Argelina diz que o projeto de reforma política é bom, mas critica a proposta que também será votada juntamente com o financiamento público, que é a implantação, nas eleições proporcionais, das listas com nomes dos candidatos organizadas pelos partidos. É o fim do voto a candidatos e a criação do voto em partidos. “A lista fechada tem alguns efeitos perversos, como o controle da hierarquia partidária e a manutenção do caciquismo. Além disso, muita gente é contra
e isso empaca a discussão sobre o financiamento público”, opinou Argelina. Mas o relator Ronaldo Caiado – que tem debatido seu projeto País afora, em entidades de classe e com presidentes de partidos – acredita que o efeito será contrário: “O voto nominal é que tem criado os caciques da política brasileira. Nos países que instituíram as listas fechadas nas eleições proporcionais não se vêem caciques”. Caiado afirma que as listas fechadas são uma condição obrigatória para a implantação do financiamento público exclusivo de campanha. “Não dá para o Tesouro Nacional arcar com as despesas da campanha em um sistema de listas de candidatos abertas nas eleições proporcionais. Como nós vamos distribuir dinheiro para cada um dos pré-candidatos? Não é possível”, diz. O relator explica ainda que com a instituição das listas fechadas seria mais fácil auditar as contas. Hoje, por exemplo, o País tem 27 partidos. Seriam 27 contas a serem auditadas em um Estado. No sistema atual são milhares, uma vez que cada candidato tem sua conta. “O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, por exemplo, terá que auditar somente 27 contas”, afirmou Caiado.

 

 

 

De acordo com o relatório da reforma, elaborado pelo deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), seriam destinados R$ 7 por cada eleitor. Considerando o número atual de eleitores, 116 milhões, os cofres
públicos teriam que desembolsar hoje cerca de R$ 812 milhões para bancar uma campanha eleitoral. Essa verba seria dividida da seguinte forma: 1% a todos os partidos registrados no Tribunal Superior
Eleitoral; 14% repartidos entre as legendas que tenham representação
na Câmara dos Deputados; e 85% distribuídos de acordo com a proporcionalidade do número de parlamentares na Casa. Uma idéia que
vai gerar muito debate. Caiado afirma que no atual sistema brasileiro uma campanha custa entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões. “Mas as fontes lícitas constituem um porcentual pequeno do financiamento”, ressaltou. A maior parte, segundo ele, é oriunda de desvio de verba do Orçamento, desvio de dinheiro do narcotráfico, do tráfico de armas, do roubo de cargas, do jogo do bicho, entre outros. A informação de que o Brasil é o segundo país no mundo (só perde para a Colômbia) a utilizar verba do narcotráfico em financiamento de campanhas eleitorais foi repassada à Comissão pelo delegado Getúlio Bezerra, coordenador-geral de prevenção e repressão a entorpecentes da Polícia Federal.

Se aprovado, o financiamento público exclusivo de campanhas – com
a proibição de qualquer verba privada na prestação de contas dos candidatos à Justiça Eleitoral – será uma experiência inédita nas democracias ocidentais, segundo o cientista político Bruno Wilhem Speck, da Universidade de Campinas (Unicamp) e diretor de pesquisas da Transparência Brasil, uma ONG voltada para o combate à corrupção.
“Não conheço nenhum sistema eleitoral que proíba totalmente a contribuição privada em campanhas. Não acho que esse tipo de contribuição seja de todo mau. A lei poderia permitir pequenas contribuições, até de filiados dos partidos, por exemplo”, disse Speck, especialista no tema financiamento de campanhas eleitorais e autor de um estudo comparativo dos países da América Latina, onde há uma longa tradição de financiamento público de campanha eleitoral.

