Sob o domo da Igreja de Pedro, os católicos poucas vezes viram tamanha cisão. Vergado por intrigas, guerra de poder, traições e escândalos de toda ordem, Bento, o sucessor de Pedro, decidiu sair como último e corajoso ato capaz de aplacar os ânimos. A escolha pouco teve a ver com a alegação oficial de que ele se encontrava cansado e doente – muito embora a falta de forças para enfrentar os desafios mundanos tenha pesado. Sua decisão começou a tomar corpo quando o papa se deparou, no ano passado, com o dossiê de acusações tratando do vazamento de documentos secretos, esquemas de malversação de fundos da Igreja e complôs na Cúria Romana, no escândalo que ficou conhecido como “Vatileaks”. Bento, com o intuito de desmantelar o conluio opressor da máfia vaticana, abdicou e conseguiu assim, por tabela, afastar aqueles que almejavam montar um poder paralelo na instituição.
O enredo dessa renúncia histórica tráz contornos dignos de filme. Mas aconteceu na vida real do pontificado. Bento já pouco mandava nos desígnios da Igreja. Tentou punir cardeais envolvidos em pedofilia e não conseguiu; buscou o caminho da coesão de correntes, sem sucesso. Várias eram as medidas tomadas à sua revelia. Na última homilia, o papa não poupou os detratores. Falou em “hipocrisia religiosa”, em “divisão do clero”, reclamou dos que estavam “instrumentalizando Deus” para conseguir “prestígio pessoal e poder”. A franqueza do recado papal surpreendeu. E mais ainda a sensação de que legaram a Joseph Ratzinger um mero papel de CEO figurativo da organização, longe da natureza divina do posto. O gesto de renúncia, ao mesmo tempo que expõe a face mais humana do pontífice, macula a imagem de santidade cultivada há séculos pelos fiéis e põe um ponto de interrogação na cristandade. De todo modo, o sumo sacerdote deu nova direção à comunidade eclesiástica e sua sucessão abre caminho para a modernização da Igreja. Quem sabe assim poderá ocorrer uma maior aproximação do rebanho, seja através da revisão de valores conservadores – como a proibição do aborto, a condenação de homossexuais e do uso de contraceptivos –, seja por meio da escolha de um pontífice representativo das maiores nações católicas, como o Brasil. É crucial a missão do colégio cardinalício nesse contexto. Bento, em que pese o pouco carisma e a visão doutrinária conservadora, pode hoje ser visto como um revolucionário e demonstrou ter, sim, louváveis razões para mudar o curso da Santa Sé. 


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