O álcool faz bem? Ou só provoca danos à saúde? Eis a questão que tem instigado a comunidade médica atual. A busca pela resposta tem se traduzido num número cada vez maior de estudos científicos. E eles, por enquanto, mostram um placar favorável à bebida. Graças a uma palavra que serve como um perfeito acompanhamento: moderação. Ingerido em pequenas e constantes doses, o álcool (cientificamente chamado de etanol) está se demonstrando eficaz na prevenção de doenças cardiovasculares, como o infarto e a isquemia cerebral (falta de irrigação sanguínea no cérebro), e de outros males em que seu efeito ainda tem de ser mais estudado, como a demência (deterioração mental), a úlcera, a degeneração da mácula (mal que pode levar à cegueira) e, acreditem, até mesmo a deterioração do fígado.

Um dos estudos mais recentes, feito com 22 mil médicos americanos e publicado no mês passado no respeitadíssimo New England Journal of Medicine, mostrou que aqueles que bebem moderadamente têm em média 20% menos chance de ter uma isquemia cerebral do que os que não tomam álcool. A proteção, segundo os pesquisadores, já se dá a partir de uma dose de álcool por semana e parece ser ainda maior para quem toma de uma a quatro doses por semana. O benefício, porém, não é progressivo. Acima dessas quantias (até uma dose todos os dias, no máximo) ele permanece o mesmo. Um outro estudo, publicado em agosto na revista Circulation, da Associação Americana de Cardiologia, revelou que beber de duas a quatro doses de álcool por semana reduz em 60% o risco de morte súbita cardíaca (problema que, em geral, leva ao óbito pela arritmia do coração). Para quem consome de cinco a seis doses, o benefício é ainda maior: 79%. Esses índices servem para qualquer tipo de bebida (já que o que se estudava era o poder do etanol) e, além de comprovarem a boa ação do álcool, mostram que ele poderá ser mais um elemento a contribuir para a redução da mortalidade por doenças cardiovasculares, a principal causa mortis no mundo, responsável por 17 milhões de óbitos em 1998 (no Brasil são 250 mil).

Mas quanto é uma dose de álcool? De acordo com a maioria dos estudos, uma dose é equivalente a cerca de 13 gramas de álcool. Essa quantia corresponde a uma taça de vinho (120 ml), uma lata de cerveja (350 ml) ou um copo de uísque (40 ml). E o que é beber com moderação? Não existe um número exato que responda a essa questão. Mas pode ser considerado como algo entre um único drinque, tomado uma vez por semana, até dois por dia, de cinco a seis vezes por semana. “Não adianta ficar sem beber durante a semana inteira e abusar no fim de semana”, alerta o médico Sérgio Santos, um estudioso do vinho.

Proteção – O mecanismo pelo qual o álcool protege o organismo de problemas vasculares ainda não foi totalmente desvendado. Ao que tudo indica, a sua ação benéfica se dá pela redução no sangue do colesterol do tipo LDL e pelo aumento do HDL. O primeiro é tido como o vilão das artérias, capaz de se depositar nelas e entupi-las com o acúmulo de placas de gordura. O outro é o herói da história. Funciona como um mata-borrão que suga a gordura circulante no organismo. “Na fase aguda do infarto o paciente apresenta um baixo nível de HDL. Ou seja, o coração perdeu a proteção”, explica o cardiologista carioca Carlos Scherr. O efeito benéfico, no entanto, também pode ser explicado pela diminuição que o álcool provoca na formação de coágulos no sangue (o que evita o entupimento das artérias), por sua capacidade de dilatar os vasos e até mesmo por suas propriedades ansiolíticas (tranquilizantes), que podem amenizar a ação maléfica do stress sobre o sistema cardiovascular.

Há pouco mais de um mês, o álcool surpreendeu até os hepatologistas, que costumam ser reticentes em relação à bebida. No encontro da Associação Americana para os Estudos das Doenças do Fígado, realizado em Dallas, nos Estados Unidos, especialistas da universidade de Manitoba mostraram que doses moderadas de álcool podem ajudar na regeneração de fígados danificados em ratos (o fígado é um dos poucos órgãos que conseguem se auto-regenerar). Eles acreditam que as baixas quantidades de etanol devem ativar genes ligados à regeneração do órgão. O fato é que, apesar de ter sido realizado com animais, esse estudo pode fazer com que a comunidade científica revise os conhecimentos dos efeitos da bebida sobre o fígado.