As multas previstas para os infratores no relatório de Caiado são pesadas: cinco vezes o valor doado. Além disso, há outras punições, caso a caso. As empresas que desembolsarem verba para candidatos serão proibidas de participar de licitações públicas e de fechar contratos com o poder público por cinco anos. Os partidos que infringirem a lei vão deixar de receber sua quota do Fundo Partidário. E os candidatos que já tenham sido eleitos terão seus diplomas cassados. Mas, na prática, a Justiça Eleitoral terá condições de fiscalizar? “Não acredito que a Justiça Eleitoral consiga fazer valer essas regras rígidas”, opinou Speck. Ele explica que “não há uma receita para um sistema de financiamento político que garanta a integridade” do processo eleitoral. Os limites impostos pelas legislações sempre se chocam com a capacidade do sistema de impedir a praga do financiamento ilícito.

Ilusão – Cláudio Weber Abramo, presidente da Transparência Brasil, afirma que o maior eleitor do País é hoje o dinheiro. Ele acha “ilusório” imaginar que o caixa 2 vai acabar com uma nova legislação. “Não há garantias de que haveria um controle maior sobre os gastos em campanhas patrocinadas com o dinheiro público. Na Alemanha (onde não há limitação à contribuição privada), o maior defensor do financiamento público era Helmut Kohl. Quando adotaram esse sistema lá, a vida dele foi arruinada justamente com a descoberta de um caixa 2 pelo qual ele era responsável”, acrescentou Abramo. “O ideal seria avaliar o custo real de uma campanha, fazer uma média de gastos e fiscalizar”, completou. Opinião semelhante tem a cientista política Argelina Figueiredo, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap): “O financiamento público não limita as chances de existir o caixa 2 e a corrupção, só democratiza a disputa em termos de marketing político.”

Na política, assim como na saúde pública, as doenças são globalizadas. Quando surge uma epidemia em um distante país da Ásia, seja Sars, seja gripe do frango, o perigo de a enfermidade se espalhar pelos quatro cantos assusta o mundo. As pragas que contaminam os corpos políticos em todos os países, ricos e pobres, minam a credibilidade das instituições. Líderes políticos do chamado Primeiro Mundo que fizeram história na década de 90 foram contaminados, como o ex-primeiro-ministro alemão Helmut Kohl (Partido Democrata-Cristão, CDU), conhecido como o “pai da reunificação” da Alemanha após a queda do muro de Berlim. Kohl foi acusado e acabou admitindo ter recebido para o caixa do CDU a bolada de US$ 1,2 milhão – uma contribuição não computada na prestação de contas de seu partido. Na França, o presidente Jacques Chirac teve seu nome envolvido em um escândalo de financiamento de campanha, em 1996, protagonizado por Jean-Claude Méry, arrecadador de contribuições para o partido gaullista (RPR). Nos Estados Unidos, o escândalo da gigante Enron acabou revelando sua atuação suspeita como grande financiadora em campanhas políticas. A influência do dinheiro em eleições nos EUA sempre foi notória e esse escândalo acabou forçando o governo a promover mudanças na legislação eleitoral. Por isso, o presidente George W. Bush promulgou, em 2002, uma lei que reforma o financiamento das campanhas com o intuito de diminuir a força das verdinhas na eleição, implementando limitações às doações privadas.

Vale-tudo – No Brasil, o Carnaval, infelizmente, não se limita às
folias nos sambódromos, nos trios elétricos e nas ruas: a festa
com o dinheiro arrecadado, de origem legal ou não, invade a passarela das campanhas eleitorais, nos planos municipal, estadual e federal. O enredo é sempre o mesmo: depois de revelado o toma-lá-dá-cá, com direito a tráfico de influência e privilégios de todas as formas, vêm as eternas discussões sobre ter ou não ter CPIs, o que, além de paralisar
o País, invariavelmente acaba em balcões de negócios, nivelando por baixo qualquer governo.

