Em julho do ano passado, milhares de pessoas se espremeram em fila no sambódromo carioca atrás de uma vaga de gari. A imagem, que se repete desde então em outros lugares, materializou no noticiário uma tragédia cotidiana brasileira: o desemprego. Nove meses depois, a fila não andou. A situação pouco se alterou desde então. Os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, ao contrário do padrão histórico, o segundo semestre não trouxe o alívio esperado com o Natal.

O mercado de trabalho só reagiu em dezembro, quando o total de desempregados recuou a 10,9% nas seis regiões metropolitanas pesquisadas. Mesmo assim, registrou-se mais gente desocupada do que em dezembro de 2002. Nos seis meses anteriores, a taxa sempre rodeou os 13%, o que ajudou a tornar 2003 – o primeiro ano do governo Lula –, pelo prisma do trabalho, pior do que o último de Fernando Henrique Cardoso.

Os trabalhadores não se beneficiaram dos dez pontos eliminados nos
juros no segundo semestre, nem do furor provocado pelas exportações, tampouco da atividade frenética no mundo dos negócios agrícolas. “O efeito demora a aparecer. O mercado de trabalho é sempre o último a saber”, diz o gerente da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, Cimar Azeredo Pereira.

O crescimento previsto para 2004 – algo entre 3% e 4% –, se confirmado, começaria a aliviar a situação. Mas nem de longe é suficiente para acabar com o problema, como o próprio governo já reconhece. “Se crescermos 5% ao ano, teremos condição não apenas de empregar os que chegam ao mercado como também de reduzir a quantidade de desempregados”, calcula o diretor do departamento de pesquisas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Claudio Vaz, representante de um setor que, no ano passado, diminuiu em 0,5% o número de vagas. Não é coincidência o fato de que a produção tenha crescido apenas 0,3%.

A cada 12 meses, mais de dois milhões de pessoas ingressam (ou tentam ingressar) no mercado de trabalho. Gente que pode se considerar orgulhosa de sua condição, em um país onde mais de 4,1 milhões de famílias não têm nenhuma renda. “São os prisioneiros do curtíssimo prazo, cujo objetivo do dia é conseguir alimento para sobreviver”, diz o secretário do Trabalho da cidade de São Paulo, Marcio Pochmann. Sem um histórico de proteção social, constata-se o desastre. “A partir dos anos 80, tivemos alguns ciclos de melhoria de renda e emprego. Mas as prioridades sempre foram para a estabilização da economia. O bem-estar social ficou de lado”, diz a professora Anita Kon, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. A vida anda difícil também para quem está do outro lado do espectro social. Uma pesquisa coordenada por Pochmann constatou que o desemprego na classe média alta cresceu 50% nos últimos dez anos, mais do que nas outras classes (38,8%).

Para o trabalhador comum, bem-estar social significa garantias mínimas prescritas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Causando espanto geral, o presidente Lula, numa conversa informal com jornalistas, no início do mês, cogitou mudar alguns aspectos da legislação, como as férias de 30 dias e a multa sobre o saldo do FGTS em caso de demissão. As centrais sindicais estrilaram, e não se falou mais no assunto. Mas é possível, sim, o governo dar uma forcinha para ajudar a combater a praga do desemprego. “Redução de jornada, limitação das horas extras, condições dignas para os pensionistas, que assim deixariam de ocupar postos de trabalho, são algumas medidas que ajudam”, sugere Pochmann.

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Rural por natureza, o Brasil vive a ressaca da industrialização. Os aumentos de produtividade obtidos com os avanços tecnológicos devolveram à rua o trabalhador que se qualificou para enfrentar o chão de fábrica. No refluxo do movimento, esse mesmo trabalhador encontra um setor de serviços ainda em formação e a área rural mecanizada. Sobra-lhe o bico, o subemprego, a informalidade. Quem tem mais sorte fica com a vaga de gari.


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