O crime organizado produziu toda sorte de histórias no Espírito Santo. Incrustou-se no setor público a tal ponto que o Estado viveu uma espécie de intervenção branca entre 2001 e 2002. A afronta mais recente à Federação e ao estado de direito é a situação de quatro dos atuais sete conselheiros do Tribunal de Contas Estadual. Eles assumiram os cargos passando por cima de determinação em contrário do Supremo Tribunal Federal. A Constituição passou à condição de letra morta no território capixaba. “No mínimo, é um escândalo!”, brada o ex-governador Max Mauro, signatário de uma representação pedindo que o Ministério Público faça valer a decisão da corte.

O subprocurador-geral da República, José Roberto Santoro, coordenador da força-tarefa que investiga o crime organizado no Estado, diz que o TCE deveria ser um ponto estratégico na trincheira contra a corrupção. Ele mesmo já apresentou uma série de denúncias contra os conselheiros, em fase de julgamento no Superior Tribunal de Justiça. “Esquemas criminosos vêm sendo feitos e encobertos no TCE”, garante.

Esse novo capítulo da história capixaba começou a ser escrito em 1989. Em novembro daquele ano, os deputados estaduais promulgaram a Constituição estadual. No artigo 74, escreveram que o governador teria direito de escolher dois dos sete conselheiros do TCE. Mas impuseram-lhe limites: a cota deveria ser preenchida entre auditores do próprio tribunal e membros do MP junto ao tribunal, apresentados em lista tríplice. É o nó. A Carta federal de 1988 modelou as cortes de contas como instituições de controle dos gastos do Executivo. Para preservar o equilíbrio entre os poderes, no entanto, deu-se ao presidente da República a prerrogativa de escolher ao menos um dentre os 11 ministros do Tribunal de Contas da União. No Espírito Santo negou-se tal privilégio ao governador. A contradição foi exposta em duas ações diretas de inconstitucionalidade, impetradas em 1990 e 1994 – elas questionam artigos e disposições gerais da Constituição estadual. Ambas receberam liminares tão logo entraram no Supremo e posteriormente foram aceitas também no julgamento do mérito. O conselheiro Humberto Messias tomou posse do cargo mesmo depois de a Assembléia Legislativa ter sido notificada da decisão. Entre a expedição da primeira liminar e o julgamento final da segunda ação, foram nomeados Djalma Monteiro e Valci Ferreira.

A Assembléia aprovou emendas para “consertar” a Constituição estadual. Mas também os remendos foram vetados pelo STF. Dois dias depois da decisão do Supremo, o procurador Elcy de Souza foi empossado conselheiro. Não houve cerimônia. Elcy recebeu o cargo fora do expediente, às 8h30, numa reunião em que estavam somente ele e o presidente do tribunal, Valci Ferreira.

Na representação, Max Mauro afirma que a máfia capixaba “aparelhou” o TCE, o que de certa forma coincide com as denúncias do Ministério Público. O subprocurador Santoro explica: “Qual o primeiro órgão de controle contra a corrupção? É o Tribunal de Contas. Em mãos erradas, ele serve para purificar todos os tipos de irregularidades em obras, contratos e gastos públicos.”