Para compensar a atmosfera enigmática e sombria de seus filmes, o diretor russo Andrei Tarkovski (1932-1986) costumava ter idéias bastante claras sobre os segredos da sua arte. Por exemplo, ele dividia os cineastas em dois grupos: aqueles que procuram reproduzir o mundo à sua volta e aqueles que, numa direção oposta, criam seu próprio mundo particular. “Geralmente, estes são os poetas”, dizia, alinhando na categoria, entre outros, os nomes de Ingmar Bergman, Luis Buñuel e Akira Kurosawa. Autor de oito filmes personalíssimos, Tarkovski se incluía no grupo dos poetas da imagem. Nas suas
histórias desenvolvidas à deriva, cenas impregnadas de um sentimento secreto se alternam como verdadeiras epifanias. São amantes que levitam ou se lançam ao solo numa desesperada tentativa de se
fundirem à terra; casas que incendeiam; chuvas que lavam a alma de personagens emudecidos diante do mistério da natureza. Este universo místico pode ser agora revisto na imprescindível coleção Andrei Tarkovski (Continental Home Vídeo), com três caixas contendo cada uma quatro DVDs com a filmografia completa do mais importante diretor russo
depois de Sergei Eisenstein.

Organizada em ordem cronológica, a caixa 1 traz o inédito O rolo compressor e o violinista (1960), A infância de Ivan (1961), Andrei Rublev (1966) e o Dossiê Tarkovski volume 1, com depoimentos e entrevistas. Na caixa 2, o grande destaque é Solaris (1972), resposta russa a 2001, uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick. Junto ao clássico vem O espelho (1974) e dois discos só de extras, os dossiês Volume 2 e Volume 3. Com seus filmes mais conhecidos, a caixa três reúne Stalker (1979), Nostalgia (1983) e O sacrifício (1986), além do Dossiê Tarkovski volume 4. Diferentemente dos habituais extras dispensáveis, os aqui reunidos em cerca de oito horas trazem informações relevantes sobre a feitura das obras em entrevistas e depoimentos de colaboradores do cineasta, que orquestrava suas equipes em torno de uma paixão comum.

Considerado persona non grata pelo governo da ex-União Soviética desde o início de carreira, o cineasta não abria mão de suas obsessões. Quando fez

Solaris

, sobre um planeta oceânico dotado de inteligência, capaz de fazer os astronautas de uma expedição materializarem os sonhos mais ocultos, recebeu elogios de Akira Kurosawa, que considerou o filme assustador. Mais tarde, o mesmo tema do confronto entre o conhecimento e o mistério da existência é retomado em

Stalker

. Tarkovski, porém, estava acima dos gêneros. Filosofava pela arte, para ele o único meio de crescimento espiritual. “O cinema é uma arte infeliz porque depende de dinheiro. Não só porque um filme é sempre muito caro, mas pelo fato de ser visto como algo comercial, como cigarro”, dizia. O que não impediu que sua curta obra se revelasse de grande intensidade.