Com um sorriso discreto no rosto, a professora Úrsula Karsch, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sai da sala lotada para fumar um cigarro. Está exultante. Tinha acabado de adquirir, por R$ 7 mil, um quadro de Aldemir Martins, Vaso de flores, que cobiçava havia tempos. “Já tinha visto essa peça em um catálogo com preço em torno de R$ 8 mil. Estava na primeira fila por causa dela”, conta. Na companhia da filha, a psicóloga Corina Karsch, a professora comprou sua desejada tela num leilão de arte em São Paulo. Juntas, fizeram três arremates naquela noite. O caso da professora serve para ilustrar uma nova tendência nesse mercado. Os leilões de arte no País agora estão atraindo até a classe média. Hoje, o público que lota essas casas não é composto apenas por uma elite de colecionadores ricos e especuladores. Pessoas com o perfil de Úrsula também estão arriscando seus lances. O dado curioso sobre esse novo tipo de público é que ele vem movido por um conhecimento, em média, maior do que a dos antigos arrematadores, que compravam suas telas pelo puro prazer e pela conta abastada que tinham em banco. O leiloeiro Aloísio Cravo, há 25 anos no mercado, é quem explica: “Essas pessoas têm entre 35 e 45 anos e possuem uma visão mais consistente do trabalho do artista, estudaram no Exterior ou se acostumaram a visitar museus e galerias.” São interessados de uma variada gama de atividades: médicos, advogados, profissionais liberais. Para Jones Bergamin, diretor da Bolsa de Arte, especializada em leilões de arte, “o setor está mais estudado”. A entrada do novo público neste mercado levou os pregões de arte a oferecer, além das obras caras feitas por nomes consagrados, um amplo leque de trabalhos de artistas promissores a preços bem acessíveis. Numa sessão recente organizada em São Paulo pelo leiloeiro James Lisboa, 25 peças foram oferecidas com lances iniciais inferiores a R$ 2 mil. Alavancadas por essas ofertas tentadoras, as vendas cresceram fortemente nos últimos tempos. Para se ter uma idéia, é comum que o índice de trabalhos arrematados em leilões de arte no País seja de 30% do acervo colocado à disposição. No pregão de James Lisboa, o índice bateu nos 65%, o que entusiasmou o organizador. Este ambiente tomado por “amadores” produz comportamentos e histórias engraçadas. Num leilão recente, uma senhora acompanhava ansiosa o marido disputar, lance a lance, uma tela com valor inicial de R$ 1 mil. Cada vez que ele era superado por um concorrente, levava um discreto mas firme cutucão da mulher. Era o aviso de que não toleraria perder o quadro por aquele preço. O marido venceu a batalha. Arrematou a tela por R$ 1,5 mil – e foi recompensado com um forte e demorado abraço da companheira. Pouco depois, numa outra disputa, um rapaz provocava risos gerais ao dar lances com apenas um real de acréscimo sobre a oferta anterior. Quem aprecia arte gostaria de poder comprar todos os quadros sonhados, caros ou baratos. Isso vale também para este novo público. “Ficaria feliz se pudesse comprar mais quadros, mas os preços, para mim, são altos”, diz o economista e ex-deputado federal Marcos Cintra, um fã da pintura modernista. “Um americano faria a festa por aqui. Para ele, essas cotações estão ótimas”, completa Cintra. Mas os leiloeiros, apesar de terem incorporado novos admiradores, não se esqueceram dos tradicionais compradores que podem adquirir as obras mais valiosas. O colecionador e marchand André Buck levou a tela Fazenda, de José Antônio da Silva, por R$ 19,4 mil. Na mesma noite, após um legítimo cabo-de-guerra, a escultura em madeira Sombra, de Frans Krajcberg, foi adquirida por um empresário carioca. Preço: R$ 210 mil. Aos marinheiros de primeira viagem, restaram os aplausos. R$ 900 foi o lance inicial de uma marinha de Arnaldo Ferrari R$ 1,6 mil foi o preço pago por uma litogravura de Roberto Burle Marx


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