Após 14 anos convivendo com o mal de Parkinson, oator Paulo José usa o trabalho para vencer a doença

Numa casa de aproximadamente dois mil metros quadrados, no alto da Gávea, zona nobre do Rio de Janeiro, o ator Paulo José brinca de guia turístico enquanto sobe e desce as escadas que emendam os três andares da residência, além das rampas que desembocam na piscina, na sala de malhação ou nos jardins. Parece um jovem, e sadio. Mas completará inacreditáveis 70 anos dia 20 de março. E tremores eventuais na perna ou nas mãos expõem a doença com a qual convive há 14 anos, o mal de Parkinson.

Paulo José é um dos maiores atores do País, com quase 50 filmes na bagagem
e a mesma quantidade de peças nas quais atuou como ator, diretor, produtor, tradutor, figurinista, iluminador e cenógrafo. Em televisão, fez 40 novelas e pelo menos três dezenas de outros programas como diretor. Apesar da doença, ele continua em intensa atividade artística: estréia três filmes no ano que vem, talvez apresente o quadro Palavra, no Fantástico, da Globo, grava vários CDs de poesia
e dirige três espetáculos teatrais. Fora comerciais, locução, tradução de peças. Como consegue? “Graças ao Parkinson. Em vez de desistir, eu faço o contrário. Trabalho muito”, explica.

O estúdio que ele montou em casa ocupa todo um andar e inclui mesa de edição, vários computadores e um monitor de US$ 17 mil, além de sala com proteção acústica para gravar CDs. É uma forma de fugir da agitação do trânsito e equilibrar o tempo entre trabalho e os exercícios de fisioterapia, as aulas para voz, deglutição, música, além da hidroginástica. Stress, para ele, não existe mais: “Eu sou muito contente comigo mesmo”, diz. Essa resposta é compatível com o primeiro pensamento que teve quando o neurologista, um sexagenário, lhe deu o diagnóstico de mal de Parkinson: “O médico disse que eu tinha uma doença irreversível, progressiva e degenerativa. Só pensei que ele estava na mesma situação que eu porque tinha mais de 50 anos e, portanto, sofria do mesmo processo degenerativo irreversível”, diz. Paulo José deu a seguinte entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – O sr. completa 70 anos em março. Essa idade assusta?
Paulo José

A vida assusta, não é? Mas ela gratifica também. Fazer 30 anos assusta, 20 anos assusta. Tornar-se adolescente é um susto terrível.

ISTOÉ – Mas fazer 20 anos tem a vantagem de ver o futuro como algo longo; 70 anos não é diferente?
Paulo José

Em termos numéricos, o septuagenário está nos últimos dez anos de vida, no máximo. Mas a vida é qualidade, não quantidade. A gente não se preocupa tanto com a morte. Tem gente que se preocupa tanto com o medo de morrer que não vive. Agora, eu tenho (mal de) Parkinson, que é uma doença degenerativa, progressiva e irreversível. Dizem. Mas todo mundo tem isso. Depois dos 30 anos, todos estão em processo de irreversibilidade e degeneração progressiva, que é o envelhecimento do corpo. Nos transformamos em ruínas, mas, às vezes, belas ruínas. Tem de saber cuidar. Não pode ser predatório.

ISTOÉ – O sr. trabalha muito e não parece ter muitas limitações por causa do mal de Parkinson. Como consegue?
Paulo José

É preciso fazer o contrário, trabalhar mais. Há pessoas que desistem, que dizem: “A vida para mim acabou.” Eu, ao contrário, aumento as tarefas.

ISTOÉ – O que o sr. faz?
Paulo José

Passei a tocar piano, mudei para essa casa por causa da piscina, para fazer ginástica, hidroginástica. Me cuido.

ISTOÉ – Tem outras atividades?
Paulo José

Faço trabalhos paralelos, como aula de voz, piano, que eu tenho de tocar todo dia, reeducação – coisa engraçada! – da deglutição, para não
engasgar enquanto estou falando ou respirando. É uma doença de rico. Sou disciplinado, tenho de ser. As pessoas acham que ser esperto é ser indisciplinado. Mas não é. A esperteza é ser disciplinado, é não tentar bater de frente com a
doença, que é mais forte.

