Não sonhe ainda que o plano de comprar um imóvel está perto de se realizar. Está mais perto do que nos anos anteriores, mas as decisões que o governo anunciou na terça-feira 2 para empurrar o setor que oferece milhares de empregos receberam inúmeras ressalvas. Concorda-se com alguma unanimidade que “foi uma demonstração de boa vontade do governo em relação ao setor”, como disse Romeu Chap Chap, construtor e presidente do Sindicato da Habitação, o Secovi, em São Paulo. Ele mesmo faz uma ressalva
comum a vários analistas do setor: não há plano de crescimento que prospere com as taxas de juros que o País carrega. “Defendo que é melhor ter desenvolvimento e correr o risco de ter inflação – o que,
aliás, ninguém consegue enxergar no horizonte – do que manter um ambiente de aparente não inflação, porém com desemprego recorde,
num país cada vez mais empobrecido e gerando crescente instabilidade social”, disse Chap Chap em seu discurso de “reposse”, como disse,
na presidência da entidade, no dia 1º de março. A construção civil
perdeu 38,3 mil vagas em 2003.

Duas medidas importantes do pacote beneficiam compradores e financiadores do sistema. A primeira, se aprovada, acabará com a possibilidade de ocorrerem tragédias como a da Encol – que quebrou e deixou 45 mil compradores desesperados e o presidente da empresa, Pedro Paulo de Souza, mais rico. A medida recebeu o nome de
“patrimônio de afetação”, o que em português corrente significa que
o empreendimento imobiliário passará a ter contabilidade separada das operações da construtora. Ou seja, no caso de quebra da empresa, os compradores não perdem o imóvel. As obras passarão para outras construtoras. Para as empresas que financiam a compra a notícia
também é boa: o Código Civil passaria a adotar a alienação fiduciária
na área de imóveis, que nada mais é do que o que acontece na compra de um carro: não pagou, devolve. Para as financeiras, a decisão dá segurança. O déficit habitacional hoje é superior a seis milhões de moradias, lembra Chap Chap.

Encol – Na avaliação do ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio-diretor da Tendências, empresa de análise econômica e política, as medidas vão na direção correta da redução dos riscos legais inerentes ao crédito imobiliário, bem como aumentam a segurança do comprador de imóveis residenciais. “O aperfeiçoamento do instituto do patrimônio de afetação representa um avanço importante para evitar o risco Encol.” Segundo o ex-presidente do Banco Central, “outra medida de largo alcance é a alteração legal que obriga o devedor a continuar quitando as parcelas incontroversas da dívida, no caso de contestação judicial”. Isso é o seguinte: se um mutuário for à Justiça para contestar alguma coisa do financiamento, terá que explicar (e provar) as cobranças indevidas, por exemplo. O pagamento do financiamento, excluídos os itens contestados, não será suspenso. “Ambas as medidas são uma espécie de trailer de reformas legais mais amplas que se afiguram urgentemente necessárias”, escreve Loyola no boletim Tendências.

Mais complicada é a explicação da liberação pelo governo de R$ 1,6 bilhão para o crédito. Esse dinheiro não vai sair do governo, mas
dos bancos que, teoricamente, a partir de maio, serão obrigados a aumentar o crédito imobiliário. Nenhum sacrifício para o setor: todo o dinheiro sai da poupança, que, apesar do rendimento baixo, ainda é a única opção de investimento popular no País. Os bancos têm que emprestar 65% dos recursos da poupança em financiamentos imobiliários para a habitação. Desses 65%, os bancos descontam 1% dos créditos que têm com o governo e, geralmente, não aplicam esse 1% na
poupança imobiliária. A partir de maio o desconto será de 2% ao mês
e a remuneração do dinheiro que não vai para a poupança passará de
TR (taxa referencial) mais 6,17% ao ano para 80% da TR. Daí o
R$ 1,6 bilhão anunciado pelo governo.

A Argentina, eterna rival do Brasil no futebol, já ganhou esse jogo: o setor cresceu 30% em janeiro. A tendência altista da construção se sustenta no retorno de empreendimentos imobiliários nas grandes cidades, nos complexos rurais e no desenvolvimento da infra-estrutura hoteleira em centros turísticos, além de obras públicas – por exemplo, acessos do interior à capital. A conjuntura atual da Argentina se explica basicamente por uma boa política de preços do Banco Central, o cenário internacional favorável aos produtos argentinos e taxa de juros baixa.
Só assim o pesadelo do desemprego pode acabar e o sonho da casa própria começar a se tornar realidade no Brasil. Caso contrário – como disse o deputado Delfim Netto –, “é preciso um Waldomiro por mês para botar o governo para andar”.