O ano de 1996 ficou para sempre marcado na memória da Bélgica. Naquele ano fatídico, Marc Dutroux foi detido e veio à tona uma história cabeluda de pedofilia e assassinato, cujo truncado desenrolar trouxe fortes suspeitas a respeito do trabalho policial e colocou em xeque a Justiça belga. E finalmente, oito anos depois, sob a acusação de sequestrar, torturar e estuprar seis meninas com idades entre oito e 19 anos e de assassinar quatro delas, começou na segunda-feira 1º o julgamento do “homem mais odiado da Bélgica”, segundo a imprensa
local. Além de Dutroux, serão também julgados sua ex-mulher Michelle Martin, acusada de ser cúmplice, e mais dois homens acusados de
terem ajudado Dutroux nos crimes. A comoção com o caso não tem precedentes na história da Bélgica, um país com três línguas diferentes (francês, alemão e holandês) e que é sede da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental). Dutroux e os
outros acusados usam colete à prova de balas e sentam-se no banco
dos réus sob proteção de vidros blindados.

Além da própria natureza perversa e patológica dos crimes, o que chocou os belgas foi uma série de erros e dúvidas acerca da investigação conduzida pela polícia e pela Justiça local. Dutroux sempre alegou fazer parte de uma extensa rede de pedofilia que incluiria até altas autoridades belgas. A decisão da Justiça de indiciar somente Dutroux causou descrédito na população e nos pais das vítimas, que não ficaram satisfeitos com o resultado da investigação.

Com a prisão de Dutroux, em agosto de 1996, os policiais libertaram Sabine Dardenne, então com 12 anos, e Laetitia Delhez, 14 anos. Ambas estavam nuas e escondidas em uma cela atrás de uma parede falsa no porão –onde havia somente um colchão – de uma casa de Dutroux. As duas adolescentes haviam sido torturadas e violentadas e ficaram quase três meses mantidas em cativeiro. Os corpos de outras quatro meninas, inclusive duas de apenas oito anos, foram encontrados no jardim de outra propriedade de Dutroux.

As duas meninas de oito anos, Julie Lejeune e Melissa Russo, desapareceram em junho de 1995. Nas investigações, os policiais demoraram cinco meses para revistar a casa de Dutroux, que já havia sido condenado a 13 anos de prisão em 1989 por estuprar uma criança.
O impressionante dessa primeira condenação é que, preso em 1989, Dutroux, um pedófilo confesso, foi solto por bom comportamento
após cumprir somente três anos de detenção. E tem mais: nas três
vezes em que revistaram a casa, os policiais foram incapazes de encontrar as duas garotas, a despeito dos gritos das crianças, que morreram de inanição no calabouço.

O juiz que determinou a prisão de Dutroux, Jean-Marc Connerotte, encarregado de liderar a investigação, foi afastado do caso no final
de 1996, por comparecer a um evento em solidariedade à família das vítimas. Ele foi acusado de conflito de interesses. A Bélgica, chocada
com o crime e com a condução do caso, assistiu a uma das maiores manifestações populares de sua história, em que quase 400 mil pessoas foram às ruas para pedir justiça. Mas parece que não adiantou muito,
já que a incompetência policial se completou em meados de 1998,
quando aquele que era o mais vigiado preso da Bélgica conseguiu
escapar da prisão por três horas.

“Pessoas acreditam que eu sou o centro de tudo. Elas estão erradas”, alega Dutroux. Mesmo com a conclusão da Justiça belga de que não
há evidências de uma rede de pedofilia, as suspeitas, devido às trapalhadas da investigação, permanecem no ar. Mas, ao menos para Sabine Dardenne, que testemunhará no julgamento, o momento de
justiça parece ter finalmente chegado: “Eu quero olhar Dutroux nos
olhos e fazê-lo entender que, apesar de tudo que ele me fez sofrer,
eu não fiquei louca. Não consigo esquecer o que aconteceu, mas eu estou viva e vou provar isso a ele.”
 

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