ISTOÉ – O sr. tem uma convivência pacífica com a doença?
Paulo José

Tenho. Todo mundo tem uma enfermidade crônica, todos sabem que vão morrer e se degenerar com o tempo. E a garantia vai só até os 50 anos. As peças começam a sair da garantia a partir daí. Umas têm reposição, outras não. É assim que eu vivo, e convivo.

ISTOÉ – E a relação com o trabalho? Mudou por causa da enfermidade?
Paulo José

Isso de eu gostar de trabalhar só é possível porque tenho Parkinson. Antes eu era vagabundo, lia de qualquer jeito, tirava tudo de letra, não me preparava. Como a dificuldade hoje é maior, eu trabalho mais, busco o melhor. As coisas que temos dificuldade acabamos fazendo melhor. Quando há muita facilidade, pára no primeiro obstáculo, não leva adiante.

ISTOÉ – Como o sr. reagiu quando soube que tinha mal de Parkinson?
Paulo José

Quando o médico me disse que eu tinha Parkinson e que era uma doença irreversível, progressiva e degenerativa, eu não me dei conta da gravidade disso. Só pensei que ele também estava na mesma situação que eu porque tinha mais de 50 anos e estava em condição degenerativa irreversível. Depois comecei a sentir momentos difíceis. Mas tenho um neurologista muito bom, James Pitágoras, que só trabalha com Parkinson.

ISTOÉ – Quantas horas por dia o sr. trabalha?
Paulo José

Depende. Peguei uma gripe forte e fiquei com muita dificuldade para trabalhar. Hoje, por exemplo, gravei um poema só, de Manuel Bandeira, para o CD. Às vezes, até aproveito a voz diferente, já que estou completamente congestionado, para gravar como se fosse outra voz.

ISTOÉ – Trabalha em casa?
Paulo José

Sim, eu gravo tudo no estúdio que tenho em casa. Aqui é muito bom, isolado, tem muita bananeira, pitangueira, goiabeira, acerola, manga. Tem bichos também, como sagüis, aves e um desgraçado de um tucano. Uma das razões pelas quais eu votei no Lula é para não votar em tucano. Não sei qual foi o débil mental, certamente um urbanóide de São Paulo, que imaginou que isso seria uma típica ave brasileira, um tucano, um bicho insuportável. Primeiro, é uma ave disforme, tem o bico muito maior do que o corpo, voa com dificuldade, parece uma galinha para voar, não canta, gralha. Passa a manhã toda gralhando, aquela coisa monótona e aborrecida. E é predador, mata filhote de passarinho no ninho. Há uma família tucanóide aqui na redondeza. Assassino, predador, comedor de aves inocentes, disforme, feio e nem sabe cantar. Como pôde virar símbolo de um partido?

ISTOÉ – Votou em Lula mesmo?
Paulo José

Votei, por exclusão. Não poderia votar num vácuo, num vazio político e também não voto em tucano. Inventaram que o PT seria o precursor da corrupção na política quando a gente sabe que a máfia do PT do ABC, que são os mais fecundos, é aprendiz perto de figuras que estão na política há 30, 40 anos, e que não precisa dizer os nomes. Só que eles são muito mais espertos na maneira de roubar, de usar o dinheiro público, tirar proveito, privilégios.

ISTOÉ – Por que acha que Lula foi reeleito?
Paulo José

Uma das razões da vitória do Lula é algo que ele sempre diz e ninguém contesta: a pessoa vê que no fim do mês tem mais dinheiro, percebe que compra mais comida no supermercado, na feira. Isso é qualidade de vida e não tem nada que substitua, não há quem conteste. Mas a mídia foi para outro lado, se apoiou na corrupção, no moralismo de direita – coisa perigosa!

