Em janeiro passado, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) exagerou no conservadorismo e manteve a taxa de juros em 16,5% anuais, depois de sete meses consecutivos de queda. Tão surpreendente e amarga decisão aniquilou a crença de que enfim chegara o ano da retomada do crescimento. Por tabela, disseminou ódio na Esplanada dos Ministérios, com boa parte da equipe do presidente Lula amaldiçoando a política econômica. Dessa mistura brotaram boatos de toda sorte, inclusive de demissão do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, e do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes.

Na quinta-feira 26, o BC voltou à ribalta. A ata de sua reunião de fevereiro, em que também manteve os juros inalterados, veio com outra surpresa: os nove senhores que decidem o tamanho dos juros brasileiros seguem tão azedos quanto antes. Em bom português, é bem provável que em março o Copom continue com o pé no freio. O País chegará até abril como infeliz detentor da segunda maior taxa real do mundo – a primeira desse ranking é a Turquia e a terceira, a África do Sul. Novas baixas, se vierem, são esperadas somente para abril.

Os muxoxos em Brasília só não foram maiores porque no mesmo dia o presidente Lula voou para Belém, de onde partiu para a reunião de cúpula do grupo dos 15 maiores países em desenvolvimento, na Venezuela, levando consigo um punhado de ministros. E também porque o vice-presidente José Alencar, maior pedra no sapato da política de juros altos, estava hospitalizado por causa de uma inflamação na vesícula. Ainda assim houve quem comentasse amiúde que nem os apuros em que o governo se meteu com o caso Waldomiro Diniz são capazes de sensibilizar o Banco Central a aliviar o arrocho na economia – até como forma de desanuviar o ambiente político.

A nova ata da reunião do Copom traz um diagnóstico parecido com o de um mês atrás. Para o Banco Central, a inflação anda mais alta que o desejado. É fato. Analistas experimentados, como o economista Élson Telles, desde o ano passado detentor da maior taxa de acerto nas projeções de inflação no Brasil, explica que o IPCA (índice de preços que serve de meta para o BC) possivelmente acumulará 2% já no primeiro trimestre. É muita coisa, dado que se espera 5,5% para o ano inteiro. Mas os críticos contra-argumentam que a bolha de gastos típicos do início do ano não pode ser furada com juros altos. Ou seja, a tal inflação que tanto assusta o BC aconteceria mesmo se a taxa de juros estivesse cinco vezes maior ou alguns pontos menor, visto que os pais têm que comprar material escolar e matricular os filhos e as famílias, pagar IPTU e IPVA. Depois, os preços voltam à estabilidade naturalmente. Embora tímidos, já há alguns sinais de que isso vá acontecer. Na mesma quinta-feira 26, por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas divulgou o IGP-M de fevereiro, de 0,69%, contra os 0,88% de janeiro. Para março, espera-se que murche para 0,38%.

O economista Geraldo Biasoto Júnior, do Instituto de Economia da Unicamp, vê uma perigosa combinação no horizonte. Ele diz que o Banco Central fez “uma presepada” em janeiro e ficou refém dela. “O cenário político se deteriorou e o ambiente externo está se tornando incerto.” A partir daí, ele costura uma teoria da conspiração. Parte do pressuposto de que a economia dos Estados Unidos está desequilibrada e que os juros por lá, atualmente em 1% anual, certamente subirão. Quando acontecer, parte da montanha de dólares que cruzou o hemisfério em direção ao Brasil nos últimos seis meses voará de volta bruscamente. O preço do dólar explodirá mais uma vez, alimentando a inflação. Biasoto acha que, nessa ocasião, o País não estará crescendo, pois a arrancada que poderia ter sido feita no primeiro trimestre via política monetária não o foi. E alguns projetos importantes para o crescimento, como as novas leis de Falências e das Parcerias Público-Privadas, estão paralisados no Congresso. O Banco Central não está nem aí para tais conjecturas. Impiedoso, mantém uma fé cega na faca amolada dos juros altos.

O fim do “relaxamento monetário”

Mais do mesmo, literalmente. A ata da reunião de fevereiro do Copom, divulgada na quinta-feira 26, sedimentou a sensação de que o BC encerrou mesmo em dezembro um ciclo de cortes nos juros. O documento explicita o temor de uma elevação do consumo, ainda sob efeito dos dez pontos porcentuais eliminados no segundo semestre de 2003, processo chamado de “relaxamento monetário” no texto oficial. Consumo significa inflação, na ótica rígida do Copom. A inflação se acelerou, diz a ata, e alguns focos de pressão localizados podem fulminar a meta de 5,5% de inflação no ano. Argumentos utilizados em janeiro para justificar a manutenção dos juros básicos em 16,5% foram repetidos. O comitê avalia que os preços dos alimentos devem parar de incomodar, mas que o grande perigo reside no setor industrial, por conta dos reajustes das matérias-primas (notadamente do aço, apesar de o insumo não ter sido citado explicitamente). A taxa foi mantida por unanimidade. Em janeiro, um dos nove membros do Copom havia optado por uma redução de 0,25 ponto (seu nome é mantido em sigilo). Aparentemente, ele desistiu de brigar.

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