O mais notório escândalo dessa natureza foi
o que envolveu PC Farias, ex-tesoureiro de campanha de Fernando Collor, que acabou sofrendo impeachment em 1992. Na última
eleição presidencial também surgiram denúncias contra Ricardo Sérgio, caixa de campanhas tucanas. Historicamente comprometido com
a defesa da ética na política, o PT não está imune a esses descompassos. O último protagonista deste desfile de escândalos foi Waldomiro Diniz, ex-assessor da Casa Civil, flagrado em fita de vídeo pedindo ao empresário Carlos Ramos, o bicheiro conhecido como Carlinhos Cachoeira, propina para si e para políticos. São escândalos que se repetem ciclicamente.

Com a explosão da bomba detonada por ilegalidades em financiamento de campanha, uma das várias reformas que hibernam no Congresso foi resgatada à cena: a política. O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), convocou uma reunião com líderes dos partidos para quinta-feira 4. Em pauta, a urgência em votar a reforma política para colocar em prática uma nova legislação eleitoral no pleito de 2006 para presidente da República, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. A espinha dorsal do atual projeto de reforma política – que começou a ser discutido na Comissão Especial há exatamente um ano – é a polêmica proposta de instituir o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Assim, o dinheiro para bancar as eleições viria apenas dos cofres do Orçamento da União: seria proibida qualquer contribuição privada e instituídas severas punições aos infratores, sejam partidos, candidatos, pessoas físicas ou jurídicas.
 

 

O presidente nacional do PT, José Genoino (SP), elogiou o projeto de Caiado, especialmente no que se refere ao financiamento público, e prometeu que seu partido vai dar todo o gás para que a reforma política finalmente saia do forno. “O atual sistema dá margem a um vale-tudo”, afirmou o petista. O país das novelas espera, impaciente, que governo e oposição coloquem um ponto final nesse vale-tudo. Se não for possível acabar de vez com as falcatruas, como dizem os especialistas, pelo menos que se diminua a força de vilões da política, que nada devem à mitológica Odette Roittman em termos de maldades.

 

Coisas de primeiro mundo

A lei na França proíbe a doação de pessoas jurídicas (com exceção de partidos e grupos políticos) e fixa limite para despesas eleitorais.
As doações de pessoas físicas são limitadas
a 4.600 euros. O teto de despesa eleitoral é de 14.79 milhões euros para um candidato no primeiro turno, mas passa para 19.76 milhões para os presentes ao segundo turno. Apesar das amarras, o presidente Jacques Chirac foi citado em 1996 em um escândalo de financiamento.

Depois de fraudar seus balanços e falir, a Enron, uma das maiores contribuidoras das campanhas, despertou a necessidade de se barrar a força do dinheiro nas eleições. O presidente George W. Bush sancionou em 2002 a reforma dos financiamentos das campanhas. A nova lei limita a influência de grandes grupos e elimina certos tipos de contribuição a partidos. É a primeira alteração na lei eleitoral desde o escândalo Watergate, que levou Nixon a renunciar à Casa Branca em 1974.

Na Alemanha não há limite de financiamentos privados. A contribuição pública existe há 30 anos. O aporte estatal aumentou para compensar partidos que recebem menos das empresas. Para cada centavo de euro de pessoa jurídica, o partido recebe o mesmo valor, até um determinado teto. O ex-primeiro ministro Helmut Kohl foi um dos maiores defensores do financiamento público. No entanto, admitiu ter recebido US$ 1,2 milhão ilícito para seu partido, o CDU.

A atual legislação prevê o financiamento público direto através do Fundo Partidário, composto por verbas do Orçamento (35 centavos por eleitor). Apenas 1% desse fundo – entre R$ 100 milhões e R$ 120 milhões ao ano – é repartido igualitariamente entre as legendas, que não recebem financiamento público extra em período eleitoral. O restante do dinheiro é dividido de forma proporcional aos votos na última eleição para deputados federais, apenas entre os partidos que atingiram 5% dos votos apurados na eleição. Mas há também uma forma indireta de financiamento público, que é o acesso gratuito a rádio e televisão. O financiamento privado em campanhas eleitorais no Brasil foi instituído a partir de 1993, com vetos a contribuições de entidades estrangeiras e estatais.