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MARATONA A prova desagradou a estudantes e professores

Nada mais poderia dar errado. Quem participou do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), nos dias 5 e 6, já havia passado pelo aborrecimento de ver a prova adiada, por causa do vazamento do conteúdo em outubro, dois dias antes da avaliação. Com isso, universidades de peso desistiram de considerar a pontuação do Enem em seus processos seletivos. A situação contribuiu para o número recorde de abstenção, de 39,5%, no fim de semana. Os prejuízos foram emocionais, para os estudantes, e financeiros, para o País custou aos cofres públicos R$ 45 milhões. O Ministério Público Federal acusou formalmente, na segunda-feira 7, cinco pessoas envolvidas no vazamento por peculato (furto praticado por servidor público), corrupção passiva e violação de sigilo. Agora, mais críticas atingem o exame.

O teste foi considerado demasiadamente difícil por alunos e professores. Até mesmo fora da realidade do que se aprende no ensino médio. Para piorar, o Ministério da Educação (MEC) perdeu o controle mais uma vez, permitindo que novos problemas surgissem: o gabarito oficial com as respostas da prova, divulgado na noite do domingo 6, continha erros. E, três dias depois, foi revelado que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pelo exame, sabia semanas antes que duas perguntas de português seriam anuladas. Não houve nenhum aviso, e os concorrentes perderam minutos preciosos resolvendo questões que não valiam nada. A justificativa era de que a prova já havia sido impressa, como se fosse impossível informar os estudantes na hora do exame.
Dá para acreditar em um sistema que pretende ser o único caminho de ingresso ao mundo universitário, mas é alvo de falhas seguidas em tão curto espaço de tempo? Especialistas da área de educação afirmam que nenhum concurso está livre de enganos. “Isso pode acontecer. É um ajuste comum em processos de avaliação”, diz Ana Cabral, pró-reitora acadêmica da Universidade Federal de Pernambuco. Mas o gabarito errado, somado ao adiamento anterior da prova e o “deixa pra lá” com as questões inválidas, demonstra desorganização. “O Enem sofreu com a falta de profissionalismo”, diz Alberto do Nascimento, coordenador de vestibular do Anglo. Outros problemas foram registrados. Por exemplo, a questão 145, da prova amarela e cinza, e a 147, da prova azul e rosa, são as mesmas. A alternativa correta em uma seria “C” e na outra “A”. Além disso, pelo menos quatro enunciados geraram dúvidas na interpretação. Para a educadora Neide Noffs, professora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), falhas em um processo que envolve o futuro de milhares de jovens aumentam a insegurança que eles enfrentam nesse momento. Vulneráveis psicologicamente devido à pressão para o exame, os concorrentes acabaram também tendo que lidar com incertezas na confiabilidade da atual edição do Enem. “É um cenário que mexe com a credibilidade do sistema de avaliação”, diz Neide. “O cuidado do MEC deveria ter sido redobrado.”

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Longa e cansativa, a prova desagradou a estudantes e professores. Os dois dias consecutivos foram definidos como massacrantes. No primeiro, foram quatro horas e meia, com 90 questões. A segunda etapa também teve 90 questões, além da redação, num total de cinco horas e meia. O formato em que o conteúdo foi exigido, focando na interdisciplinaridade, não é ainda parte do currículo da maioria das escolas do Brasil, especialmente as públicas. O aluno do ensino público não está preparado para os exercícios propostos porque o aprendizado é deficiente, não dá suporte para um exame de raciocínio lógico. E, caso ele desejasse assimilar o que pede o teste, não teria tempo para isso. As mudanças que passaram a configurar o novo Enem, como é chamado, só foram anunciadas em abril e classificadas como abruptas pelos educadores. Elas não são ruins, pelo contrário. Exigem uma capacidade de interpretação e compreensão prática das disciplinas, sem dar vez à famosa decoreba. Mas, para a ideia funcionar, as escolas também deveriam estar preparadas (e ter tempo hábil) para ensinar dentro desse conceito. As que conseguem são quase sempre as de elite das metrópoles. Significa que um contingente imenso de jovens não tem essa mesma oportunidade de aprendizado.

Alguns críticos apontaram também que uma prova igual para todo o País não é a ideal. Qualquer aluno deve ter habilidades como ler, escrever e conhecer atualidades. No entanto, o ensino não é o mesmo em qualquer canto do território nacional. “Uma escola em São Paulo não trabalha em moldes semelhantes aos de Rondônia”, diz o professor Nascimento. Disciplinas como história, geografia e literatura deveriam levar em consideração o regionalismo. “É um respeito à diversidade”, diz a educadora Neide. O que resolve de verdade é um planejamento da educação, com investimento em infraestrutura e professores bem remunerados, prontos a estimular os jovens. Não basta modificar uma prova. É preciso adaptar o ensino, sem atropelos. Se a ineficiência ainda impera, não há bom aluno que consiga se superar.

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