A doce e submissa imagem da Amélia, eternizada na voz de Ataulfo Alves, sempre provocou arrepios nas feministas. Mas até ela, que “não tinha a menor vaidade”, mantinha seu poder de influência. As mulheres, mesmo no século XIX, quando passavam da tutela dos pais para a dos maridos, tinham sob suas asas a formação dos filhos e a administração da casa. Se o poder constituído era dos homens, era ela quem fazia a transmissão de valores – fossem eles patriarcais ou não, por conta da imposição da sociedade – e decidia sobre a vida cotidiana. Aos homens cabia a supervisão geral e a administração dos bens. Por trás de um sim ao marido estavam escondidos muitos poréns. Hoje, essa voz de comando não precisa usar de subterfúgios e soa clara em gabinetes políticos, em bem-equipadas salas de executivos, em sisudos tribunais, à frente de batalhões de policiais e, é claro, no lar doce lar. Em grande parte das famílias, elas decidem desde o que vai à mesa até em que bens investir o dinheiro. “A entrada no mercado de trabalho, ocorrida no século XX, ampliou o poder feminino. A mulher começou a atuar na esfera pública, sem abrir mão do domínio no lar, que sempre foi seu”, explica a historiadora Eni de Mesquita Samara, professora de história da Universidade de São Paulo e diretora do Museu Paulista. Hoje, ao comemorar na segunda-feira 8 o 94º Dia Internacional da Mulher, elas festejam a liberdade de mandar sem medo.

Ao comandar e invadir os domínios masculinos, as mulheres levaram para fora de casa suas impressões, crenças e valores e se tornaram formadoras de opinião. Tanto é assim que a Organização das Nações Unidas as incumbiu de ajudar a concretizar o maior sonho da humanidade: a paz mundial. Desde 2002, a organização colocou em curso em mais de 100 países o projeto Mulher Agente da Paz, baseado na iniciativa da brasileira Elisa Malta Campos. Membro da BPW – Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais de São Paulo –, Elisa esteve em Nova York na semana passada participando do Encontro Mundial de Mulheres realizado pela ONU. A Business and Professional Women (BPW) é uma entidade internacional com 30 representações no Brasil. “As mulheres têm um poder de influência que nem mesmo elas percebem. Queremos conscientizá-las disso. Trabalhamos para elevar sua auto-estima, para capacitá-las, criar renda e incentivar a sua atuação na comunidade.”

O projeto 1000 Mulheres Prêmio Nobel da Paz 2005, lançado na quarta-feira 3, em São Paulo, é outra mostra de reconhecimento da ONU à importância da contribuição feminina. A proposta é selecionar em 225 países mil mulheres que lutam por uma sociedade mais igualitária. Ao Brasil caberá indicar 31 delas. “Em 103 anos, o Nobel só chegou 11 vezes às mãos de uma mulher. Desta vez, será uma premiação coletiva que tirará do anonimato gente que dedica a vida a uma causa. Pode ser uma operária, camponesa ou cientista”, explica Clara Charf, coordenadora-geral do projeto no Brasil.

O quadro social das mulheres no País ainda mostra grandes carências. A dura realidade de pobreza e violência que persiste levou o presidente Lula a instituir 2004 como o Ano da Mulher, estabelecendo como meta a criação de políticas de proteção, prevenção e inclusão mais efetivas a serem adotadas até o final de seu governo. Mas, apesar disso, as estatísticas revelam que as mulheres vêm tomando o seu espaço com determinação. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, nas áreas urbanas, elas já têm em média um ano a mais de escolaridade que os homens e que de 1992 a 2002 o índice de mulheres chefiando a casa passou de 21,9% para 28,4%. O esforço de escolarização e capacitação e a necessidade de suprir a família promovem grande reflexo no mercado de trabalho. Elas ocupam cada vez mais cargos antes tidos como estritamente masculinos, sem receio de ter sob seu comando um exército de homens nem sempre à vontade de ver, de repente, um batom misturado com documentos na mesa. “A mulher está cada vez mais preparada. E, apesar de ainda ganhar 10,12% a menos, multiplicou seu campo de atuação. A área jurídica, por exemplo, que era muito masculina, conta hoje com 33,13% de mulheres”, afirma Silvana Case, vice-presidente do Grupo Catho, de recolocação profissional. Uma pesquisa feita pelo grupo entre 60.211 empresas aponta que o número de mulheres no nível executivo dobrou em nove anos. Em 1994, elas ocupavam 8,10% dos cargos de presidência. Hoje isso corresponde a 15,87%. No nível de encarregados, representam 45,63%. Presidente de banco, motorista de táxi, advogada, comandante de avião, tenente-coronel, elas estão lá.

