O vice-presidente da Embraer, Horácio Forjaz, comemora a recuperação da empresa e afirma que ela se tornará uma "multinacional brasileira"

A privatização da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) está completando dez anos. Nesse período, ela saiu de uma crise que quase a levou à bancarrota para voar em céu de brigadeiro. Sem as amarras de uma empresa estatal e adotando uma agressiva política no mercardo externo, a Embraer obteve um desempenho espantoso a partir de 1997. Apenas um dado da recuperação: para os próximos anos, ela tem vendas garantidas no valor de US$ 10,1 bilhões. Além disso, a Embraer espera movimentar mais US$ 13,7 bilhões em transações futuras. O atual vice-presidente da empresa, engenheiro Horácio Forjaz, 51 anos, 27 dos quais na Embraer, foi um dos que viveram, naqueles anos difíceis, a expectativa de aumentar a fila dos milhares de desempregados da cidade paulista de São José dos Campos (SP). Hoje, ele é a imagem do sucesso da empresa. “Depois de ser, durante três anos, a maior exportadora do País, passando a Vale do Rio Doce e a Petrobras, a Embraer está a ponto de se tornar uma verdadeira multinacional brasileira”, diz. Seu presidente, Maurício Botelho, do qual Forjaz é o braço direito, está na China, onde negocia a criação de uma joint-venture com uma empresa estatal chinesa para a produção conjunta de aviões. Mas a empresa realizou, ainda, um feito notável para a indústria nacional: entrou no sofisticado mercado americano de aviação. A Embraer, inclusive, montou uma subsidiária no Estado do Tennessee para garantir a assistência técnica a seus produtos. Mais de 400 aviões brasileiros fazem parte da frota de empresas aéreas dos Estados Unidos. Forjaz afirma, nesta entrevista a ISTOÉ, que tem confiança na recuperação da economia brasileira e na realização das metas do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

ISTOÉ – Como o sr. analisa a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República?
Horácio Forjaz

Sem dúvida, o Brasil deu uma grande demonstração de maturidade e de funcionamento da sua democracia na eleição do presidente Lula, em um processo eleitoral civilizado, exemplar, absolutamente limpo, com uma prevalência de idéias e não de ataques. Sob este ponto de vista podemos ficar orgulhosos e confiantes de que o Brasil poderá superar as dificuldades e crescer mais. Aguardamos com tranquilidade o seu governo e desejamos que ele tenha grande sucesso nas suas metas.

ISTOÉ – A Embraer já negocia a instalação de uma fábrica na China?
Horácio Forjaz

Estamos em negociações com o governo chinês para a criação de uma joint-venture para a produção de aeronaves para a aviação comercial. Já temos um escritório de vendas na China e um depósito com peças de reposição, e uma empresa chinesa, a Shichuan Airlines, já opera cinco aeronaves EMB-145, de 50 lugares. A Embraer quer vender mais para a China e esta precisa de aviões para sua aviação regional, o que amplia as possibilidades de negócios.

ISTOÉ – Existe intenção da Embraer de conquistar outros mercados estratégicos no Oriente?
Horácio Forjaz

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O mercado chinês é, realmente, um mercado estratégico para nós. Com a Índia já realizamos negociações. E com a Rússia, embora ainda não tenhamos nada concreto, o presidente da Embraer, Maurício Botelho, deixou claro, durante a visita do presidente Fernando Henrique Cardoso a Moscou, no primeiro semestre de 2002, que pretendemos realizar negócios.

ISTOÉ – A crise da aviação mundial afetou de alguma maneira a Embraer?
Horácio Forjaz

O ano de 2002 foi um ano difícil para o transporte aéreo mundial. Mas a Embraer vai entregar, até dezembro, os 135 aviões previstos no início do ano. As grandes empresas dos Estados Unidos estão com dificuldades graves. Algumas já entraram em concordata e outras estão ameaçadas de recorrer a este expediente para tentar sair da crise. O setor de transporte aéreo dos Estados Unidos está fechando 2002 com um prejuízo de US$ 7 bilhões. Essa situação reduz a demanda, mas a Embraer está conseguindo se manter de forma bastante consistente neste cenário internacional adverso. Recentemente exportamos 22 novas aeronaves, entre elas aviões EMB-170, de 70 lugares, inclusive para a Alitália.