ISTOÉ – É possível olhar para o futuro com esperança?
Paulo José

brigatoriamente: é preciso olhar com esperança. O próprio PT vai se policiar mais. Virá um outro PT, do Tarso Genro, mais límpido. Muitos foram queimados – como a Luiza Erundina por xiitismo, o Cristovam Buarque… Mas é possível que aprendam. O próprio Lula diz que o governo precisa estar 100% vigiado, cobrado, policiado. A população tem obrigação de cobrar.

ISTOÉ – E os artistas, também têm essa obrigação?
Paulo José

Acho que sim. A opinião do Chico (Buarque), do Caetano (Veloso) é muito importante. E o que eles fizeram? Evitaram, escaparam o que puderam no primeiro turno de dar declarações. No fim, Chico disse que ia votar no Lula, mas sem o entusiasmo de quem está fazendo campanha. É uma atitude menos entusiástica. O que foi bom para o Lula, porque ele levou um susto. Em relação à mídia, é bom falar, houve mobilização em torno da corrupção. Algumas revistas, não vou citar nomes, se colocaram como vestais no denuncismo da corrupção. Quando se localiza o ladrão, a mídia aponta os holofotes e os outros ratos ficam contentíssimos, porque é como se ficassem virgens de novo. Eles se livraram, escaparam. Paulo Betti e Wagner Tiso, coitados, foram crucificados porque se expressaram mal. A mídia está sendo questionada por manipular a notícia, não tenho a menor dúvida disso.

ISTOÉ – O sr. está tocando vários projetos paralelamente, não é?
Paulo José

Sim. Estou fazendo o filme Contos de Natal, de Helvécio Raton, que reúne cinco histórias. A minha, que é a história do Papai Noel, será a última a ser filmada, perto do Natal, para aproveitar os enfeites de rua. Estréia no ano que vem. Também estou no filme A última juventude – ou a ceia dos cardeais, de Domingos de Oliveira. Era uma peça, virou filme. No elenco tem também o Aderbal Freire-Filho e o Domingos. Fiz um filme do Jorge Furtado que se chama Saneamento básico, com Lázaro Ramos, Wagner Moura, Fernanda Torres.

ISTOÉ – Alguns outros planos?
Paulo José

Tenho um projeto, Palavra, de prosa e poesia, que parece que foi aprovado na Globo, ideal para ser um quadro de poucos minutos no Fantástico. Esse programa eu estou gravando em casa. Seleciono textos que eu gosto e sei que as pessoas gostam de ouvir. Engraçados, curiosos, bonitos. De Camões, Clarice Lispector, etc. E estou com três peças em cartaz que eu dirijo.

ISTOÉ – Faz muitos comerciais?
Paulo José

Faço. Só tem um produto que não anuncio, o cigarro. Fumei durante 55 anos, parei há quatro. Estava em situação penosa. Tive pneumonia e a enfisema já estava lá. O médico disse: “Você escolhe – se continuar fumando, o processo é rápido daqui para a frente.” Parei. Já estava sem fôlego. Aos poucos, fui recuperando a respiração normal.

ISTOÉ – O que está preparando agora?
Paulo José

Estou acumulando material para fazer uma antologia poética brasileira, com muita coisa, também, da portuguesa.

ISTOÉ – Escreve poemas também? Ficção?
Paulo José

Não, eu não cometo poesia. Ficção também não. Faço só adaptações de textos de teatro.

ISTOÉ – Nascido no Sul e morando há anos no Rio de Janeiro, o sr. parece não ter sotaque.
Paulo José

Tenho sotaque de teatro. Voz neutra sem chiados cariocas e cantados paulistas ou gauchês – como era em 1930, quando a Rádio Nacional, que era “a rádio do País”, falava gauchês. Tu vais, tu foste… Sou do tempo em que os presidentes da República usavam todos os “esses”. Agora, estão economizando.

ISTOÉ – Existe técnica para ser ator?
Paulo José

ntes de mais nada, gostar da limitação, ter espírito de observação e capacidade de imitar os outros.