Até por isso, as mulheres são paparicadas em quase todas as campanhas publicitárias. A renda própria e o sucesso financeiro desse batalhão de possíveis consumidoras despertaram a cobiça do mercado. O olhar detalhista e os múltiplos interesses femininos orientam o lançamento de produtos e serviços para elas. Uma pesquisa intitulada Sonhos de consumo em tempos de mudança, realizada no ano passado pela Clínica de Comunicação e Marketing sobre o consumidor brasileiro, apontou que, ao assumir o comando em momentos de crise, a mulher se impõe, especialmente no que se refere às decisões sobre dinheiro e consumo. “Ela é a consumidora oficial da família, mas administra melhor o dinheiro. O homem, em geral, gasta muito de uma só vez. Ela planeja, não esbanja”, aponta Vera Aldrighi, diretora da Clínica.

Para criar seu novo site feminino – Delas –,
que entra no ar no dia 8, o provedor IG
levantou o perfil das internautas femininas,
que perfazem 45% dos 20 milhões de
usuários no Brasil. Responderam à pesquisa online 3.500 mulheres de 17 a 55 anos de oito capitais. Apurou-se que as primeiras áreas
de interesse feminino nas consultas feitas
na Net são trabalho, filhos e beleza. Informações profissionais, sobre carreira e dinheiro aparecem em 25% dos acessos; educação dos filhos e estética empatam,
com 18%. Assuntos místicos aparecem em
7% das consultas e relacionamento amoroso, em 6%. “Descobrimos uma mulher múltipla,
pró-ativa, que não espera alguém para
fazê-la feliz, se programa para realizar seus sonhos e procura estar bem informada”,
afirma Adília Belotti, editora do novo site.
“O saber traz poder. Além do aumento de
sua capacidade de barganha que os ganhos financeiros proporcionaram à mulher em casa, ela quer adquirir bases objetivas para a
tomada de decisão no mundo externo”,
explica a professora de sociologia da Universidade de Campinas Maria Lygia
Quartim de Moraes.

Essa visão mais pragmática e global da
mulher trouxe para o seu rol de interesses as oscilações da Bolsa e o interesse em investir. Assim, os executivos da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) descobriram a mulher. “Durante a campanha de popularização desenvolvida pela empresa, notamos que a maioria dos pequenos clubes de investimentos era formada por mulheres. Essa percepção deu origem ao Mulheres em Ação, um módulo dentro da campanha especialmente criado para elas”, explica Izalco Sardemberg, assessor da presidência da Bovespa.

A empresa procurou conhecer mais a fundo a nova investidora em potencial. Ouviu 1.500 homens e mulheres das classes A, B e C, entre 30 e 65 anos, em seis capitais e uma das surpresas foi detectar que, dentre o que faz a vida delas melhor, a vida conjugal está em sexto lugar, enquanto para os homens está em terceiro. “Isso não indica uma desvalorização, mas sim que a mulher está mais autônoma, vivendo em outros espaços, dividindo sua atenção devido aos vários papéis que desempenha”, explica a socióloga Fátima Pacheco Jordão, especializada em opinião pública, que analisou a pesquisa. Outro dado importante foi saber que, em comparação com o homem, a mulher aparece mais focada em estabelecer um projeto financeiro para garantir o futuro seu e dos filhos.

Bem se vê que a mulher continua cuidando do bem-estar da família e do preparo da prole, mas hoje, repaginada, ela passou também a liderar o mercado consumidor. Além de continuar sendo, na maioria dos lares, a responsável por encher a geladeira, a mulher hoje está no topo das decisões de consumo de bens e serviços. Quase sempre, é ela quem decide em que escola os filhos vão estudar e por qual pediatra serão cuidados. Quando o objetivo é comprar uma casa ou resolver onde serão as férias, ela está lá, ao lado do companheiro ou não, escolhendo como gastar o dinheiro.