ISTOÉ – A aviação mundial ainda sente os efeitos dos atentados de 11 de setembro?
Horácio Forjaz

Em 2001 prevíamos a entrega de 200 aviões, e entregamos 161. Para 2002 planejamos a entrega de 220, e depois fizemos uma revisão dos planos para 135, o que se confirmou. Claro que o cenário da aviação mundial afeta também a Embraer, mas a empresa vem conseguindo superá-lo. Mas temos razões para estar confiantes em relação à perspectiva da empresa, considerando-se não só o espaço já conquistado no mercado internacional, mas também em função das vendas do modelo EMB-170, que começará a ser entregue aos operadores até o final do primeiro trimestre de 2002.

ISTOÉ – A Embraer não teme um agravamento da crise no setor aeronáutico no próximo ano?
Horácio Forjaz

A situação mundial não é, no momento, muito favorável, mas temos de manter nossa posição otimista, confiante. Esta posição influiu na recuperação da Embraer. Já privatizada, ela enfrentou alguns momentos difíceis, mas superou as dificuldades com seus funcionários, sua tecnologia. Esta é uma empresa que acredita no cidadão brasileiro, no futuro. Não podemos parar por causa de crises. Temos de confiar que o Brasil vai voltar a crescer. As crises surgem, assim como a capacidade das nações de superar as crises. O Brasil tem condições de superá-las.

ISTOÉ – As possíveis restrições impostas pelo cenário mundial adverso podem afetar a política de recursos humanos da empresa?
Horácio Forjaz

Vamos continuar a garantir a maior prioridade possível aos programas de atração de talentos e capacitação profissional que asseguram à empresa a vanguarda tecnológica da indústria aeronáutica. Buscamos nossos recursos humanos no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), no qual me formei, e nas universidades brasileiras. Foi com esta prioridade para a formação de pessoal de alto nível que foi criado o Instituto Embraer de Educação e Pesquisa. A prioridade para a educação permitiu, ainda, a criação de um estabelecimento de ensino médio, na unidade da Embraer em Eugênio Melo, já inaugurado.

ISTOÉ – A situação dos concorrentes da Embraer é mais problemática?
Horácio Forjaz

É difícil fazer essa avaliação. A situação é segura para a Embraer, apesar de os seus concorrentes enfrentarem dificuldades, inclusive a Bombardier (empresa canadense). Basta observar o cenário mundial, em que várias empresas atravessam seus dias mais difíceis. Mas, em 2003, certamente, vamos aumentar nossa produção, até porque acreditamos na recuperação da economia brasileira.


ISTOÉ – Qual foi o avião mais vendido pela Embraer este ano?
Horácio Forjaz

O EMB-145. Ele continua a ser a aeronave brasileira com maior espaço no mercado internacional, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, e também já foram negociados para a China.

ISTOÉ – A empresa pretende investir mais em projetos de aviões militares?
Horácio Forjaz

É um segmento em que a empresa tem tecnologia e pretende investir. Já vendemos aviões Super Tucano para a Aeronáutica, assim como as aeronaves do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam): dois de controle aéreo antecipado, um avião de tecnologia sofisticada, que vai garantir mais um espaço no mercado internacional, e dois de sensoreamento remoto, que vão permitir que o governo brasileiro exerça uma supervisão efetiva sobre a região Amazônica, com pleno exercício da soberania nacional na região. Para o México, estamos desenvolvendo um projeto de um avião anti-submarino e outro de vigilância marítima. Trata-se de aviões muito sofisticados e com altíssima tecnologia, que deverão ser entregues a médio prazo. Negociamos também a venda de aviões de controle aéreo para a Grécia.

ISTOÉ – O projeto F-X, através do qual a Embraer pretende, em consórcio com a Dassault, fornecer o caça Mirage 2000 para a Força Aérea Brasileira chega a ser decisivo para a empresa?
Horácio Forjaz

Será, sem dúvida, muito importante se nosso avião for escolhido. Confiamos no processo de escolha da aeronave que está sendo realizado pela Aeronáutica. Nesta licitação, apresentamos esse projeto do Mirage 2000-5 Br, em associação com a francesa Dassault/Aviation, e através dele pretendemos colocar o Brasil no mercado internacional de caças supersônicos. Já inauguramos, inclusive, a nossa nova unidade do município
paulista de Gavião Peixoto com esta finalidade.

