No final da tarde da sexta-feira 17, a superassessora e sócia do ministro da Defesa, Élcio Álvares, suspeita de envolvimento com o crime organizado no Espírito Santo, e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Walter Brauer, foram demitidos. Dois dias antes, a CPI do Narcotráfico resolveu quebrar os sigilos bancário, fiscal e telefônico de 46 pessoas e empresas suspeitas de envolvimento com a bandidagem capixaba. A exemplo de Solange Antunes Resende, seu irmão Dório Antunes e o desembargador Geraldo Correia Lima, ex-sócio de Élcio, também terão sua contas devassadas. Como Solange tem negócios em comum com Élcio e os mesmos telefones em casa e no escritório de advocacia, na prática a CPI estará investigando também o ministro da Defesa. “Causou espanto. A vida pública tem de ser bastante ilibada, transparente, que não deixe dúvidas”, disparou, na quinta-feira 16, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Walter Bräuer, expressando o mal-estar das Forças Armadas após uma solenidade com oficiais-generais das três Forças. Mesmo com todos os sinais emitidos pelo Palácio do Planalto de que o presidente Fernando Henrique Cardoso esperava a saída de Solange do Ministério, Élcio resistiu em demitir sua sócia e acabou colocando sua própria cabeça a prêmio. Para não cair também, cedeu e ganhou uma sobrevida na Defesa. Mesmo assim, a queda de Élcio é dada como certa no governo e alguns nomes já estão sendo avaliados para substituí-lo no Ministério. O senador Romeu Tuma (PFL-SP) é um deles, mas suas chances de emplacar são mínimas. Quem está com mais cacife nesse páreo é o ex-ministro Celso Lafer que saiu magoado do Ministério do Desenvolvimento, mas já se recompôs com FHC. Em conversas com ministros que lhe foram sugerir a escolha de Lafer, o presidente concordou que essa seria uma boa opção.

O Planalto também não gostou do fato de o brigadeiro Bräuer ter atropelado a hierarquia e dado uma alfinetada no ministro da Defesa. Na noite de quinta-feira, logo após assistir pela tevê à entrevista de Bräuer, Fernando Henrique estava decidido a se livrar de uma só vez do brigadeiro e da assessora do ministro. Caso Élcio não topasse a solução, cairia junto. Na manhã seguinte, após uma palestra de Bräuer na Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, vários oficiais manifestaram solidariedade com o comandante da Aeronáutica e defenderam a saída de Élcio e Solange. Estão cotados para o comando da Aeronáutica os brigadeiros Carlos Batista e João Felipe Lacerda, do STM, e Nélson Taveira, do Estado-Maior do Ministério da Defesa, o preferido de Élcio. “Com todas essas denúncias, a situação do ministro ficou insustentável”, avaliou um deles. “Não combatemos a corrupção como deveríamos, mas ninguém no primeiro escalão se envolveu com o crime organizado, teve conta bancária no Exterior ou defendeu seu sigilo bancário”, disse o coronel Amerino Raposo, diretor do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos, numa comparação com o regime militar.

Desde que ISTOÉ publicou há dois meses um organograma do delegado Francisco Vicente Badenes Júnior em que Élcio Álvares aparece como envolvido com o crime organizado capixaba, o ministro da Defesa está na berlinda. O alto comando das Forças Armadas reuniu-se secretamente em Brasília para dar início às articulações para a fritura do ministro. Novas denúncias contra Solange complicaram ainda mais sua situação e levaram a CPI do Narcotráfico a decidir investigá-la. Solange chegou a Brasília no começo de 1990 e foi assessorar Élcio no Senado. Dois anos depois, sem largar seu cargo no Senado, entrou num concurso que, de acordo com denúncias recebidas pela CPI, seria na realidade um trem da alegria em que policiais e advogados ligados ao crime organizado foram contemplados com empregos na prefeitura do município capixaba de Serra. Quem nomeou Solange para o cargo de advogado Nível-L foi o então prefeito Adalton Martinelli – um empresário que está na cadeia pelo assassinato do advogado Carlos Batista. Caixa de campanha e acusado também pela morte do ex-prefeito José Maria Feu Rosa, de quem era vice, Martinelli confirmou à CPI que a Scuderie Le Coqc, entidade que ajudou a fundar, é mesmo uma organização criminosa. “Esse fato pesou na decisão da CPI de investigar as ligações da advogada com o crime organizado”, afirma o deputado Ricardo Noronha (PMDB-DF), um dos sub-relatores da comissão nas apurações sobre o narcotráfico no Espírito Santo.

Tem outra história que Solange ainda não conseguiu explicar. Mesmo estando trabalhando no Senado na época de sua posse como advogada da Prefeitura da Serra, ela assinou um documento em que declara não estar acumulando “cargo, emprego ou função pública”. Em fevereiro deste ano, Solange foi nomeada como DAS 5 para o Ministério da Defesa sem que fosse requisitada à Prefeitura de Serra. Essa não é a única irregularidade. Pela legislação, Solange teria de devolver aos cofres públicos 60% dos R$ 4,9 mil que recebe como assessora especial do ministro Élcio Álvares, mas ela simplesmente embolsa o salário integral. A secretaria de Administração e Recursos Humanos de Serra abriu um inquérito administrativo que pode resultar na demissão por justa causa da sócia de Élcio Álvares. Ela também pode sofrer uma sanção no próprio Ministério da Defesa.