Até na hora de trocar o carro, um fetiche para os homens, está comprovada a sua influência. Um estudo feito pela Volkswagen mostra que em 1993 elas eram responsáveis por 32% da compra direta de automóveis. Dez anos depois, esse índice pulou para 42%. Ao se considerar, no entanto, a influência que exercem sobre maridos, namorados e filhos, o índice sobe para 75%. “As mulheres estão mandando muito”, brinca o diretor de Vendas e Marketing da empresa, Paulo Sérgio Kakinoff. “Essa constatação alterou profundamente nossos projetos. E engana-se quem pensa que mulher gosta de carro de Barbie”, analisa ele. A montadora constatou que, enquanto os homens ficam de olho na performance do motor, as consumidoras são mais preocupadas com o conforto e a conveniência do carro. Mas não querem um carro que pareça frágil. Uma diminuição no tamanho da alavanca de ajuste dos bancos dá uma idéia de até onde vai a importância desse público. Isso aconteceu só porque as mulheres ficavam irritadíssimas com o fato de a tal alavanca puxar os fios da meia de seda. Outra medida para agradar ao público feminino foi a instalação em todos os veículos de um espelho no quebra-sol do motorista, indispensável a qualquer mulher no volante.

A participação da mulher no quadro político também cresce a cada eleição. Já temos no Brasil duas governadoras – Rosinha Matheus, no Rio, e Wilma
Maria de Faria, no Rio Grande do
Norte – e 317 prefeitas, duas delas
em capitais, como Katia Born Ribeiro, em Maceió (AL), e Marta Suplicy,
em São Paulo (SP). No Congresso, nove senadoras e 44 deputadas disputam os microfones e ajudam a definir os destinos do País. Até as primeiras-damas já não se contentam com um papel decorativo. Dona Maria Lúcia Alckmin, esposa do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é um exemplo dessa mudança. Ao mesmo tempo que se preocupa em conferir
se o tempero do feijão está a seu gosto antes de sair de casa, ela administra os programas do Fundo Social de Solidariedade, do qual é presidente desde 2001. Seu gabinete é usado apenas para a busca de recursos com a iniciativa privada para programas como o Padarias Artesanais, que fornece equipamento e capacitação à população de
baixa renda para a produção de pães caseiros. A iniciativa tanto enriquece a mesa da família quanto gera recursos. Com uma agenda de causar inveja a muito político, ela visita diariamente programas sociais
na periferia da capital paulista e organiza encontros no interior do
Estado. “Sem conhecer a realidade dessas pessoas é impossível saber quais são as suas necessidades. Trabalho em parceria com as líderes comunitárias. O que percebo é que com o pouco que ofereço elas
fazem o milagre da multiplicação”, conta dona Lu Alckmin.

Apesar de gostar muito mais da atuação nos bastidores, a mulher do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também tem uma história de influência. Sempre a postos ao lado do companheiro, Marisa Letícia mantém a posição
de parceira de primeira e última hora. Sempre
foi assim. Nos momentos de dificuldade da luta sindical, não se importou de transformar a
própria casa em sede do sindicato. Em 1980, quando Lula e outros metalúrgicos foram
presos, juntou mulheres e crianças e saiu às
ruas para protestar. Uma década depois, percorreu com Lula mais de 40 mil quilômetros
de ônibus pelos lugares mais miseráveis do Brasil. Em casa, age como uma típica mama italiana, monitorando os filhos, já adultos, por telefone. Ciente da importância de sua atuação, Marisa afirma que as mulheres se preocupam em reafirmar valores que garantam a convivência
de qualidade em casa e na sociedade, o que considera algo de grande responsabilidade.“O meu casamento baseou-se nisso. Dividimos as tarefas. Para que ele pudesse se dedicar à vida política, cuidei do bem-estar dele e dos filhos e ainda participei de tudo o que foi possível. Nossa relação é nosso porto seguro”, diz ela.

Historicamente, cuidar, acolher e conciliar são ações nitidamente femininas, enquanto mandar, conquistar e prover fazem parte do universo masculino. Mas a nova alquimia social vem mostrando que as figuras da grande mãe e do provedor forte e cheio de autoridade estão cada vez mais misturadas. E, como lembra o historiador Adílson José Gonçalves, da Pontifícia
Universidade Católica, isso não significa frustrações. “A idéia de que
a mulher bem-sucedida profissionalmente é infeliz nas relações amorosas e familiares povoa o imaginário popular, mas vem perdendo espaço.
Hoje, elas ainda se equilibram entre as várias funções, mas não deixam
de ser realizadas”, diz ele. Por isso, há muito o que comemorar. Em
muitos lares, os homens já concordam em dividir as tarefas de casa e
o cuidado com os filhos, enquanto a mulher senta-se ao seu lado para resolver onde aplicar a renda da família numa equação onde dividir
poder corresponde a somar felicidade.

