Quando jogava no São Paulo, a presença de Kaká despertava reações histéricas entre adolescentes que tinham quase a mesma idade que ele e se tornaram conhecidas como kakazetes. Elas choravam, descabelavam-se diante daquele menino de rosto terno, alto e magro – 1,86 m e 73 quilos –, solícito e ao mesmo tempo tímido. Kaká era o ídolo em que se podia confiar. Já os marmanjos que ocupavam as arquibancadas do Morumbi pareciam nunca estar felizes com o jogador de passes cerebrais, dribles imprevisíveis e passadas inalcançáveis que o técnico Luiz Felipe Scolari transformou, em 2002, no mais jovem pentacampeão de seu time. Desde agosto do ano passado, por aproximados US$ 8,5 milhões, Kaká – apelido e grife de Ricardo Izecson Santos Leite – foi para o Milan ganhar algo em torno de US$ 2,2 milhões por temporada. Em pouco tempo, converteu-se quase num santo para os tifosi – fanáticos torcedores – que por ele cantam, gritam e erguem estandartes. Aquecidos por seus cachecóis vermelhos e negros – cores do time, também chamado de Il Diavolo –, os milanistas amam Kaká, sem pensar em sua beleza juvenil. A Itália, afinal, está repleta de craques-galãs: Paolo Maldini, Francesco Totti ou Fabio Canavarro. Porém, poucos são tão bons quanto Kaká com a bola nos pés.

Os tifosi se enchem de alegria com os gols do bambino, como mostram as cenas do especial Kaká, o menino de ouro do Milan, que a ESPN Brasil (NET e TVA, DirecTV e Sky) – que transmite os jogos do Calcio – exibe na terça-feira 9, às 22h. Os repórteres André Plihal e João Castelo Branco acompanharam o jogador por cinco dias e trazem depoimentos de sumidades como José Altafini, o Mazola, que, depois de disputar a Copa do Mundo de 1958 pelo Brasil, foi para a Itália com 20 anos – mais novo portanto que o próprio Kaká. Silvio Berlusconi, primeiro-ministro da Itália e presidente do Milan, elogia o garoto, a quem define como “completo”. Os momentos mais emocionantes, porém, trazem a explosão dos torcedores diante do gol do jogador contra o rival Internazionale de Milão, num potente chute de direita de fora da área, característica que ele aprimorou nos gramados italianos. Ao final da partida, Kaká cerra dentes e punhos para celebrar a vitória, que alçou o Milan a favorito ao título italiano. O time lidera o torneio com 58 pontos, cinco à frente da Roma. A possibilidade da conquista de Kaká – que completa 22 anos no mês que vem – tem deixado exultantes os passionais cronistas esportivos italianos. Eles não param de incensá-lo, comparando a craques históricos como o francês Michel Platini, e asseguram que será o melhor jogador da Copa do Mundo de 2006. Numa edição recente, o La Gazzetta dello Sport lhe atribuiu, num paralelo à premiação hollywoodiana, “o Oscar de melhor jogador”. A camisa do Milan que veste, a 22, é mais vendida que a de qualquer outro ídolo da Itália ou do mundo, como o inglês do Real
Madrid, David Beckham, como ele um dos poucos jogadores com patrocínio exclusivo da Adidas. Até no mercado negro, a 22 é a mais requisitada. Kaká também é patrocinado pela indústria de bebidas
AmBev, mas só para a publicidade do guaraná Antarctica. Nada de divulgar cerveja, como faz Ronaldo.

Não bebe, não fuma. Evangélico praticante, como toda a família, tem idéias conservadoras sobre sexo e casamento. Se diz abençoado. Tem razão. Em 2000, antes de ser famoso, correu o risco de ficar paraplégico num acidente num tubo-água, na cidade de Caldas Novas. Recuperou-se sem sequelas. Na Itália, sabia que daria certo. Viveu os primeiros meses sozinho, antes da chegada dos pais e do irmão mais novo, Rodrigo – zagueiro que já treina no Milan. “Foi uma fase de crescimento e amadurecimento. Eu estava adaptado às cobranças no São Paulo. Sempre disse que estava pronto para este desafio. O apego a Jesus sempre foi muito importante na minha vida. É nele que busco força e amparo”, disse a ISTOÉ, na terça-feira 2, por e-mail. “Sabia que teria de me adaptar a muitas coisas, então procurei fazê-las o mais rápido possível. Era o momento correto para vir para a Itália, e o que está acontecendo, por enquanto, prova que eu estava certo. Para jogar
aqui o jogador deve estar maduro, confiante e com a cabeça no lugar.
” A vida italiana lhe traz algumas benesses. Os bons restaurantes que adora e boas grifes de roupas. “Não sou fanático por moda, gosto de vestir roupas que acho legais, mas aqui os jogadores vão aos treinamentos como quem está indo a uma festa, diferente do Brasil,
que íamos mais à vontade. Com isso, visto muitas roupas Armani e em outras ocasiões, mais esportivas, Adidas.” Mantém sólido o namoro a distância com a adolescente Caroline, filha de Rosângela Lyra, representante da Christian Dior no Brasil. “Caroline é minha namorada e procuramos, sempre que possível, estar juntos.” E aderiu ao golfe como segundo esporte, treinando ao lado do ucraniano Adriy Shevchenko, arrasador atacante do Milan. Kaká, o abençoado, tem um futuro muito promissor. Na última Copa do Mundo jogou pouco. Na final, contra a Alemanha chegou a ser chamado para aquecimento, mas não entrou. “Jogar numa final seria maravilhoso, mas não deu, quem sabe não
próxima eu não esteja por lá?” Alguém duvida?