Um ano antes de ser contratada pela prefeitura, Solange e Élcio desempenharam um papel decisivo para que os indiciados pela Polícia Federal na Operação Marselha ficassem impunes. A PF havia mapeado a quadrilha comandada pelo ex-delegado Cláudio Guerra que roubava carros no Rio de Janeiro e no Espírito Santo para trocá-los por cocaína na Bolívia. Os agentes federais chegaram a adiar a operação para não terem de efetuar o flagrante em terras capixabas. Como o crime organizado tem forte influência na Justiça do Estado, temiam que a quadrilha não fosse condenada. Trataram, então, de fazer com que a primeira prisão fosse efetuada no Rio de Janeiro, em 1989. Com isso, o processo foi aberto na 2ª Vara Criminal de Madureira. Mas ficou pouco tempo por lá. Já como senador eleito, Élcio Álvares e Solange conseguiram transferi-lo para a Vara Criminal de Vila Velha, onde permaneceu por dez anos sem que os acusados fossem a julgamento. Para a alegria dos acusados, também defendidos pelo advogado Dório Antunes, o processo prescreveu e foi arquivado por decurso de prazo.

Irmão de fé – Apesar de a ficha criminal de Cláudio Guerra registrar acusações e condenações por formação de quadrilha, homicídios, roubo de armas do Exército e tráfico de drogas, Dório Antunes diz que tudo não passa de armação contra o ex-delegado. “Considero o Cláudio um irmão e tenho muita honra em defendê-lo”, diz Dório, que é padrinho de uma das filhas de Guerra. Os dois costumam sair juntos para pescarias no litoral capixaba. O irmão de Solange não se limita a atuar como advogado na defesa de integrantes do crime organizado. De acordo com denúncia do delegado Aéliston Santos, em julho deste ano Dório coagiu testemunhas para que não reconhecessem o pistoleiro e ex-tenente Paulo Jorge dos Santos como um dos participantes da chacina em um bar de Vitória em que foi assassinado João Luiz da Silva, outro indicia-do na Operação Marselha. Em companhia do próprio Paulo Jorge, Dório foi até a casa de Sérgio Luiz, irmão de João que ficou paralítico com um tiro que levou na chacina. “O Sérgio ficou tão aterrorizado que teve de ser internado num hospital”, conta o delegado Aéliston. Na quarta-feira 15, a CPI do Narcotráfico indiciou o presidente da Assembléia Legislativa, deputado José Carlos Gratz (PFL), como mandante da morte de João Luiz.

Regalias – Dório Antunes também é advogado do traficante Antônio Carlos Martins, o Toninho Mamão, um empresário e político que foi preso com 660 quilos de cocaína que se-riam embarcados para Bruxelas em contêineres escondidos em um carregamento de pimenta. O forte cheiro da pimenta serviria para enganar os cães farejadores de drogas. Toninho está preso num quartel na área rural de Nova Venecia. “Lá, ele de fato tem a regalia de circular à vontade e receber visitas em qualquer dia”, admitiu na CPI o comandante do quartel tenente-coronel Robson Maia. Curioso é que o traficante comanda os soldados dentro do quartel no plantio justamente de pimenta. “Parte do total arrecadado vai para um fundo de cooperação para os familiares dos policiais militares”, disse Robson Maia à CPI. Dório e Solange anunciam que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a quebra de seus sigilos. O desembargador Geraldo Correia Lima, ex-sócio de Élcio, também caiu na rede da CPI. Nome mais citado num relatório da Procuradoria Geral da República sobre o crime organizado no poder Judiciário capixaba, o desembargador, que chegou ao Tribunal de Justiça pelas mãos de Élcio, não havia se manifestado até a última sexta-feira sobre a decisão da CPI de investigá-lo.

Quem mais estrilou foi José Carlos Gratz, indiciado por quatro crimes pela CPI do Narcotráfico. Com as mesmas armas que usou para transformar em reféns os dois últimos governadores capixabas, Gratz foi à luta. “Tenho coisas contra o governador José Ignácio e o deputado Magno Malta, tenho também contra vários outros políticos influentes no Estado. Na Assembléia, vamos quebrar os sigilos bancário, telefônico e fiscal deles”, ameaçou. Mesmo Malta já tendo tomado a iniciativa de abrir suas contas, não foi bazófia de Gratz. Ele controla mesmo a grande maioria dos deputados. “A coisa lá é muito escancarada. Um deputado estadual me procurou e, na maior cara dura, perguntou: Quanto é a caixinha lá em Brasília? Se o Gratz, que só manda aqui, nos dá R$ 10 mil por mês, o ACM deve pagar muito mais para os senadores”, contou o senador Gerson Camata (PMDB-ES) numa roda de parlamentares. Segundo informações que chegaram à CPI do Narcotráfico, a “caixinha” de Gratz seria alimentada por empresários interessados em manter benesses fiscais na legislação estadual. Com toda essa força, Gratz confia que não será cassado pela Assembléia, mas certamente não sairá ileso de punições. Além de enfrentar uma penca de processos judiciais, perderá também a cobertura do PFL. “Vamos expulsar do partido o deputado Gratz e o prefeito Cabo Camata”, assegura o líder do PFL na Câmara, deputado Inocêncio Oliveira (PE). A punição não é extensiva a Élcio Álvares. Ele deixou o PFL no final do ano passado, quando foi escolhido ministro da Defesa.