 

Luta feminina

A escritora chinesa Chin-Ning Chu, autora do livro A arte da guerra para mulheres (Ed. Fundamento, 161 págs., R$ 30) defende a idéia de que a mulher tem grande poder de influência, mas erra ao querer brigar por igualdade com os homens. Autora mais vendida na Ásia e na Austrália, Chu apresenta em tom de auto-ajuda estratégias para que a mulher tenha sucesso em casa e no trabalho. Ela chega ao Brasil esta semana para uma série de palestras e falou por e-mail com ISTOÉ.

ISTOÉ – Qual a maior guerra que a mulher enfrenta nos dias de hoje?
Chin-Ning Chu –
É o fato de muitas ainda acreditarem erradamente
na idéia de que são inferiores ou que precisam brigar por igualdade.
Se acreditarmos que as mulheres são iguais ou muitas vezes
melhores que os homens, não precisaremos guerrear com eles,
mas sim nos unir a eles.

ISTOÉ – A sra. trata a mulher como uma “negociadora”. Como
ela exerce seu poder de influência?
Chin-Ning –
A mulher, salvo exceções, é mais paciente do que o homem. Espera o momento certo para pedir alguma coisa ao marido. A mulher vencedora profissionalmente transfere esse mesmo comportamento astuto para o trabalho e sabe que é mais fácil lutar usando suas características femininas.

 

Marina Silva – A ministra do Meio Ambiente tem uma das mais belas trajetórias da recente história política brasileira. Nascida no Acre, ainda criança foi seringueira e lutou ao lado de Chico Mendes. Hoje quer uma regulamentação adequada ao uso dos transgênicos.

Wilma Faria – Essa professora de Mossoró tornou-se a primeira governadora da história do Rio Grande do Norte. Antes, Wilma (PSB) foi três vezes eleita para a Prefeitura de Natal e como deputada federal constituinte.

Rosinha Matheus – Antes, era apenas a mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Mas logo foi buscar seu espaço no cenário político. A eleição para o governo fluminense é a prova de que está no caminho certo. Para desvincular sua imagem da do marido, adotou o Matheus como sobrenome.

Dilma Roussef – Ao tomar posse na pasta das Minas e Energia, a ministra prometeu que durante sua gestão o País não iria passar novamente pelo pesadelo do apagão. Disciplinada e dura na queda, ela está conseguindo manter a promessa.

Marta Suplicy – Segunda mulher a comandar os destinos da maior cidade do País, a prefeita de São Paulo esbanja energia. Liberal, corajosa e polêmica, não hesita em sair às ruas para debater os problemas.

Nilcéia Freire – Formada em Ciências Médicas, Nilcéia Freire foi a primeira mulher a assumir a reitoria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ela instituiu cotas para negros e estudantes de escolas públicas. Hoje ela está à frente da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres.

 

Elas fizeram história

A historiadora Maria Luísa Albieiro Vaz destaca sete mulheres que ajudaram a mudar a sociedade

Betty Friedan (1921)
Feminista

“Desde o início do século passado a mulher americana vinha obtendo a visibilidade que suas colegas de outras nacionalidades não tinham. Friedan foi uma das principais arquitetas desse processo.”

Anita Garibaldi (1821-1849)
Revolucionária

“Ela abandonou tudo pela causa revolucionária. Uma das primeiras brasileiras que tiveram a coragem de romper com a dominação machista dos tempos do Império.”

Sipa Press 

Madre Teresa de Calcutá (1910-1997)
Devota das causas humanitárias

“O símbolo da luta contra o sofrimento dos pobres do Terceiro Mundo. Empenhou todas as suas forças no resgate da dignidade dos desfavorecidos. Talvez por isso incomodasse muita gente.”

 Prensa Três

Evita Perón (1919-1952)
A primeira-dama argentina

“Evita era a encarnação da mulher tradicional. Defendia a família e a presença da esposa ao lado do marido e filhos. Com Perón formou o casal símbolo do caudilhismo latino-americano.”

Prensa Três 

Rainha Vitória (1819-1901)
Sua majestade britânica

“Era a representação do auge do Império Britânico, aquele onde o sol nunca se punha. Pudica e conservadora, fez desses requisitos a marca de uma era.”

 

Joana D’Arc (1412/1431)
Santa e guerreira

“Simbolizava a força, a determinação. Era a líder mística de um povo. Sua trágica morte despertou o senso de unidade da nação francesa.”