ISTOÉ – Se vencer a licitação, como o projeto Mirage poderá gerar empregos no Brasil?
Horácio Forjaz

Certamente que vai gerar empregos no Brasil se o avião do consórcio Embraer/Dassault for o escolhido pelo governo para a Aeronáutica. Vamos adquirir tecnologia sofisticada. Vai haver, com certeza, consequências positivas, tanto de âmbito industrial quanto tecnológico e social, e vamos contribuir para a balança comercial do Brasil. Este contrato vai ser muito importante para a Embraer. A empresa tem-se dedicado muito a ele, e esperamos materializá-lo. Estamos concorrendo com aeronaves de fabricantes tradicionais, mas já temos tecnologia e parceiro capazes de sustenta r o nosso projeto. E a Embraer também ofereceu à Aeronáutica uma versão para transporte de carga, o EMB-120K.

ISTOÉ – A Embraer espera ter o apoio do presidente eleito Lula nesse caso?
Horácio Forjaz

O presidente Lula deixou publicamente a sua opinião de que a Embraer teria condições de realizar o projeto para a Aeronáutica, assim como fizeram outros então candidatos à Presidência. A Embraer investiu nos últimos cinco anos para entrar no mercado de aviões de defesa.

ISTOÉ – Qual a posição da empresa no ranking mundial de fabricantes de aviões?
Horácio Forjaz

A Embraer é o quarto fabricante de aviões comerciais do mundo e tem fábricas em São Paulo, escritórios e bases de serviços ao cliente na Austrália, em Pequim, na China, em Cingapura, nos Estados Unidos e na França. Conta, atualmente, com 10.900 funcionários, dos quais, dois mil são engenheiros.


ISTOÉ – Os empregados participam dos lucros da empresa?
Horácio Forjaz

Sim. A política de remuneração da Embraer demonstra a atualidade de suas políticas administrativas e sua preocupação com o social. Ao lado de um ativo sistema de acompanhamento e avaliação de competências, destaca-se o Programa de Remuneração Variável, como um avançado mecanismo de participação dos empregados nos lucros e resultados. A remuneração adicional quando a empresa obtém lucros é definida em acordo coletivo, celebrado com uma comissão de empregados.

ISTOÉ – A Embraer vai fornecer aviões EMB-145 para a TAM?
Horácio Forjaz

Assinamos com a TAM uma carta de intenção para aquisição de aeronaves. Mas, embora estejamos muito próximos da aviação brasileira, especialmente da TAM, acredito que enquanto esse cenário adverso da aviação não for superado não haverá confirmação de novas compras. A Rio-Sul tem 15 EMB-145, além de aviões Brasília. Todo o foco da Embraer, nos mercados interno e externo, é destinado aos seus atuais produtos, como o EMB-170 e o EMB-190, de 70 e 90 lugares, que têm ampla perspectiva no mercado internacional, comprovada pela repercussão destas aeronaves na feira britânica de Farnborough, na Inglaterra.

ISTOÉ – Como a empresa procura atrair as companhias aéreas estrangeiras?
Horácio Forjaz

Procuramos conquistar nossos operadores no Exterior e ampliar as exportações através dos serviços prestados a eles. No início deste ano, a Embraer adquiriu uma unidade de manutenção de aeronaves em Nashville, no Tennessee, Estados Unidos, a EAMS. Este tipo de iniciativa é fundamental se uma empresa tem o objetivo de ampliar sua presença no comércio internacional.

ISTOÉ – A briga com a Bombardier continua? (a Embraer venceu o último embate com a empresa canadense no âmbito da Organização Mundial do Comércio)
Horácio Forjaz

A briga acabou envolvendo os dois países, Brasil e Canadá, mas há uma perspectiva de acordo, uma convergência de posições para que se chegue a uma coexistência pacífica, uma convivência. Tivemos vendas certas que foram transferidas para os nossos competidores porque eles usaram de mecanismos que eu chamaria até de ilegais, segundo a interpretação da Organização Mundial do Comércio (OMC). A Embraer foi prejudicada em algumas negociações, mas depois de seis anos de disputa, ambos os lados estão chegando à conclusão de que é melhor um entendimento que pode se refletir positivamente para ambas as partes. Esta luta, muito feroz, que houve entre o governo canadense e o governo brasileiro, entre a Embraer e a Bombardier, acabou demonstrando a importância de haver diálogo, entendimento e flexibilidade, além do reconhecimento dos métodos e capacidades recíprocas.

ISTOÉ – O avião brasileiro ainda sofre barreiras no mercado mundial?
Horácio Forjaz

Não há barreiras para o avião brasileiro. A Embraer começou suas primeiras exportações em meados da década de 70, e depois já havia muitos aviões Bandeirante nos Estados Unidos. Depois, começaram as exportações do Brasília.


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