Doze mil pares de pés em marcha, doze mil corações, milhares de sonhos e apenas um primeiro lugar. Na hora da largada vale tudo: rezar, apertar os dentes, fechar os olhos ou fazer promessa. A grande maioria dos competidores da 75a São Silvestre, que deve fechar as inscrições no dia 20 e atrai, há um mês, 300 pessoas por dia, é movida pela vontade de colocar na estante da sala o troféu da última corrida do milênio. Mas não se trata de seguir carreira. Os 15 quilômetros, que começam e terminam na avenida Paulista, em São Paulo, são hoje sinônimo de confraternização e um espetáculo-símbolo da virada do ano. Além dos atletas, cidadãos comuns querem experimentar ao vivo uma das cenas mais tradicionais do fim de ano no Brasil. “Sempre ficava arrepiada ao ver pela tevê o primeiro colocado rasgando a fita e até mesmo os retardatários se esforçando para completar a prova”, relata a secretária Shirley Bento, 36 anos, que começou a participar em 1985. Ela só lamenta que a chegada não seja mais à meia-noite, como era há dez anos. “A primeira vez que participei vi o show de fogos a poucos metros da linha de chegada. Foi maravilhoso”, recorda ela.

 

Sonhos – Liliane Ferreira, 15 anos, correrá pela primeira vez este ano. “Sempre existe uma esperança de ganhar, ninguém está lá por acaso, mas viver a experiência já conta muito”, diz Liliane. A corrida também é um instrumento para alavancar outros sonhos. É o caso do pintor Ronaldo dos Santos, 20 anos. “O que eu quero mesmo é ser jogador de futebol, mas já passei da idade de começar de baixo. Acho que ser campeão da São Silvestre, ajuda”, conta Ronaldo, que promete não desistir no meio da prova, como fez no ano passado. A primeira Corrida de São Silvestre, criada em 1924 pelo jornalista Cásper Líbero, reuniu apenas atletas da cidade de São Paulo. Em 1945 se tornou internacional, em 1975 foi aberta para as mulheres e hoje tem até espaço reservado para as crianças, na chamada São Silvestrinha. Nos últimos quatro anos, o queniano Paul Tergat, 30 anos, só perdeu em 1997 para o brasileiro Emerson Iser Bem, 26. Na última corrida, Tergat fez o percurso em 44min47s. A campeã feminina de 1998 foi a estreante Olivera Jevtic, 22 anos, da Iugoslávia. Ela completou a corrida em 51min35s.

 

O físico – No desempenho, dizem os especialistas, preparo conta mais que juventude. Segundo o médico de esportes Osmar de Oliveira só deve participar da maratona quem já sabe que tem condições de terminar o percurso. “Quem corre quatro ou cinco quilômetros por dia não tem condições de correr 15. Treino, acompanhamento médico e alimentação apropriada são fundamentais”, aconselha. “Pessoas mais velhas, às vezes, realizam a prova com mais facilidade do que um jovem. Elas estão sempre preocupadas com a saúde, vão constantemente ao médico e, além disso, não estão lá para ganhar. É o prazer que as move”, pontua. A comerciante aposentada Maria Grácia Pereira, 57 anos, correrá este ano sua oitava São Silvestre. “Participo porque gosto. Se levar alguns troféus para casa, melhor”, diz Maria. Há 21 anos, uma amiga a convidou para acompanhá-la nas corridas recomendadas pelo médico. Ela hesitou um pouco, mas acabou aceitando. Com o tempo, a amiga desistiu e Maria virou maratonista.
 

Pouca gente é atraída para a São Silvestre pelo dinheiro. Os R$ 12 mil oferecidos aos primeiros lugares feminino e masculino contam menos que a adrenalina e o glamour de uma corrida que virou programa de tevê. Para o estudante de Direito Ricardo Rebouças, 18 anos, que correrá pela segunda vez, o mais estimulante é realmente ter uma classificação. “Gosto de ter um número, competir. Ver os outros ficando para trás e me esforçar para fazer o melhor”, afirma Ricardo. O contador Geraldo Pedro da Silva, 61 anos, acha que correr a São Silvestre é uma emoção única. “Lá eu corro sozinho. Quer dizer, eu, Deus e mais 12 mil, tão sozinhos no meio de todo mundo como eu.”