Nenhuma surpresa. A política conservadora do Banco Central (BC) e a revelação de que os juros vão cair muito lentamente se confirmaram na quarta-feira 18, quando uma nota curta e objetiva do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou que a taxa básica de juros do País, a Selic, foi mantida pela terceira vez consecutiva em 16,5%, sem viés, ou seja, sem nenhuma chance de cair ou subir até a próxima reunião, nos dias 16 e 17 de março. Foi uma decisão unânime e, de certa forma, já era prevista. “Não é nenhuma catástrofe”, diz Júlio Sérgio Gomes, diretor do Instituto Ethos de Responsabilidade Social. “Mas um copo de água fria nas empresas que estão com muitos investimentos na ponta da agulha e acumulam muitos projetos de investimento contando com o ensaio de uma recuperação.” A decisão é vista como contraproducente, mesmo considerando que esse ensaio de recuperação – que “não é nenhuma Brastemp”, como define Gomes – dava algum alento.

Tudo indica que o Banco Central – que divulgará a ata da reunião no dia 26, quinta-feira – ainda está cauteloso em relação ao retorno da inflação. “Considerar a inflação de janeiro e fevereiro como alerta é uma bobagem porque a inflação nesses meses sempre sobe por questões sazonais, como reajustes escolares, clima (alimentos in natura), por exemplo”, diz o diretor do Instituto Ethos.

A chiadeira sobre a instituição presidida por Henrique Meirelles foi geral. A nota oficial da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também menciona as influências sazonais nos preços ao consumidor. Na opinião de Horácio Lafer Piva, presidente da entidade, são variações passageiras que devem ser revertidas no futuro próximo. “É hora de ampliarmos o debate e enriquecermos a agenda, adotando medidas de maior impacto a favor dos investimentos, do crescimento e da criação de empregos”, diz ele. “Se parte do governo marca gol contra, o resto da equipe deve reagir com maior senso de urgência e virar este placar.” Também bateu forte a Federação do Comércio do Estado de São Paulo. “Não vemos motivo para esse excesso de conservadorismo”, diz Abram Szajman, presidente da entidade, explicando que as taxas inflacionárias – a maior preocupação do governo – estão dando sinais de queda, “enquanto a disposição do consumidor para ir às compras é cada vez menor”. A Federação fez as contas e chegou à conclusão de que haveria espaço para a redução de até 15 pontos.

Do lado dos sindicalistas não há menos indignação. A Central Única
dos Trabalhadores (CUT), que sempre apoiou o governo Lula, divulgou uma nota oficial irada contra a decisão: “O momento exige responsabilidade e firmeza de propósitos para que o espetáculo do crescimento (prometido pelo presidente) entre em temporada”, declarou Luiz Marinho, presidente da CUT. “Não há espetáculo se atores, produtores, contra-regras não arregaçarem as mangas para fazê-lo acontecer”, disse ele por meio da nota oficial. Também criticou o Copom, “que continua apostando no conservadorismo e acreditando que os indicadores econômicos apresentam resultados positivos por inércia”. Disse mais: “Fica difícil acreditar que o grande público, ou seja, a sociedade brasileira, vai querer continuar assistindo a reprises, porque sabe que o final não é feliz para ninguém.”

Na Força Sindical, o presidente Paulo Pereira da Silva disse que
conservar a taxa básica neste patamar é continuar sacrificando os trabalhadores e privilegiando apenas aqueles que vêm se locupletando com os juros altos, ou seja, as instituições financeiras. Por coincidência, um dia antes a manchete dos principais jornais foi sobre os lucros recordes dos principais bancos do País, atribuindo o desempenho esplêndido principalmente à manutenção dos juros altos no primeiro ano do governo Lula. Nunca os bancos brasileiros lucraram tanto. O Itaú Holding registrou em 2003 o maior lucro da história de bancos no Brasil, R$ 3,152 bilhões, ou seja, 32,6% maior do que o de 2002, que somou
R$ 2,377 bilhões. O Banco do Brasil obteve lucro de R$ 2,381 bilhões em 2003, 17,4% superior a 2002, e ultrapassou o Bradesco, que também está nesta lista, ao lado de Banespa e Caixa Econômica Federal, entre outros que seguiram na mesma toada.

Que manter a taxa de juros nesse patamar favorece os bancos o economista Ricardo de Medeiros Carneiro, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, não tem dúvida. “Bancos é uma forma genérica. Todos que têm títulos financeiros são beneficiados. Os prejudicados são o emprego e a dívida pública”, ele diz. Ficar nos 16,5% é péssimo, segundo ele. “Eu acho que o problema aí é outro e mais complicado: a queda da taxa de juros estava permitindo uma recuperação razoável no setor de bens duráveis de consumo e sinalizando que continuaria caindo mais lentamente, e essa interrupção no que se imaginava uma tendência será ruim para a recuperação da economia.” Ele entende que o que ficou mais complicado com a decisão é a sinalização de que não há uma tendência clara para projetar a taxa de juros e que ela não será reduzida progressivamente, como anunciou o governo. E a inflação? O professor da USP também atribui as taxas mais altas a razões sazonais. “O problema é que eles fixaram metas de inflação muito apertadas e, se prevalecer o padrão que o BC tem seguido desde 2003, eles estarão errando por excesso.” Repercussão: crescimento menos intenso – o que ninguém quer.