Quando em 1926, Monteiro Lobato escreveu O presidente negro, não poderia imaginar, mesmo sendo o visionário que foi, que mais de 80 anos depois um negro com o estranho nome Barack Obama seria eleito presidente dos Estados Unidos da América (país cuja vocação "progressista" tanto encantava o escritor brasileiro), amparado por uma esmagadora superioridade nas urnas. Na verdade, não precisaríamos ir tão longe. Se alguém fizesse tal profecia há dez, mesmo cinco anos atrás, não seria levado a sério, isso se não fosse francamente ridicularizado.

Fato é que, para surpresa do mundo, um negro chega enfim ao poder num país com triste histórico de segregação racial. E chega embalado por uma euforia internacional que beira a histeria. Torço por Obama. Seu êxito no comando da Casa Branca será algo educador, um alento num cenário de cinismo e hipocrisia, uma lição política e humana exemplar. Mas não será tarefa fácil governar um país arrasado por grave crise política e financeira.

De todo modo, o que me interessa comentar aqui não é a cena política (afinal, não teria autoridade para tanto), mas a "psicologia de botequim" em torno do fenômeno Obama. Dias atrás, todos os canais de tevê cobriam com estardalhaço sua posse, os jornais idem, as conversas de padaria giravam em torno dele, até programas de esporte abordavam seu perfil esportivo, de garoto amante do basquete, porte atlético, etc. Ainda agora, passados os primeiros dias de governo, sua figura esguia e elegante é onipresente. Muito se falou e especulou sobre o lastro histórico que Obama deixará como "presidente da América".

Foi num programa de tevê que ouvi a seguinte afirmação: "A chegada de um negro à Casa Branca fará com que outros negros se sintam encorajados a buscar cargos de importância na política." Ok, compreensível. Mas o princípio aqui não escapa do senso comum que faz crer que uma menina humilde do Paraná que vence o Big Brother abrirá caminho para outras meninas humildes do Paraná, em suma um princípio arrivista, mesmo antidemocrático e, por que não dizer, amoral.

Foto divulgada à exaustão há alguns dias, mostrava-o assinando ordens executivas, como o fechamento de Guantánamo, rodeado de homens brancos que poderiam ser arianos de um filme de Spielberg. Emblemática. É natural, portanto, que Obama seja visto como um restaurador da autoestima negra. Mas se ele pode deixar um legado real à humanidade, além de um governo justo e comprometido com os prementes problemas americanos, é uma visão não-revanchista, sem recalques, sobre a questão racial, lá e no mundo.

Na fábula de Lobato, figura polêmica acusada de racismo por corroborar com as teses eugenistas, que apregoavam a purificação étnica, há uma crítica feroz à perda de raízes e à imitação dos costumes alheios – em especial ao "embranquecimento" da comunidade negra como forma de adaptação à sociedade, o que resultaria em perda de identidade (e ele nem poderia sonhar com Michael Jackson àquela altura).

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Não é necessário que Obama seja o Messias, o redentor de todas as mazelas humanas como o mundo agora o trata. Basta que ele seja Barack Hussein Obama Jr., o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Não um "negro de alma branca", apenas um negro com alma.

Zeca Baleiro é cantor é compositor


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