Desde menino, o advogado Mauro Tiole da Silva, 43 anos, gosta de fazer previsões. Nunca ficou rico com isso, mas até hoje é comum vê-lo acertando o terno da Mega Sena ou antecipando as sentenças dos juízes. Seu mais importante prognóstico, no entanto, aconteceu em 1980, durante uma assembléia de metalúrgicos no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo (SP). Em cima de um palanque improvisado, um torneiro mecânico gritava: “Vocês são os bombeiros que vão apagar o fogo que consome o sonho do trabalhador.” A frase serviu de inspiração para Tiole pintar em tela o futuro daquele orador, Luiz Inácio da Silva. No quadro do artista amador, Lula ficou de barba aparada, terno e gravata – bem diferente da figura do líder grevista. Ao fundo, desenhou ainda a bandeira do Brasil para simbolizar a carreira de estadista, como indicava sua intuição. “A idéia era fazer a faixa presidencial, mas, como não havia um pincel pequeno, deixei assim mesmo” , conta o advogado, que na época era montador da Volkswagen.

A obra de arte demorou três dias para ser concluída. Não ficou exatamente como o autor queria. Faltou escrever ao lado do rosto do homenageado a frase de Lula sobre os trabalhadores “bombeiros”. Mas, de novo, a falta de um pincel apropriado no ateliê de Tiole atrapalhou seus planos. “Estava com tanta pressa para terminar que nem esperei o quadro secar”, lembra. Na multidão da Vila Euclides, chorava enquanto Lula discursava. Aos poucos, metalúrgicos que notavam o trabalho do artista abriram o caminho para ele chegar mais perto do palco. Tímido, aproximou-se do palanque e entregou o quadro a um companheiro metalúrgico, que o levou até Lula. De volta para a casa, veio o arrependimento. Não queria ter se desfeito de sua mais importante criação. “Sabia que precisaria do quadro mais tarde para provar aos colegas que minha previsão estava certa.”

Flagra – A cena foi registrada por Hélio Campos Mello, atual diretor de redação de ISTOÉ, e publicada em junho de 1980. Na semana passada, com a chegada de Lula à Presidência, a edição histórica da revista trouxe de volta a fotografia do lendário quadro. Quem fez pose para a foto que entrou para a história foi o operador Erasmo José Batista, da antiga fábrica de motores Perkins, hoje com 72 anos e aposentado. “Fui o único a ter coragem de levantar a imagem do Lula”, garante ele. O medo dos demais companheiros era justificável. Meses depois, Erasmo foi mandado embora do emprego quando os chefes o viram sorridente na ISTOÉ da época. “Faria tudo de novo. Ele merece”, desabafa, emocionado. Para que o atual presidente se lembre dele, o ex-operador manda um recado a Lula: “Sou o Bigode. Durante a greve, você ia comer arroz com ovo frito lá em casa, mas não pôde porque teve de ir à delegacia depor.”

Além do quadro histórico, outras gravuras de Lula foram fotografadas na época das manifestações. A maioria delas era de Tiole. Uma segunda tela do líder grevista apareceu na capa da edição de ISTOÉ de 4 de abril de 1980. Três desenhos a lápis foram dados de presente à futura primeira-dama, Marisa. Anos depois, Tiole teve uma grata surpresa. Ao visitar a casa de Lula no bairro Assunção, avistou suas obras dependuradas na sala do casal. “Ali eu tive a certeza de que minha tela a óleo também estava guardada.” Mais uma vez, o advogado acertou. O quadro está até hoje no sítio do presidente eleito.

Sertanejo – Tiole também é um da Silva. Veio do sertão da Paraíba, da cidade de Monteiro, que fica na divisa do Estado com Pernambuco, a cerca de duas horas de Caetés. A cidade onde Lula nasceu é, por sinal, caminho obrigatório quando o advogado visita sua família. Chegou à capital paulista para tentar a vida e começou pelo curso do Senai. “Na Volkswagen, trabalhei no setor 1313”, gosta de lembrar. Até hoje guarda a carteirinha do sindicato com a assinatura de Lula.

A ISTOÉ, o artista revelou que começou a pintar mais um retrato premonitório sobre Lula em setembro. Segundo Tiole, a nova obra deve ficar pronta só no meio do ano que vem. Não dá detalhes. Diz apenas que a tela tem 1,50 metro de altura por 1,20 de largura. A pedido da reportagem, deixou escapar sua intuição para a eleição de 2006: “Vai dar Lula de novo.” Já aos que forem procurá-lo pedindo palpite para o jogo da Mega Sena, sugere, é claro, o número 13.