhar compenetrado, porém firme, McNamara assume os erros militares que cometeu quando, na década de 1960, comandou a fabulosa máquina bélica americana no Vietnã. “Todo comandante militar comete crimes de guerra”, esquiva-se ele, completando com a afirmação de que, em tempos difíceis de guerra os homens do poder não sabem o que fazem. Essa nova imagem do “arquiteto da guerra do Vietnã”, mais humilde e humana, é uma melhores faces do documentário vencedor do Oscar Sob a névoa da guerra (The fog of war, Estados Unidos, 2003), que tem estréia nacional na sexta-feira 26.

Dirigido pelo americano Errol Morris, o filme sobre a vida e os pensamentos de McNamara dá voz àquele que foi o estrategista militar americano durante os momentos mais difíceis da guerra fria, inclusive no conflito com o Vietnã. Ex-secretário de Defesa durante o mandato de Kennedy na Casa Branca, ele continuou respondendo pela pasta quando Lyndon Johnson assumiu a Presidência após o assassinato de JFK. Ao todo foram sete anos (1961-1968), no apogeu da guerra fria.

Sob a névoa da guerra é um documentário de estrutura convencional, com imagens que remetem e se intercalam aos depoimentos. No princípio um tanto esquemático, depois torna-se mais atraente. Morris fez a montagem a partir de 11 pensamentos (ou lições, como está no subtítulo original) que McNamara pôde tirar de sua atribulada vida pública. Entre as imagens de arquivo, Sob a névoa da guerra mostra trechos de gravações de reuniões secretas que aconteciam no Salão Oval da Casa Branca. Nelas, é possível perceber a tensão do presidente Kennedy no episódio mais dramático da guerra fria, a crise dos mísseis de Cuba, em 1962. Forçando dois dedos muito próximos, McNamara explica o quão perto o mundo esteve da hecatombe nuclear. Segundo ele, o que evitou a guerra foi a sorte, pura e simplesmente: “A racionalidade não nos salva”, afirma, na lição número dois.

Desde sua saída do governo americano por desavenças a respeito da guerra do Vietnã com o presidente Johnson – ferrenho defensor da presença militar americana no Sudeste asiático –, McNamara vinha se mantendo calado sobre sua polêmica conduta no conflito. Os fatos começaram a mudar com o lançamento de seu livro de memórias. Hoje, aos 85 anos, impressionantemente lúcido e articulado, McNamara quebra outra parte do silêncio.

Sobre o conflito, o “arquiteto” culpa o “construtor”, atribuindo a Johnson a responsabilidade pela permanência no Vietnã, uma guerra que “jamais poderia ser ganha”. Mas, quando perguntado se sentia culpa, mesmo claramente arrependido, McNamara exibe resquícios daquele falcão desafiador, confiante e arrogante, e não dá o braço a torcer para não criar ainda mais polêmica nas suas palavras. “Não se pode mudar a natureza humana”, diz, em tom pessimista, o velho McNamara, na sua décima primeira e última lição.