As pesquisas, aliás, são justamente o principal instrumento de que a medicina dispõe para investigar as propriedades do álcool. Entre elas, uma das mais importantes foi a realizada na França, em 1992, pelo médico Serge Renaud. Os franceses são um dos povos que mais consomem gordura animal no mundo e, por conta disso, têm um índice elevado de riscos para doenças do coração, como pressão alta e colesterol elevado. Só que, ao mesmo tempo, eles têm uma das menores taxas de morte por esse tipo de problema. A contradição, conhecida como o “paradoxo francês”, foi atribuída por Renaud ao consumo habitual de álcool – em especial de vinho – pela população. Além de confirmar o bom trabalho que a bebida moderada desempenha, a pesquisa esquentou o debate sobre uma questão: terá o vinho um poder maior do que o de outras bebidas? Talvez. Uma resposta conclusiva ainda não há. Isso porque grande parte dos estudos é feita para verificar os efeitos do etanol e os que procuram confrontar a ação específica de determinadas bebidas são escassos.

Vinho – Os pesquisadores que defendem o vinho creditam a ele um poderio maior graças a sua composição. “Além do álcool, o vinho possui substâncias denominadas compostos fenólicos que têm ação antioxidante, antiinflamatória e antiplaquetária”, diz a nutricionista paulista Lisia Kiehl. “Essas propriedades, em especial a antiinflamatória e a antiplaquetária, evitam a adesão das placas de gordura nas artérias e a formação de coágulos que possam obstruí-las”, completa o cardiologista do Instituto do Coração de São Paulo Protásio da Luz. Os compostos fenólicos são encontrados na casca e nas sementes da uva, principalmente nas do tipo tinto (escura) – daí o fato de o vinho tinto trazer mais benefícios do que o branco – e no champanhe, que é feito com diferentes variedades de uva. O médico do Incor fez uma experiência comparando o efeito do vinho e do suco de uva em coelhos alimentados com uma dieta rica em colesterol. Ele verificou que os que receberam pequenas doses de vinho tiveram apenas 38% da artéria aorta comprometida por placas de gordura. Com suco de uva o comprometimento foi de 47%. E os animais que não receberam nenhuma das duas bebidas tiveram um índice de 69%. “O álcool, além de sua ação própria, parece potencializar os efeitos dos compostos fenólicos”, diz Protásio da Luz. “Durante o processo de fermentação da bebida, o álcool extrai os fenóis da casca e das sementes da uva, deixando-os em alta concentração no vinho”, explica o engenheiro agrônomo Carlos Daudt. E qualquer vinho vale? Ou há diferença entre um Échézeaux safra 1982 e um legítimo Sangue de Boi? Aparentemente não. Desde que a bebida siga os padrões de segurança, o único dano parece ser mesmo para a saúde do bolso. Ou o bem-estar no dia seguinte.

Sem engordar – Para manter o coração em ordem e a conta bancária também, a cerveja – mais barata do que um vinho de qualidade – pode ser uma boa opção para quem deseja beber de forma comedida. Além de fornecer os conhecidos benefícios do etanol, ela também contém compostos fenólicos (em menor quantidade que o vinho), possui nutrientes como sais minerais, vitaminas e carboidratos e tem um ótimo efeito diurético. Um estudo, feito por cientistas finlandeses e publicado este ano no American Journal of Epidemiology, constatou que a chance de ter pedras nos rins é 40% menor em quem bebe uma cerveja por dia. O resultado é atribuído ao efeito diurético da bebida e a alguns de seus compostos que parecem inibir a eliminação de cálcio na urina (um dos fatores que podem levar à formação de pedras). E para aqueles que se preocupam com a barriguinha de cerveja aí vai uma das maiores proezas do álcool: ao contrário do que se imagina, ele não engorda. Fato que foi cientificamente comprovado por dezenas de estudos. Entre eles, um dos maiores sobre o assunto foi realizado em 1991 na Universidade de Harvard (EUA). Durante dez anos os pesquisadores avaliaram a quantidade de álcool ingerida e as mudanças no peso de 138 mil pessoas. Resultado: homens que bebiam doses moderadas de vinho ou cerveja não ganharam quilos a mais do que os abstêmios. Para as mulheres os números foram ainda mais favoráveis: quem bebia apresentou uma massa corpórea 15% menor do que as que evitavam o álcool. Explicações? Inconclusivas. Uma das hipóteses é que as pessoas que bebem secretam menos insulina, hormônio que promove a síntese e o armazenamento de gordura.

Todos esses benefícios da bebida em doses moderadas podem levar a crer que o álcool é um santo remédio. Ainda não chega a tanto. Em excesso, além de levar ao alcoolismo, pode causar cirrose, hepatite alcoólica, impotência, gastrite, pancreatite e câncer. “O álcool também deprime o sistema nervoso central. Em altas concentrações pode levar à morte”, avisa o hepatologista Fernando Pandullo. De qualquer maneira, as vantagens das baixas doses são inegáveis. “Costumo recomendar um cálice de vinho por dia para quem não tem problemas como diabetes ou alcoolismo”, conta o cardiologista Carlos Scherr. Ou seja, para desfrutar dos benefícios, basta seguir a mais óbvia das orientações: a do rótulo da bebida. “Evite os excessos do álcool”, estampada nas garrafas de vinho, ou “Aprecie com moderação”, impressa na cerveja.