Os escândalos contábeis estão arrasando as Bolsas de Valores americanas. Ponta-de-lança do capitalismo mundial, o pregão de Nova York não voava tão baixo desde os atentados de 11 de setembro. A Nasdaq, que abriga os papéis das empresas de alta tecnologia, voltou a patamares de 1997. “Ninguém confia mais nos números” é o bordão corrente em Wall Street, terra onde os números são a matéria-prima.

Em termos absolutos, as fraudes apuradas até agora representam uma diminuta fração do mercado, apesar do gigantismo dos envolvidos. Afinal, as empresas que recorrem às Bolsas para levantar dinheiro são milhares, e apenas um punhado delas foi pego em algum tipo de má conduta. O que agrava a situação e comprime todas as expectativas é justamente a falta de confiança em qualquer balanço.

Pior: a Bolsa de Valores, nos Estados Unidos, é tão popular quanto o beisebol ou o basquete. Nada menos do que a metade dos americanos adultos faz algum tipo de investimento em ações. Mesmo investidores de perfil conservador separam uma pequena parcela de suas economias para tentar a sorte em Wall Street. “Os escândalos criaram uma aversão ao risco. Ninguém mais sabe quanto valem as empresas”, diz o ex-presidente do Citibank no Brasil Alcides Amaral.

O modelo que criou um mercado financeiro que movimenta até
US$ 1 trilhão por ano e atrai todo tipo de investidor começou a ruir quando a companhia de energia Enron foi desbaratada no fim do ano passado. Complexas operações com empresas fantasmas foram criadas para demonstrar uma riqueza inexistente. Daí em diante, dezenas de casos semelhantes apareceram. Na semana passada, o ritmo era praticamente de um escândalo por dia (Merck na terça-feira, Qwest na quarta-feira, Bristol-Meyers na quinta-feira…).

O caso da Worldcom, dona no Brasil da Embratel, é ainda mais assustador que o da Enron. Enquanto Kenneth Lay (ex-Enron) e sua turma realizavam complexas operações para esconder bilhões de prejuízos, os asseclas de Bernie Ebbers (ex-Worldcom) simplesmente colocaram na coluna de lucro o que, na verdade, era prejuízo. Simples assim. Ambas, diga-se, assessoradas pela já inexistente auditoria Arthur Andersen.

Lay e Ebbers, cada um a seu modo, destruíram o motor do mundo corporativo das últimas décadas nos EUA: o modelo de empresas ultra-agressivas, nascidas de uma boa idéia, bancadas pelo mercado de ações e com figuras aparentemente indestrutíveis no comando. Nem a General Electric, comandada até o ano passado por Jack Welch, considerado o melhor executivo de todos os tempos, tem escapado das desconfianças sobre seus balanços. Nada foi comprovado até agora, mas as ações da GE sofrem desde o início do ano.

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“A figura de Welch e de outros que não utilizaram artifícios escusos vai acabar se valorizando”, avalia Winston Pegler, o presidente no Brasil da Ray & Berndtson, uma empresa de recrutamento de executivos. De fato, quem cumpriu suas obrigações e, ainda assim, conseguiu concorrer com os bandoleiros corporativos pode cantar vitória. Mas, a partir de agora, não basta mais ser apenas um super-herói. É preciso, antes de tudo, saber (e querer) fazer contas direitinho. Tanto é assim que profissionais de contabilidade da antiga, senhores na casa dos 60 anos, estão sendo chamados de volta pelas empresas que um dia os trocaram por jovens ousados, saídos das melhores universidades de administração do planeta.

Os mesmos jovens que mal davam atenção ao salário quando aceitavam um novo emprego. Seus olhos estavam voltados para as chamadas “opções de ações” ou para a possibilidade de comprar papéis do empregador por um preço abaixo do mercado depois de cumprido determinado tempo de casa. O que nasceu como um benefício empregatício se tornou, com o inchaço do mercado acionário nos anos 90, um criadouro de milionários. E uma armadilha. “As opções acabam criando um conflito de interesses. O executivo passa a ter interesse pessoal na elevação da cotação das ações”, diz Barry Wolfe, diretor do escritório brasileiro da consultoria KPMG Forensic. Daí a fraudar balanços para garantir alguns milhões de dólares a mais na própria conta bancária é um passo, como se vê hoje.

No Brasil, o cenário é bem diferente e, acredite, menos propício a falcatruas do tipo Enron. “O grau de risco aqui é menor”, diz o professor de auditoria da Faculdade de Economia e Administração da USP, Ernesto Rubens Gelbcke. Medidas regulatórias nascidas após os escândalos dos bancos Econômico e Nacional têm sido eficientes; as opções de ações não são prática comum no Brasil; e são raras as empresas negociadas em bolsa. As fraudes brasileiras têm um perfil bem distinto. “Elas ocorrem, em geral, em esquemas montados com fornecedores ou funcionários do governo”, diz Marcelo Gomes, sócio-diretor da GBE Investigadores Contábeis. Aí, quem perde é o dono (ou os donos) da empresa. E não uma multidão de investidores anônimos.


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