O Boeing 737-800 tinha caído há poucas horas sobre a selva. Destroçadas, as turbinas mal tinham esfriado. Enquanto o País esperava por notícias sobre o vôo Gol 1907, cinco homens do Para-Sar, o esquadrão de elite da Aeronáutica, desciam de rapel no local da queda. Ainda naquela sexta-feira 29 de setembro, o grupo de militares fez chegar a Brasília a descrição do cenário aterrador. Na cúpula da Aeronáutica, da Infraero e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), não havia dúvida de que os 154 ocupantes do Boeing estavam mortos. Mas os familiares ainda passaram dois dias alimentando esperanças: a comunicação oficial de que não havia sobreviventes veio só no domingo 1º de outubro. Os homens do Para-Sar passaram aquela primeira noite após o acidente junto aos corpos, numa operação que até aqui vinha sendo mantida em segredo. A revelação a ISTOÉ é do presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira.

ISTOÉ – A tragédia deixou lições?
José Carlos Pereira
– O acidente da Gol serviu para mostrar que a reação imediata é sempre difícil, que é preciso manter as pessoas treinadas para fazer frente à emergência e lidar com emoções humanas desencontradas. Naquele dia, eu estava em casa quando o supervisor me ligou. De imediato, saí para o aeroporto. No caminho, telefonei para a Aeronáutica. Me disseram: “Não é só isso: acabou de pousar em Cachimbo um avião avariado. Houve uma colisão em vôo.” Liguei de novo e falei: “Confirma se esse avião não está em nenhum aeroporto e se não falou com ninguém.” A resposta foi não. Naquela hora eu disse: “Todos estão mortos.” Quando cheguei ao aeroporto, fui para o desembarque. As pessoas ainda estavam lá esperando o 1907. O vôo constava como atrasado no painel. As pessoas reclamavam do atraso: “É assim mesmo, uma esculhambação.” Depois fui para o centro de controle. Ok, caiu. E agora? Está tudo planificado. Em caso de acidente, o que fazer? Chama médico, chama psicólogo, prepara as ambulâncias. Isso está tudo escrito, mas na hora…

ISTOÉ – Nós temos a informação de que a Aeronáutica, no mesmo dia do
acidente, desceu uma equipe do Para-Sar no local da queda.
José Carlos
– Sim, o local do acidente estava marcado. Foi visto no radar onde
o avião desapareceu. A busca foi numa área restrita. Os homens desceram de
rapel e pernoitaram. Passaram a noite lá, junto (dos corpos), numa operação extremamente complicada.

ISTOÉ – Quantos homens?
José Carlos
– A primeira equipe que pernoitou, se não me engano, era de
cinco homens.

ISTOÉ – Horas depois do acidente?
José Carlos
– Sim. Já tinha gente tomando conta dos corpos. Numa região de
selva dessas, animais atacam. Então, o pessoal ficou ali mais para proteger.

ISTOÉ – Por que, então, tanta demora em confirmar a tragédia?
José Carlos
– Eu acompanhei isso de perto. É difícil dar a primeira notícia às pessoas. Você tem de ter certeza. A abordagem é muito difícil. Duas pessoas no acidente é uma coisa, 154 é outra. Mas eu acho que nós precisamos, realmente,
no futuro, fazer uma avaliação disso.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

ISTOÉ – Então quer dizer que, desde o princípio, não havia dúvida de que não
havia sobreviventes.
José Carlos
– Eu não tinha. Mas eu possuía informação privilegiada. Realmente, houve demora em se confirmar isso, embora não fosse só da Infraero essa obrigação. Tinha que ser numa ação conjunta, com a Aeronáutica, com a Anac,
como foi feito. Eu admito que houve um retardo ali.

ISTOÉ – O acidente jogou luz sobre os problemas da aviação no Brasil. As
críticas são exacerbadas?
José Carlos
– O problema existe, não se pode negar, principalmente no controle de tráfego. E esse problema é essencialmente falta de pessoal. Nós temos 370 jatos executivos no País, 700 turboélices, dez mil aviões de pequeno porte, sem falar na aviação comercial como um todo e na aviação militar. É uma massa gigantesca de aeronaves. E não adianta dizer que o Brasil é grande, que cabe. Não cabe, não. Todos os aviões vão para o aeroporto. E, se não houver um controle eficiente, eles baterão, todos, em cima dos aeroportos. O problema existiu e existe. A emergência foi corrigida, há outras medidas em curso que surtirão efeito, mas as soluções definitivas vão levar mais tempo, talvez até março.

ISTOÉ – Por que ninguém previu que faltariam controladores?
José Carlos
– Todo o controle do espaço aéreo é da Aeronáutica. A Infraero tem controladores, mas só nas torres. Houve realmente falha de planejamento na preparação dos controladores. Ficaram no limite. Faltou banco.

ISTOÉ – E os aeroportos, estão em condições plenas?
José Carlos
– Nossa demanda aumenta em 20% ao ano no caso dos vôos de passageiros, 11% na carga internacional, 5% na carga nacional. Com PIB crescendo de 3% a 5% e a demanda aérea crescendo a 20%, a equação fica difícil de fechar. Hoje nós reformamos ou construímos um aeroporto sabendo que três, quatro, cinco anos depois ele vai estar saturado. Mas o Estado não tem recursos suficientes.

ISTOÉ – E quem planeja viajar neste fim de ano pode arrumar as malas ou o caos nos aeroportos tende a piorar com o aumento da demanda nas férias?
José Carlos
– Diante de uma situação como essa, de atrasos maciços, o ambiente complicou. Nós esperamos que no Natal, no Ano-Novo, a situação já esteja normalizada. Nós, da Infraero, estamos preparando uma força-tarefa que dê uma assistência especial nessa época, entre a última quinzena de dezembro e a primeira de janeiro. Não tenha dúvida de que uma alta demanda sempre cria algum tipo de problema, mas eu estou otimista.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias