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O discurso do presidente Barack Obama na terça-feira 12 era endereçado apenas ao Congresso americano, mas acendeu sinais de alerta em diversos países – inclusive no Brasil. Ao defender o crescimento das exportações como peça fundamental para combater a crise, Obama expôs os planos de um acordo de livre comércio com a União Europeia. Se a proposta vingar, terá força suficiente para alterar os padrões do comércio global e causar estragos nas economias dos países emergentes. Obama quer que Estados Unidos e União Europeia assinem um pacto que prevê a eliminação de tarifas e o fim de barreiras regulatórias entre as duas regiões. Em tempos de crescimento pífio e até de risco de recessão em países como Espanha e Itália, o acordo aumentaria, segundo projeções, a produção econômica europeia em 86 bilhões de euros por ano (ou 0,5 ponto percentual do PIB) e a americana em 65 bilhões de euros (ou 0,4 ponto percentual do PIB). Esses prováveis efeitos positivos podem representar um risco para o Brasil: o de deixar de realizar negócios com as nações mais ricas do mundo e ter que se curvar às regras impostas por elas.

Até pouco tempo atrás, o peso do Brasil no tabuleiro de forças global era irrisório. Com o crescimento econômico dos últimos anos, o jogo de poder se tornou mais equilibrado. Hoje, o País exibe marcas de respeito (tem o quarto maior mercado de carros do mundo e o terceiro de computadores), o que significa que sua influência deixou de ser periférica. Não faz sentido, portanto, imaginar que o País se mantenha passivo diante de um acordo desse tipo. O Brasil ficou à margem de parcerias como o Alca (Acordo de Livre Comércio das Américas) e o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), mas empenhou-se para valer no Mercosul, hoje muito mais um bloco ideológico que comercial. Agora, é hora de assumir seu protagonismo. “A proposta de acordo entre Estados Unidos e União Europeia não é uma boa notícia para a economia brasileira”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O problema, diz o especialista, é a irrelevância do Mercosul, bloco econômico que envolve Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. “O Mercosul está voltado para dentro, e não possui acordos bilaterais significativos”, afirma Castro. Os planos comerciais extrarregionais do Mercosul incluem acordos com Israel e Índia, em vigor, e com Egito e Palestina, em incorporação. O obstáculo principal para o avanço de negociações é colocado na conta da Argentina. No ano passado, o país aprovou mais de 100 barreiras protecionistas, como o aumento da tarifa de importação de bens manufaturados, e comprou uma briga com a espanhola Repsol ao expropriar a petroleira YPF. Em respeito a regras acordadas há duas décadas, o Brasil permanece engessado dentro do Mercosul.

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As negociações para uma zona de livre comércio entre os latinos e o Velho Continente começaram nos anos 90, quando os europeus consideravam-se autossuficientes e estavam pouco dispostos a fazer concessões. As conversas foram retomadas em 2010 num contexto diferente, de crise econômica na Europa e ascensão das economias emergentes, mas só prosperaram no Peru e na Colômbia, onde o acordo deve entrar em vigor ainda neste ano. Agora, os Estados Unidos tomaram a dianteira. O que isso significa? Para a AEB, o novo acordo proposto por Obama fará os brasileiros perderem a concorrência na Europa em commodities como soja, carne bovina, frango, suco de laranja e açúcar. “As duas economias sempre tiveram má vontade em negociar a abertura de seus mercados no agronegócio e isso só vai piorar se o Brasil não tomar uma atitude”, afirma Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores.

O agronegócio é um dos assuntos que mais dividem os políticos americanos e europeus e deve ser um ponto delicado para a criação da zona de comércio. Craig VanGrasstek, professor de política comercial na Universidade de Harvard (EUA), é cético em relação ao novo acordo por causa das posições contrárias relativas a esse tema. “É mais provável que a proposta da zona de livre comércio seja fragmentada em iniciativas separadas”, disse à ISTOÉ. VanGrasstek também acha pouco provável que Estados Unidos e União Europeia concluam o plano nos próximos dois anos, conforme o previsto. Para o Brasil, o prazo de implantação não faz diferença. O importante é agir. Com um dos mercados domésticos mais dinâmicos da atualidade, o País não pode ser mero espectador da criação da maior zona de livre comércio global.