Em turnê pelo Brasil, logo após o fim da Segunda Guerra, o pianista polonês naturalizado americano, Arthur Rubinstein (1886-1982), conheceu um jovem e desconhecido compositor carioca fazendo trilha sonora ao vivo para um filme mudo num cinema da avenida Rio Branco. Muitos anos depois, Rubinstein, que é considerado um dos três maiores pianistas do século, ao lado do americano nascido na Rússia Vladimir Horowitz e do soviético Sviatoslav Richter, quem diria, se tornaria grande amigo e divulgador da obra daquele que o mundo inteiro conheceria como Heitor Villa-Lobos. “Naquele encontro falamos muito”, conta o pianista em sua autobiografia. “Eu em meu mau português e ele em seu mau francês.” Na ocasião, Villa-Lobos deu-lhe algumas peças para piano e Rubinstein, no seu último recital no Rio de Janeiro, tocou Prole do bebê. Mais tarde, gravaria a composição, que está incluída na monumental The Rubinstein collection, luxuosa caixa de couro – que deverá ser pedida às lojas por encomenda – agrupando 94 CDs de toda sua carreira discográfica construída entre 1928 e 1976, acompanhada de livro com fotos, histórias e depoimentos. O preço corresponde ao requinte: gira em torno de R$ 5 mil.

A empreitada consumiu dois anos de trabalho utilizando os mais modernos equipamentos de remasterização e uma sofisticada tecnologia de redução de ruído. O resultado é magnífico. São 106 horas de música retiradas de 706 gravações de 347 obras. É difícil escolher, mas como a coleção talvez seja desmembrada no segundo semestre de 2000, é obrigatório seu Chopin: límpido, cantante e contido. E Schumann, Albéniz, Granados, Ravel e seu bem-amado Brahms. Além das gravações com o Million Dollar Trio, ao lado do diabólico violinista Jascha Heifetz e do violoncelista Gregor Piatigorsky; dos dois concertos para piano e orquestra de Chopin, com a London Symphony e sir John Barbirolli; do segundo de Brahms, com Albert Coates; e do primeiro de Tchaikovski com Barbirolli. Ah, e do terceiro de Beeethoven e a Orquestra da NBC com Arturo Toscanini. Angustiante escolha, como se vê.

Rubinstein começou a gravar apenas aos 41 anos. Mas a partir de então sua voracidade foi tão grande que abarcou praticamente todo o grande repertório pianístico, às exceções de Bach – ele tinha medo de ser acusado de tocá-lo como se fosse Mozart – e as últimas sonatas de Beethoven. Amante do vinho, do conhaque, das mulheres e da música, Arthur Rubinstein personificou melhor que ninguém a expressão francesa joie de vivre (alegria de viver). “Sou a pessoa mais feliz que jamais encontrei”, bradava. Grande frasista, saiu-se com outra quando o maestro Zubin Mehta perguntou-lhe se queria executar primeiro o concerto de Beethoven ou o de Saint-Saëns. “Beethoven, é claro. Primeiro a igreja, depois o bordel!”

Dono de uma vitalidade incrível, foi capaz de, em 1906, tocar durante nove horas seguidas para os passageiros do navio que o levava da Europa a Nova York só para distraí-los de uma fortíssima tempestade. No final da vida, já praticamente cego, ainda saía do palco aos pulinhos, vibrando com os aplausos e dizendo baixinho: “Eles gostaram! Eles gostaram!” Se pudesse escolher, confessou certa ocasião, gostaria de morrer tocando Brahms, sua paixão mal-compreendida pela crítica e pelo público. Não foi à toa que o maestro Daniel Barenboim o apelidou de Grand Seigneur, expressão que candidamente provocou inveja no seu grande rival Horowitz. “Ele é o melhor pianista do mundo, e eu o melhor músico”, retrucou Rubinstein. The Rubinstein collection é uma coleção de argumentos irrefutáveis a favor da sua tese.