Desde a época da colonização, alguns cultivos, como a cana-de-açúcar, o cacau e o café, marcaram a história do País. Agora, no Brasil do século XXI, a estrela da lavoura é a soja. Com 52 milhões de toneladas colhidas em 2003, somos o segundo maior produtor de soja do mundo, atrás apenas dos EUA. E a surpresa não se resume ao tamanho da safra: a cada ano são desenvolvidas mais e mais aplicações – que vão bem além da cozinha. Os grãos podem ser usados no combate ao alcoolismo e em tratamentos contra o câncer de próstata e de mama. A partir do óleo, é possível produzir tintas, colas e até protetores solares.

Com tantas formas de uso, a soja tornou-se uma verdadeira mina de ouro. E as lavouras tomaram conta de quase todo o País. Nas últimas quatro décadas, a produção deu um salto de 206 mil toneladas para 52 milhões de toneladas no ano passado, indício de que as áreas de cultivo cresceram na mesma proporção.

Apesar de a soja ser uma cultura propícia a temperaturas mais frias,
hoje é possível plantá-la até mesmo em regiões áridas, como o
Nordeste ou o cerrado, graças ao trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Mas a expansão provoca calafrios
nos ambientalistas. Segundo uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2002 e agosto de 2003, o desmatamento da Floresta Amazônica foi de mais de 25 mil quilômetros quadrados, área equivalente a mais da metade da Suíça. Os vilões são
a extração de madeira e as queimadas para fazer áreas de pastagem e plantio de soja. Segundo a Embrapa, dos 204 milhões de hectares
de cerrado brasileiro, mais da metade tem potencial para se tornar
área de cultivo. Mas, de acordo com a empresa, isso pode ser feito
sem derrubar uma árvore sequer, utilizando apenas áreas com
outras culturas ou pastagens.

Se dentro do País a produção de soja gera controvérsias, fora dele é uma unanimidade: conquistamos um lugar de destaque perante os produtores internacionais. O sucesso da soja brasileira é tanto que pela primeira vez o País sediou três dos mais importantes eventos sobre o assunto: a VII Conferência Mundial de Pesquisa, o III Congresso Brasileiro e a IV Conferência Internacional de Processamento e Utilização da Soja. Durante uma semana, 200 pesquisadores de 47 países se reuniram em Foz do Iguaçu para debater a importância econômica e social do grão. O evento teve a presença do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.

Durante as conferências, os pesquisadores divulgaram inúmeros estudos sobre os benefícios da soja. O médico americano Mark Messina, da Universidade de Loma Linda, na Califórnia, introduziu pílulas de soja na terapia de seus pacientes com câncer de próstata. A expansão da doença diminuiu consideravelmente. Já as chinesas, acostumadas a comer soja desde a infância, têm 50% menos chances de desenvolver câncer de mama na fase adulta. Outra boa notícia são os resultados em casos de alcoolismo. “Os dependentes tiveram menos vontade de beber depois de receberem uma dieta à base de soja”, afirma Messina.

Os grãos também são sucesso em produtos industriais. Um em cada cinco jornais americanos é impresso em tintas à base de óleo de soja. “O jornal não suja as mãos, pois não solta tinta na hora do manuseio”, diz Sevim Erhan, chefe da área de alimentos e óleos do Centro Nacional de Pesquisa em Produtos Agrícolas dos EUA. O óleo também é aplicado na fabricação de biodiesel, impotante alternativa ao petróleo. Outra boa novidade é a utilização do óleo de soja na composição de protetores solares. “Ele permite uma maior absorção do produto na pele”, diz Joseph Lazlo, da equipe de Sevim.

Em breve, essa tecnologia estará disponível no Brasil. O Laboratório Virtual no Exterior (Labex), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), firmou uma parceria com o centro de pesquisa americano. “Poderemos aplicar a experiência deles na indústria brasileira”, diz Mercedes Carrão Panizzi, pesquisadora da Embrapa e coordenadora do Labex.

Na cozinha, a soja é usada no preparo de alimentos saudáveis, ricos em fibras e sem colesterol. Apesar disso, o consumo desses produtos é pequeno no Brasil. Uma das razões é o sabor, ou a falta dele. Para resolver o problema, algumas empresas adicionaram sabor de fruta ao extrato de soja, os chamados sucos de soja. A empresa mineira Good Soy produz farinha torrada, biscoitos com sabor de bacon, calabresa e ervas, e cookies com sabor de chocolate com aveia e castanha, tudo à base de soja. A própria Embrapa Soja e algumas associações de Londrina (leia quadro) oferecem cursos de culinária com cardápios em que o ingrediente principal é a soja. Com tanta opção, basta arregaçar as mangas e preparar uma receita.

 

Turismo científico

A cidade paranaense de Londrina foi oficialmente anunciada como a capital tecnológica da soja. É ali que está situada a divisão de pesquisa de soja da Embrapa, que reúne 70 pesquisadores, exclusivamente dedicados à pesquisa do grão. “É a maior concentração de pesquisadores num único local e para estudar um único assunto em todo o mundo”, diz o pesquisador Flávio Moscardi, da Embrapa. Além da unidade da Embrapa, Londrina também abriga o Instituto Agrônomo do Paraná e a Universidade Estadual de Londrina, que oferece cursos de graduação na área agrícola. Nesse esforço estão empenhadas ainda entidades do comércio e do turismo, como a Paraná Turismo, a Associação Comercial e Industrial da cidade, a Secretaria Municipal de Agricultura, a Companhia de Desenvolvimento e a Londrina Convention Bureau. “Queremos buscar uma nova identidade para a cidade, que já foi considerada a capital do café. O turismo de negócio já é muito forte, queremos agora estimular o turismo científico”, afirma Bruno Veronesi, chefe da Paraná Turismo. Uma das estratégias da campanha é a realização de um concurso culinário para eleger um prato de soja típico da cidade. “Queremos mostrar que a soja é um produto nobre e não pobre, como muita gente pensa”, diz.